NÃO SEI POR QUE DE TANTO ESPANTO!
Jeremias Macário
Estudiosos no assunto, historiadores, membros
da Comissão da Verdade e até mesmo vítimas da ditadura civil-militar de 1964
mostraram-se estarrecidos com o documento do Departamento de Estado dos Estados
Unidos dando conta de que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974/79) autorizou
que o Centro de Inteligência do Exército (CIE) continuasse com a política de
execuções sumárias do tempo de Garrastazu Médici contra opositores do regime,
limitando a sanção aos mais “perigosos subversivos”.
Confesso que não entendi o porquê de tanto
espanto com a revelação, já que todos que acompanharam os acontecimentos da
época sabiam muito bem que os presidentes, os comandantes e os chefes mais
ligados ao esquema tinham conhecimento de todos os fatos. Ora, os generais e
os que recebiam ordens lá de cima estavam “carecas” de saber que o presidente,
comandante das forças armadas, estava a par de tudo.
Avassaladora e
vergonhosa mesmo foi a anistia dada aos torturadores que mataram e fizeram
desaparecer com muita gente durante mais de 20 anos de ditadura, quando
generais, delegados e militares da cúpula ficaram impunes, enquanto os
criminosos de lesa humanidade na Argentina, no Chile e no Uruguai foram para
cadeia e pagaram por suas atrocidades.
O Brasil não reagiu, deixando as feridas
abertas, e agora muitos ficam espantados com o documento da CIA e pedem que, a
esta altura da história, a Lei de Anistia de 1979 seja revista pelo Supremo
Tribunal Federal. Mais estarrecedor é constatar que, por falta de reação, a
maioria dos brasileiros, principalmente os jovens, desconhece o que houve na
época e até tem pessoas que não acreditam que existiu a tal ditadura como
contada com tanto horror e barbaridade.
Não acredito que a Lei seja reexaminada, como
cogita o professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo, Pedro
Dallari, e coordenador da Comissão da Verdade, criada no governo Dilma
Rousseff. Passados 30 anos, por capricho dos generais, muitos arquivos nem
foram abertos e até negam que cometeram crimes de tortura. Também não deram
importância para o que registrou a Comissão.
Memorando de 11 de abril de 1974, assinado
pelo diretor da CIA, WilllianColby e enviado ao então secretário de Estado
Henry Kissinger, afirma que Geisel disse ao chefe do Serviço Nacional de
Informação (SNI) à época João Baptista Figueiredo (presidente de 1979/85) que as
execuções deveriam continuar, mas só para os “perigosos”. Nessa época, a CIA
mandava e desmandava aqui dentro e se infiltrava nos movimentos. A nação nunca
foi tão subjugada aos Estados Unidos.
A este respeito, ouvi nesta semana um
comentário ingênuo, ou tendencioso, que não acredita na ordem de execuções dada
por Geisel porque, conforme justifica o elemento, quando Vladimir Herzog foi
assassinado na prisão, o presidente admoestou o comandante do II Exército e
demitiu, pessoalmente, em São Paulo, o general Ednardo quando mataram o
metalúrgico Manoel Fiel Filho.
Estas duas vítimas da ditadura não eram consideradas
tão “perigosas” no conceito do presidente, que sempre foi rígido em suas ordens
e ficou indignado com o exagero cometido. Os generais não o consultaram e foram
além da sua recomendação, sem contar que agiram de forma muito escancarada,
deixando pistas bem evidentes. Ele foi questionado na sua hierarquia. A
interpretação de que Geisel não deu ordem e nem sabia é típica de defensor do
regime.
De acordo com o documento, Geisel e
Figueiredo concordaram que quando o CIE detivesse alguém que poderia cair na
categoria de “perigoso”, o chefe do Centro de Inteligência do Exército deveria
consultar o Chefe do SNI que, por sua vez, deveria ter aprovação do Palácio do
Planalto, para a execução. O acerto foi em 30 de março de 1974 entre Geisel,
Figueiredo e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula
Avelino.
Naquele período, “perigosos” mesmo eram os 33
guerrilheiros ainda vivos na região do Araguaia, dentre os quais cinco baianosVandick
Coqueiro, Uirassu de Assis Batista, José Lima Piauhy e Dinalva Oliveira
Teixeira. Até hoje não há registro dos corpos, nem as circunstâncias em que
desapareceram. A versão era de que as violações e os assassinatos eram “coisas
dos porões da ditadura”.
Até hoje a maioria dos militares oficiais se
vangloria das matanças praticadas no Araguaia com requintes de crueldades,
dizendo que aquela gente, do PC do B, não passava de terrorista. Mesmo presos
em poder do Estado, todos foram sumariamente executados. As torturas não se limitavam
aos guerrilheiros, mas a todos os ribeirinhos e aldeões da região.
Na época da terceira expedição, entre 73/74,
os militares recrutaram jovens de 17 e 18 anos e torturaram, justificando que
era um meio deles terem resistência para suportarem os interrogatórios dos
inimigos. Testemunhos das barbáries contam que eles deixavam os recrutas nus em
formigueiros e expostos a todo tipo de insetos dentro dos matos. Muitos
chegaram a ser estuprados por oficiais.
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