Jeremias Macário
“(...) ELE NÃO FOI
APENAS UM REVOLUCIONÁRIO, UM PENSADOR E UM INTELECTUAL, MAS O MAIS COMPLETO SER
HUMANO DA NOSSA ÉPOCA” – Jean Paul Sartre
FOI EXCLUÍDO, ALIJADO,
TRAÍDO E PARTIU EM BUSCA DA IMOLAÇÃO NO CONGO E NA BOLÍVIA.
Por discordar de Fidel Castro, seu
companheiro-amigo-irmão mais fiel de luta, quanto a forma de ocupação dos
soviéticos na Ilha, Ernesto Guevara de la Serna, o Che, que combateu bravamente
em Sierra Maestra para derrubar o regime de Fulgêncio Batista, em 1959, teve
que se afastar das decisões do comando governo comunista, colocando a revolução
acima de suas ideias.
Sua fuga desesperada, angustiada, improvisada
e às presas começou logo no final de 1964 quando passou três meses longe de
Cuba em viagens pelo Egito, Tanzânia e Argélia, para combinar sua ação
guerrilheira no Congo, num caótico ambiente de indisciplina e desorganização
entre os soldados que se recusavam
receber ordens.
Os russos, ressentidos por sua preferência
pela presença da China em Cuba, continuaram em seus calcanhares, e o Che só
pode continuar no Congo até meados de 1965. Tentou adiar seu retornou a Cuba
ficando uns tempos na África e em Praga onde aproveitou para se refazer fisicamente
dos desgastes sofrido no Congo. Estava muito debilitado na época.
Em solo cubano onde não mais lhe pertencia
por sentir-se fora dos destinos do povo, não demorou muito e rumou, com pouca
preparação, para as selvas bolivianas onde foi abandonado e esquecido por Fidel,
sob pressão da União Soviética que não aceitava mais um trotskista em suas
fileiras. Depois de ferido num acidente, foi impiedosamente executado pelo
exército boliviano, em 8 de outubro de 1967.
Toda sua trajetória, desde sua viagem de
motocicleta pela América do Sul e Central como recém-formado em medicina, seu
relacionamento familiar, seu encontro com Fidel no México, sua ida para Cuba,
seu auge como ministro e sua decadência são contados pelo jornalista e escritor
Flávio Tavares, no livro “As Três Mortes de Che Guevara” – o disparo em Cuba, a
agonia no Congo e a execução na Bolívia.
No seu livro, de
atraente leitura, o jornalista fala também do seu primeiro encontro com o Che
em 9 de agosto de 1961 em Punta del Este (Uruguai), na abertura da Conferência
da OEA. Sobre sua vida, cita suas andanças de motocicleta com o amigo Alberto
Granado pelo Chile, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guatemala e outros países até
o México, em 1952. Da viagem, destaca os escritos e impressões do Che em
“Diários de Motocicleta”.
É uma narração baseada em entrevistas,
testemunhos de companheiros fieis que lutaram ao lado do Che,
cartas-documentos, depoimentos da sua mãe Célia, simpatizantes, inimigos de
combate, fatos cobertos pela imprensae outras fontes que comprovam que o jovem
médico argentino sempre sonhou com o “homem novo”, mas foi traído pela própria
revolução.
No desenrolar da narrativa, com argumentos
bem amarrados em linguagem dinâmica, o
autor deixa claro que o Che foi empurrado para a armadilha da morte e, como não
tinha outra opção, aventurou-se novamente nas selvas para construir outras
revoluções, como fez antes quando seguiu sem amigo-irmão em direção à Cuba.
Flávio Tavares faz várias perguntas e deixa
interrogações sobre a atitude de um homem experiente que parece saber que está
indo para a morte depois de ter sido superministro na ilha cubana. Mesmo assim,
ele prefere recomeçar tudo como no início contra a opressão do imperialismo.
Tudo leva a crer que ele ficou desiludido
com o poder e da forma como a revolução foi se desviando daquilo que ele imaginava
ser. Não se conformava com os métodos impostos pelos soviéticos e passou a divergirde
determinadas linhas de ação do regime com o comandante Fidel.
Foram horas e horas de discussão e, por não
concordar com certos pontos de vista, foi sendo retirado,propositalmente,de
cena. Ele próprio percebeu isso quando partiu para guerrear como um ingênuo em
outras terras estranhas, cheias de adversidades, como se estivesse em busca da
imolação.
“Por que morreu do jeito que morreu, no
abandono político e pessoal, incompreendido em Cuba e de lá tendo de sair para
continuar a ser o homem que era? Por que na Bolívia (antes no Congo) continuou isolado
pelos que diziam lutar por aquilo que ele lutava, pela utopia que buscava
alcançar”?
São indagações feitas pelo próprio autor na
abertura do seu livro no capítulo “A vida do homem novo”.O inquieto viajante
aventureiro foi capturado no dia 8 de outubro de 1967 e executado no dia
seguinte aos 39 anos, três meses e 25 dias pelo sargento do exército boliviano
Mário Terán. Neste dia, Flávio Tavares estava preso no quartel do exército em
Juiz de Fora (MG) e não acreditou na notícia. Foi através de uma artimanha do
sargento Terán que o ativista e teórico das guerrilhas, o francês Régis Debray,
preso na Bolívia, entregou a localização Che.
Foi justamente a partir dos anos 60 que a
Revolução Cubana passou a exercerprofundo fascínio em todos grupos sociais pelo
mundo, especialmente na América Latina. Da ilha surgia uma nova visão
libertária. Cuba era, então, el território libre de América – comenta o
escritor de “As Três Mortes de Che Guevara”, ao narrar o ambiente da capital
Havana dominada pela máfia norte-americana até 1º de janeiro de 1959.
Diante de todas as dificuldades econômicas e
políticas, nacionalização de multinacionais, que rejeitaram refinar o petróleo
russo, e da invasão de mercenários dos Estados Unidos (1961), a União Soviética
aparece na escolha de Fidel Castro como redenção, guardião e guarda chuva do
Estado, com seu marxismo autoritário e arrogante.
Diz o biografo de
Guevara, o norte-americano Jon Lee Anderson, que na sua primeira viagem à Rússia,
o Che voltara desiludido com o que viu, no caso a vida elitista e a predileção
por luxos burgueses adotados por autoridades do Kremlin, em contraste com as
condições austeras do cidadão comum soviético.
Outra questão foi a de que o Che considerava
porcaria a grande maioria dos produtos fornecidos pelos soviéticos, da
maquinaria aos parafusos, segundo confessou seu amigo confidente argentino
Ricardo Rojo. Os soviéticos e os países da órbita de Moscou pagavam um bom
preço pelo açúcar, mas quase tudo em moeda não conversível para trocas
internacionais.
Na visão de Tavares, o Che queria algo mais,
além de Estado benfeitor que imitava o capitalismo, explorador do outro -
conforme interpreta em sua obra. Ele queria criar o “homem novo” e assim
instituiu o trabalho voluntário, inspirado nas comunas populares da China -
escreveu.
Aquilo foi o estopim
para entrar em colisão com Fidel e ser alijado do centro do poder. Seu primeiro
gesto de rebeldia foi não comparecer, em novembro de 1964, ao congresso dos
partidos comunistas da América Latina, em Havana, com assistência de Fidel e da
cúpula do Partido Popular Socialista de Cuba.
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