O iluminado
Nando da Custa Lima
O
missionário naquele dia tava inspirado, já tinha feito mais de 30 milagres, e
ainda havia uma fila de mais de um quilômetro para ele consertar. Tinha tirado
a cachaça de uns dez, curou cegueira, corrigiu defeito físico. Era só ficar de
olho fechado e estender o braço direito que conseguia o que quisesse. Dinheiro
então nem se fala, enchia os sacos. Aurélio era um orador de mão cheia, um dom
herdado de seu avô, Zé falador. Da família da mãe herdou a religiosidade: tem
tio padre, tio pastor, tio pai de santo. O sobrinho sofreu influência dos três,
daí que veio sua vocação pra missionário, mas preferia ser chamado de
“iluminado”.
As coisas
nem sempre foram boas para Aurélio, passou muito aperto até chegar onde está.
Primeiro tentou a política, mas como pra se eleger era preciso muita grana, pra
ele não deu. Além disso, esses empregos já não são mais tão vantajosos como
antigamente. Na sua profissão de formação sempre foi discriminado, ninguém
queria seus serviços como advogado. Mas não sem razão, a última causa que lhe
deram para resolver o cliente só não foi condenado à morte porque no Brasil não
tem isso. E olha que o crime só foi se embriagar e mijar na frente da
Prefeitura. Mas como missionário sua ascensão foi rápida, ficou conhecido no
mundo todo, tão famoso que vai lançar um livro contando sua gloriosa carreira e
revelando como descobriu seus poderes para a prática do bem, sentiu que era um
iluminado. Só que a história que ele conta no livro não tem nada a ver com a
realidade.
Quem me
contou a verdadeira história do missionário foi sua própria mãe, ela tava tão
revoltada com o filho... Também não é pra menos, o sacana não só lhe excomungou
como a expulsou da igreja só por ter atrasado o dízimo um mês e meio. Estava
tão retada que abriu o jogo e contou a verdade.
Tudo
começou quando seu filho tinha uns quarenta anos, ele estava desempregado e só.
Tinha tentado de tudo e nada dava certo. Sentindo-se perdido, entregou-se ao
álcool, passava o dia enchendo a cara. Feio como sempre foi, e ainda por cima
caindo aos pedaços de bêbado, não tinha mulher que encostava, nem lembrava qual
foi a última vez que tinha afogado o ganso. Estava a perigo, e foi esse jejum
sexual uma das causas da sua revelação como milagreiro. É que um dia ele chegou
em casa de quatro, como tava sem transar há vários anos, toda vez que bebia sua
tara triplicava, ficava subindo em parede lisa. Nesse dia ele passou da conta,
a tara o cegou e não reconheceu nem a vizinha e comadre de sua mãe, uma senhora
esclerosada beirando os 80 anos e presa há uma cadeira de rodas há quase duas
décadas devido a um problema na coluna. A velha, mesmo caduca, sentiu as
intenções do homem e ficou apavorada, ele tava sem molhar o pavio a tanto tempo
que enxergava a idosa como um símbolo sexual. Foi nesse momento de loucura que
os poderes de Aurélio se revelaram, na hora que desabotoou a braguilha e partiu
pra cima da velha babando com aquela cara de doido, ela levantou da cadeira
de rodas, atravessou o quintal correndo e gritando “Pega o tarado”, e apesar de
sua deficiência e seus cem quilos de banha, pulou um muro de quase dois metros.
Mas muita gente tá de prova que ela morreu curada. Graças a este milagre,
Aurélio iniciou sua brilhante carreira como missionário milagreiro e hoje é
tido como santo. Isso até essa história cair nos ouvidos de seus fieis.
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