segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

JEREMIAS MACÁRIO - COLUNISTA VIP:

“AS TRÊS MORTES DE CHE GUEVARA” (I)
Jeremias Macário
“(...) ELE NÃO FOI APENAS UM REVOLUCIONÁRIO, UM PENSADOR E UM INTELECTUAL, MAS O MAIS COMPLETO SER HUMANO DA NOSSA ÉPOCA” – Jean Paul Sartre
FOI EXCLUÍDO, ALIJADO, TRAÍDO E PARTIU EM BUSCA DA IMOLAÇÃO NO CONGO E NA BOLÍVIA. 
   Por discordar de Fidel Castro, seu companheiro-amigo-irmão mais fiel de luta, quanto a forma de ocupação dos soviéticos na Ilha, Ernesto Guevara de la Serna, o Che, que combateu bravamente em Sierra Maestra para derrubar o regime de Fulgêncio Batista, em 1959, teve que se afastar das decisões do comando governo comunista, colocando a revolução acima de suas ideias.
  Sua fuga desesperada, angustiada, improvisada e às presas começou logo no final de 1964 quando passou três meses longe de Cuba em viagens pelo Egito, Tanzânia e Argélia, para combinar sua ação guerrilheira no Congo, num caótico ambiente de indisciplina e desorganização entre os soldados  que se recusavam receber ordens.
  Os russos, ressentidos por sua preferência pela presença da China em Cuba, continuaram em seus calcanhares, e o Che só pode continuar no Congo até meados de 1965. Tentou adiar seu retornou a Cuba ficando uns tempos na África e em Praga onde aproveitou para se refazer fisicamente dos desgastes sofrido no Congo. Estava muito debilitado na época.
  Em solo cubano onde não mais lhe pertencia por sentir-se fora dos destinos do povo, não demorou muito e rumou, com pouca preparação, para as selvas bolivianas onde foi abandonado e esquecido por Fidel, sob pressão da União Soviética que não aceitava mais um trotskista em suas fileiras. Depois de ferido num acidente, foi impiedosamente executado pelo exército boliviano, em 8 de outubro de 1967.
   Toda sua trajetória, desde sua viagem de motocicleta pela América do Sul e Central como recém-formado em medicina, seu relacionamento familiar, seu encontro com Fidel no México, sua ida para Cuba, seu auge como ministro e sua decadência são contados pelo jornalista e escritor Flávio Tavares, no livro “As Três Mortes de Che Guevara” – o disparo em Cuba, a agonia no Congo e a execução na Bolívia.
No seu livro, de atraente leitura, o jornalista fala também do seu primeiro encontro com o Che em 9 de agosto de 1961 em Punta del Este (Uruguai), na abertura da Conferência da OEA. Sobre sua vida, cita suas andanças de motocicleta com o amigo Alberto Granado pelo Chile, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guatemala e outros países até o México, em 1952. Da viagem, destaca os escritos e impressões do Che em “Diários de Motocicleta”. 
  É uma narração baseada em entrevistas, testemunhos de companheiros fieis que lutaram ao lado do Che, cartas-documentos, depoimentos da sua mãe Célia, simpatizantes, inimigos de combate, fatos cobertos pela imprensae outras fontes que comprovam que o jovem médico argentino sempre sonhou com o “homem novo”, mas foi traído pela própria revolução.
   No desenrolar da narrativa, com argumentos bem amarrados em  linguagem dinâmica, o autor deixa claro que o Che foi empurrado para a armadilha da morte e, como não tinha outra opção, aventurou-se novamente nas selvas para construir outras revoluções, como fez antes quando seguiu sem amigo-irmão em direção à Cuba.
 Flávio Tavares faz várias perguntas e deixa interrogações sobre a atitude de um homem experiente que parece saber que está indo para a morte depois de ter sido superministro na ilha cubana. Mesmo assim, ele prefere recomeçar tudo como no início contra a opressão do imperialismo.
   Tudo leva a crer que ele ficou desiludido com o poder e da forma como a revolução foi se desviando daquilo que ele imaginava ser. Não se conformava com os métodos impostos pelos soviéticos e passou a divergirde determinadas linhas de ação do regime com o comandante Fidel.
   Foram horas e horas de discussão e, por não concordar com certos pontos de vista, foi sendo retirado,propositalmente,de cena. Ele próprio percebeu isso quando partiu para guerrear como um ingênuo em outras terras estranhas, cheias de adversidades, como se estivesse em busca da imolação.
 “Por que morreu do jeito que morreu, no abandono político e pessoal, incompreendido em Cuba e de lá tendo de sair para continuar a ser o homem que era? Por que na Bolívia (antes no Congo) continuou isolado pelos que diziam lutar por aquilo que ele lutava, pela utopia que buscava alcançar”?
  São indagações feitas pelo próprio autor na abertura do seu livro no capítulo “A vida do homem novo”.O inquieto viajante aventureiro foi capturado no dia 8 de outubro de 1967 e executado no dia seguinte aos 39 anos, três meses e 25 dias pelo sargento do exército boliviano Mário Terán. Neste dia, Flávio Tavares estava preso no quartel do exército em Juiz de Fora (MG) e não acreditou na notícia. Foi através de uma artimanha do sargento Terán que o ativista e teórico das guerrilhas, o francês Régis Debray, preso na Bolívia, entregou a localização Che.
  Foi justamente a partir dos anos 60 que a Revolução Cubana passou a exercerprofundo fascínio em todos grupos sociais pelo mundo, especialmente na América Latina. Da ilha surgia uma nova visão libertária. Cuba era, então, el território libre de América – comenta o escritor de “As Três Mortes de Che Guevara”, ao narrar o ambiente da capital Havana dominada pela máfia norte-americana até 1º de janeiro de 1959.
  Diante de todas as dificuldades econômicas e políticas, nacionalização de multinacionais, que rejeitaram refinar o petróleo russo, e da invasão de mercenários dos Estados Unidos (1961), a União Soviética aparece na escolha de Fidel Castro como redenção, guardião e guarda chuva do Estado, com seu marxismo autoritário e arrogante.
Diz o biografo de Guevara, o norte-americano Jon Lee Anderson, que na sua primeira viagem à Rússia, o Che voltara desiludido com o que viu, no caso a vida elitista e a predileção por luxos burgueses adotados por autoridades do Kremlin, em contraste com as condições austeras do cidadão comum soviético.
   Outra questão foi a de que o Che considerava porcaria a grande maioria dos produtos fornecidos pelos soviéticos, da maquinaria aos parafusos, segundo confessou seu amigo confidente argentino Ricardo Rojo. Os soviéticos e os países da órbita de Moscou pagavam um bom preço pelo açúcar, mas quase tudo em moeda não conversível para trocas internacionais.
 Na visão de Tavares, o Che queria algo mais, além de Estado benfeitor que imitava o capitalismo, explorador do outro - conforme interpreta em sua obra. Ele queria criar o “homem novo” e assim instituiu o trabalho voluntário, inspirado nas comunas populares da China - escreveu.
Aquilo foi o estopim para entrar em colisão com Fidel e ser alijado do centro do poder. Seu primeiro gesto de rebeldia foi não comparecer, em novembro de 1964, ao congresso dos partidos comunistas da América Latina, em Havana, com assistência de Fidel e da cúpula do Partido Popular Socialista de Cuba.

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