Ladeira abaixo
Nunca vi jogos tão horrorosos, tão nivelados na
tragédia, tão medíocres no futebol brasileiro
O Estado de S.Paulo
Ugo Gorgetti - 06 Maio 2018 - Colaboração de Carlos González
Não sei quanto mais
baixo vamos chegar. O que sei é que por aí, em bancas de jornais, bares e redutos
de conversa, só ouço falar da Champions, de Liverpool, Roma, Real Madrid, e
quase nada do Campeonato Brasileiro ou qualquer outra competição jogada aqui.
Isso me leva à conclusão de que não jogamos mais futebol no Brasil. Às vezes
tendo a concordar plenamente. Nunca vi jogos tão horrorosos, tão nivelados na
tragédia, tão medíocres. Graças a Deus as camisas estão irreconhecíveis,
deformadas pela quantidade de propaganda que carregam, o que evita crises de
desespero ao ver uniformes tradicionais vestidos por gente tão ruim.
Pela televisão,
enganadora em tudo, é impossível identificar, à primeira vista, quem está
jogando. Antes era possível saber até a divisão em que jogavam os clubes que
apareciam na tela. Hoje é impossível: pode ser um jogo da série A, como pode
ser da B, C, ou sei lá o quê. São todos iguais, grandes e pequenos, se é que
ainda existe essa separação. É tudo parecido.
Um zagueiro rola a
bola para outro zagueiro ao seu lado, os dois perto da linha que divide o
campo. Enquanto isso o adversário se recolhe com dez jogadores atrás da mesma
linha. Esse zagueiro que recebe a bola não dá um passo para frente. Apenas olha
e devolve a bola para o zagueiro que lhe tinha passado. Nenhum dos dois
ultrapassa em um milímetro o circulo central. Aí vem um terceiro jogador,
supostamente um armador, que, por sua vez, recebe a bola de um dos zagueiros,
mas também não consegue dar mais que um passe lateral de meio metro.
No mundo do
verdadeiro futebol ele teria que fazer a bola avançar. Mas não, dá uma volta sobre
ela, não sabe bem o que fazer e acaba devolvendo para um dos zagueiros.
Chama-se a isso “posse de bola”. Enquanto isso, do lado dos que defendem seu
campo, formando o que se chamava outrora de deslavada retranca, eis que algum
dos dez defensores dá uma corridinha simulando apertar o zagueiro que tem a
bola. Esse movimento canhestro, certamente inoperante, faz com que o zagueiro
apavorado e de cabelos em pé atrase a bola para o goleiro. Daí sai o inevitável
chutão que termina momentaneamente com a preciosa “posse de bola”.
Quase todos os clubes
fazem isso. Tanto os que atacam como os que defendem. Praticamente não há
nenhum valor individual que possa romper uma defesa. Não há mais dribladores,
não há mais lançadores que põem a bola no pé do companheiro. O gol só sai ou de
escanteio ou de alguma falta batida em direção a um bolo de jogadores dentro da
área, uns na esperança de que a bola por acaso bata neles e volte para o meio
de campo, outros na esperança que a bola, também por acaso, bata neles e entre
no gol. E os caprichos do acaso ocasionam um sem fim de gols contra ou
acidentais.
No fim dos anos 50 do
século passado havia um técnico chamado Milton Buzzeto, que treinava o glorioso
Juventus, da rua Javari. Buzzeto colocava dez jogadores formando linhas na
frente da área e um centroavante perto do meio do campo, na espera de que um
chutão ao acaso o pusesse na frente do gol. Palmeiras, Corinthians, São Paulo e
até o Santos de Pelé penavam para arrancar um gol do Juventus. Todos ironizavam
o “sistema” de jogo do antigo Moleque Travesso. Desdenhavam de um time pequeno,
que jogava pra perder de pouco. Não tinha jogadores como os grandes clubes, por
isso apelava para esse feio futebol.
Por anos e anos o
Juventus e seu treinador fizeram parte do folclore do futebol paulista. Mal
sabíamos nós que Milton Buzzeto faria escola. Hoje em dia quase todos os clubes
deste País, organizadinhos e perfilados lá atrás, jogam como o velho e
simpático Juventus. Não o de Turim, claro, mas o da Mooca.
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