A invasão dos estrangeiros
Carlos Albán González
Especialistas em linguística vêm afirmando que o português
falado no Brasil está destinado a morrer, diante das deturpações que o idioma
herdado dos nossos descobridores são acolhidas nas redes sociais e em muitos
meios de comunicação. O artigo “País sem cultura é país sem alma”, publicado
neste espaço pelo meu colega Jeremias Macário, levou-me a acreditar que o
brasileiro está sofrendo de uma doença que eu chamaria de estrangeirado, termo
dado pelo “Aurélio” aos que têm “modos, fala, usos e costumes de estrangeiro,
ou que prefere o que é estrangeiro”.
Antes de continuar a abordar esse tema gostaria de ter o dom de prever se o estrangeirismo ou estrangeirado
teria criado raízes se a Espanha tivesse marcado presença em terras
brasileiras, antes da chegada de Pedro Álvares Cabral, em abril de 1500. Dois
navegadores espanhóis, em janeiro e fevereiro de 1500, Vicente Yañez Pinzón e
Diego de Lepe, com as bênçãos dos reis católicos Fernando e Isabel, percorreram
mais de 120 quilômetros do litoral do Nordeste, navegando até a foz do rio
Amazonas. Pinzón, que já havia comandado uma nau de Cristóvão Colombo na
primeira viagem à América, chegou a fincar numa praia uma cruz de madeira com o
brasão do Reino de Castilla.
Uma coisa é certa: na condição de morador de vasta extensão
desse “condomínio” chamado América do Sul, o brasileiro sente dificuldade de
“bater um papo” com seus vizinhos, por causa da diferença de idiomas.
O comércio varejista e o mercado imobiliário estão entre os
principais “hospedeiros” do vírus do estrangeirado. Alguns vocábulos
estrangeiros, pelo constante uso, já deveriam ter sido incluídos nos
dicionários de português, os consultados pelos brasileiros. O mais popular
deles é o “off” (fora), divulgado pelos lojistas dos ramos de calçados,
vestuário, eletrônicos, e outros, sempre que promovem liquidações, prometendo
descontos nos artigos oferecidos à clientela.
Na mesma linha de pontuação estão o “for rent” e “for sale”,
usados por imobiliárias e locadoras de carros. Já constatei em jornais de
grande circulação, nas páginas dos classificados, anúncios de imóveis,
totalmente em inglês. Provavelmente, seus proprietários não desejam alugar seus
apartamentos ou casas a patrícios, preferindo os gringos. Concurso e moda para gordinhas mudou para "plus size" (tamanho mais).
Ao entrar nos shoppings center das principais cidades do país
você tem a impressão de que está num centro de compras de Nova Iorque ou
Londres, diante dos nomes fantasia colocados nas portas das lojas. Para não
ficar atônito sugiro levar um dicionário inglês-português, para poder traduzir,
por exemplo, “shoes and bags” (sapatos e bolsas). Há casos interessantes, em
que o comerciante junta palavras em duas línguas, como “drink água”, pintado na
frente de uma revendedora de bebidas, aqui em Vitória da Conquista.
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A última reforma ortográfica da língua portuguesa
“ressuscitou” o “k”, “w” e “y”. Nesse retorno, derrubaram letras tradicionais,
como o “q”, “v” e “i”. Palavras como o “disque” foram abreviadas para “disk”,
que, em francês, significa “disque”.
Dicas relacionadas ao meio ambiente (“Conserve a Serra de
Piripiri”), saúde, educação, trânsito, violência urbana e limpeza das cidades,
deveriam estar estampados nas camisetas, bastante vendidas nos shoppings e no
comércio popular. Essas blusas revelam, lamentavelmente, a preferência pelo estrangeirado,
como “I love New York”. O comprador, muitas vezes, nem tem a preocupação de
fazer a tradução, e sai pelas ruas exibindo frases como “Girls like girls”
(Meninas gostam de meninas) ou “Normal people scare me” (Pessoas normais me
assustam). A frase “Great rapers tonight” (Grandes estupradores noturnos),
impressa numa camisa, repercutiu negativamente recentemente nas redes sociais,
levando uma rede de lojas de confecções a suspender sua venda.
Estou aguardando que alguma editora do país publique uma
espécie de dicionário, com os vocábulos e respectiva tradução, usados pelos
fabricantes dos aparelhos com circuitos eletrônicos. O avanço tecnológico
desses modernos meios de comunicação provocaria, no entanto, uma atualização
frequente desses manuais.
Privilégio das universidades e da iniciativa privada, a
internet chegou ao Brasil no fim dos anos 80. Veio a se popularizar em 1995.
Hoje, o país – 4º do mundo - possui 116 milhões de internautas, distribuídos em
sete em cada dez moradias. Esse enorme contingente lida diariamente com termos importados
pelos norte-americanos. O celular chegou mais tarde. Descartou, com o passar dos anos, o apelido de “tijolão” e
adotou o pomposo nome de “smartphone”, tornando-se “amigo de cama e mesa” de 240 milhões
de brasileiros.
