O BRASIL É UM CASO MAL RESOLVIDO
Jeremias Macário
Sabe daquele caso de separação mal
resolvido, do homossexual que não consegue sair do armário, do cara que se faz
de machão, mas sempre dá aquela desmunhecada, da pessoa que não realizou seu
sonho e ficou frustrada, do pobre que tenta imitar o rico e fica todo
endividado e inadimplente, da transa mal resolvida e da história repetida?
Pois é, assim é o nosso Brasil, um país mal
resolvido desde a chegada da Nau Cabral e da Carta de Caminha. Mal resolvido
que ainda aguarda seu futuro desde os tempos remotos até os dias atuais. Cheio
de promessas, medos e esperanças que vive na base do agora vai sair do
atoleiro. Dessa vez vai dar certo! É o país do agora vai!
É como o gay que não sai do armário; não tem
uma identidade definida e tem pavor de se achar; vive de prever seu
desenvolvimento, mas ainda não o encontrou; se declara como uma das potências
econômicas do mundo, mas não passa de um pobre coitado, sempre emergente; e,
com suas trapalhadas é motivo de piadas e sempre está ridículo na fita. Serve
até de bobo das cortes dos outros, sempre no muro das lamentações.
Tem reis, rainhas e heróis idolatrados da
música e dos esportes, muitos dos quais nem deveriam servir de exemplo para a
mocidade por serem levianos e alienados, sem contar que são passageiros,
aventureiros e oportunistas. Na política, que deveria ser a saída para
encontrar seu rumo como nação, é uma lástima e uma vergonha.
Desde os tempos coloniais com as capitanias
hereditárias até o império, o povo sempre bancou as mordomias, inclusive
amantes e prostitutas dos seus mandatários. Vive de alimentar a promiscuidade. A
Inconfidência Mineira, os levantes, as rebeliões e as revoltas quase não
tiveram a participação popular. O grito de independência, às margens do Rio
Ipiranga, decretado por D. Pedro I, virou caso de chacota.
Depois de trezentos anos de servidão, o
Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, mesmo assim por
pressão de potências econômicas mundiais. Foi um dos grandes acontecimentos nacionais
mal resolvidos até hoje. Os negros ficaram desamparados e nada receberam em
troca pelo trabalho escravo. Não houve indenização reparatória na época. Até o
ministro Ruy Barbosa, o grande jurista, mandou queimar os documentos para que
não houvesse conflitos. Deram-se bem os latifundiários e a oligarquia. Os
negros e os pobres em geral continuaram escravos deles. A submissão e o
conformismo são marcas de uma ferida que nunca foi cicatrizada.
A Proclamação da República (coisa pública)
foi outro fato mal resolvido, feita pela ditadura dos marechais que passaram a
governar com mão de ferro, de costas para o povo e de frente para os ricos e
burgueses. A desigualdade social já era profunda com mais de 70% da população
analfabeta. Só votava quem tinha posses e bens. As mulheres foram alijadas do
processo. Vivemos até hoje numa República mal resolvida.
O golpe de 1930, dado por Getúlio Vargas e
sua turma, levou a nação a outra ditadura feroz, e os torturados e os
familiares dos mortos não foram reparados. Os torturadores ficaram impunes. Em
1961ensaiaram outro golpe militar, mas não deu certo. O vice-presidente João
Goulart que estava na China entrou pelas portas dos fundos através das
fronteiras entre Uruguai e o Rio Grande do Sul. Tomou posse no lugar de Jânio
Quadros pelo parlamentarismo.
Veio a ditadura civil-militar de 1964, a pior
de todas, a mais truculenta. A sublevação do general Olímpio Mourão Filho que
desceu com sua tropa de Juiz de Fora (Minas Gerais) até o Rio de Janeiro em 31
de março foi um blefe que deu certo. O golpe só foi mesmo consolidado em 1º de
abril (dia da mentira). Os generais preferiram o 31de março. O presidente do
Congresso Nacional decretou a vacância do presidente quando ele ainda se
encontrava em território brasileiro.
Mias de 20 anos de repressão, torturas,
desaparecidos e mortes. Mais uma vez a história se repetiu, com os mesmos
erros. Deram uma anistia como cala boca. As Diretas Já viraram indiretas. Os
torturadores que derramaram sangue não foram punidos até hoje. As famílias não
puderam e nem tiveram o direito de enterrar seus mortos.
O Brasil foi, mais uma vez, o último país do
mundo a criar uma Comissão da Verdade que, na verdade, não deu em nada. Os
parentes lutam na Justiça para que os casos sejam esclarecidos e os culpados
punidos. Colocaram uma pedra em cima do horror, inclusive com o consentimento e
a conivência dos governos ditos de esquerda a partir de Fernando Henrique
Cardoso e Lula, que tanto pregaram justiça e igualdade social.
A questão mal resolvida caiu no quase total
esquecimento dos brasileiros. As feridas continuaram abertas, sem sepulturas e
sem os devidos esclarecimentos, e assim vai permanecer. Os outros países da
América do Sul abriram inquéritos, puniram e prenderam os culpados pelas
violações dos direitos humanos.
Ao invés de passar a limpo, o Brasil prefere
jogar a sujeira para debaixo do tapete e seguir premiando a impunidade. Sua
imagem lá fora é de transgressor dos direitos humanos. Como não fez reparação
exemplar, as torturas e as matanças de pobres continuam dentro e fora das
cadeias e penitenciárias, as masmorras medievais. A herança da ditadura
permanece em vários setores da vida pública brasileira.
As eleições de 2014 foram uma verdadeira
farsa, um calote contra o bobo eleitor. O impeachment contra Dilma foi uma
montagem de votos comprados dentro do Congresso Nacional que a história já se
deu conta. Por falar nisso, nossa história está cheia de rupturas e recuos
impostos pela casta da elite burguesa conservadora que oprime as classes mais
pobres.
O julgamento do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) foi um circo armado e terminou em mais um caso mal resolvido em nome de
um engodo da tal estabilidade política, ditado por entidades malignas
políticas-partidárias dentro da própria Justiça Eleitoral. Continuamos
“representados” por um mordomo do Drácula que quer mais sangue para seu patrão.
A Operação Lava Jato que investiga os ladrões
e corruptos está sob cerco cerrado para ser interrompida com a anistia dos
malfeitores e assaltantes bandidos da nação. Preferimos continuar divididos
entre “coxinhas” e “mortadelas”, defendendo categorias isoladas, gêneros e
cores de pele, montando patrulhas ideológicas, do que passar o país a limpo da
sujeirada.
Assim, o Brasil vai continuar sendo um país
mal resolvido, sem sair do armário, ou, aliás, escondendo os esqueletos da
história no seu armário macabro e tenebroso. O Brasil passou a ser colecionador
de casos mal resolvidos, sem a garantia do tão prometido futuro, consumindo e
roendo seu complexo de inferioridade como emergente, ou subdesenvolvido.
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