Miguel virou Michel
Poucos brasileiros sabem que o atual ocupante da Presidência
da República foi registrado pelo seus pais, em Tietê (São Paulo), em 23 de
setembro de 1940, como Michel Miguel Elias Temer Lulia. Ao adotar o francês
Michel como seu “nome de guerra”, aquele que lhe daria sorte na vida, o que
parece ter se confirmado, o filho de imigrantes libaneses se inseriu entre
aqueles que valorizam os importados, ou talvez tenha imaginado que um Miguel
qualquer não faria carreira política. Esqueceu-se do ex-governador de
Pernambuco, Miguel Arraes, um exemplo de homem público, inexistente no Brasil
de hoje. Não satisfeito, o presidente deu o seu nome ao filho caçula,
carinhosamente chamado de Michelzinho nos corredores palacianos.
Nas décadas de 40 a 80 era comum se registrar os filhos com
nomes de astros da música internacional, como os Beatles, e do cinema
norte-americano. Líderes dos países envolvidos na 2ª Guerra Mundial também
exerceram grande influência, como Stalin, Benito Mussolini, Franklin Roosevelt
e Getúlio Vargas; desconheço se há algum brasileiro chamado Hitler.
Conheci um Getúlio Roosevelt, nascido no começo dos anos 40,
na longínqua cidade baiana de Barra. O encontro dos presidentes dos Estados
Unidos e Brasil, em janeiro de 1943, em Natal, para discutir a entrada dos
brasileiros na guerra, foi acompanhado com bastante interesse pelo pai do
cidadão barrense, o que lhe estimulou a prestar uma homenagem aos dois
mandatários.
O que se observa no presente, principalmente entre as
famílias mais pobres, é uma enxurrada de nomes bizarros. Os times de futebol
têm em seus elencos jogadores com prenomes onde predominam as consoantes
dobradas, o “k”, “y” e “w”.
A
Lei de Registros Públicos, de número 6.015, de 1973, em seu
artigo 55, autoriza os oficiais de cartórios a não registrar prenomes
susceptíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Se os pais não
aceitarem
a recusa, caberá a um juiz da Vara da Família tomar uma decisão. Esse
tipo de
ocorrência é comum nos cartórios de todo o país. Um registrador que
trabalha na
periferia da capital paulista conta que um pai pretendia colocar no
recém-nascido o nome de Lúcifer, e um outro sonhou que sua filha deveria
se
chamar Jhenhifher, aceitando, depois de muita conversa, retirar os três
“h”. Muitos oficiais atendem aos pais irredutíveis, alterando os
prenomes estrangeiros, sem perda da pronúncia, como Ruan, Uelquísson e
Uashington.
Em 2010, o deputado Paulo Magalhães (DEM-BA, hoje no PSD)
elaborou um projeto, que nunca foi apreciado pela Câmara, acrescentando ao artigo 55 da Lei 6.015 a
proibição pelos cartórios do registro de prenomes de origem estrangeira. Na
justificativa de sua proposição o parlamentar baiano diz que “não é difícil
perceber que surgem nomes exóticos, ridículos e até mesmo impronunciáveis, que
podem causar a seus possuidores diversas situações inconvenientes e
constrangedoras. O nome acompanha e marca a personalidade do ser humano por
toda a vida. É, pois, inadmissível permitir-se que seja atribuído a um recém-nascido
um prenome que o deprimirá quando a razão lhe vier”.
Iniciativa semelhante partiu dos
gaúchos. Em 2011, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou projeto
de lei que previa a tradução de expressões e palavras estrangeiras para o
português. Seu autor, o deputado Paulo Carrion (PCdoB), em sua argumentação,
redigiu o seguinte texto:
“A invasão de termos
estrangeiros tem sido tão intensa que ninguém estranharia se eu fizesse aqui o
seguinte relato do meu cotidiano: - Fui ao freezer, abri uma coca diet e sai
cantarolando um jingle, enquanto ligava meu disc player para ouvir uma música
new age. Precisava de um relax. Meu check up indicava stress. Dei um time e fui
ler um bestseller no living do meu flat.
Desci ao playground; depois fui
fazer o meu cooper. Na rua vi novos outdoors e revi velhos amigos do footing.
Um deles comunicou-me aquisição de uma nova maison, com quatro suites e
até convidou-me para o open house. Marcamos, inclusive, um happy hour.
Tomaríamos um drink, um scotch, de preferência on the rocks.
O barman, muito chic, parecia um
lord inglês. Perguntou-me se eu conhecia o novo point society da cidade: times
square, ali na Gilberto Salomão, que fica perto do Gaf, o La Basque e o Baby
Beef, com serviços a la Carte e self-service. (...) Voltei para casa, ou,
aliás, para o flat, pensando no day after. O que fazer? Dei boa noite ao meu
chofer que, com muito fair play, respondeu-me: good night.”
O
governador do estado na época, Tarso Genro, vetou quase que totalmente o projeto, mantendo
apenas a obrigatoriedade de tradução nos documentos oficiais. Professores de
Português consultados pelo governo criticaram a falta de patriotismo do
brasileiro e sugeriram maior incentivo por parte do poder público ao uso do
idioma, acentuando que “a língua é o nosso maior patrimônio”.
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