CIVILIZAÇÕES DA AMÉRICA
LATINA DECAPITADAS POR AVENTUREIROS (Fernando Cortês / Montezuma II)
Jeremias Macário
Final do século XV e início do século XVI.
Era a época dos grandes conquistadores da Europa cristã, da inquisição. Como
diz o autor do livro “Deuses, Túmulos e Sábios”, C.W.Ceram, um capítulo da
história “tinto pelo vermelho do fogo e do sangue, recoberto de capuzes
fradescos, demarcado pela espada.” Toda uma civilização foi decapitada por
aventureiros sanguinários e cruéis.
Em viagem para a Índia (1492), o capitão
genovês Cristóvão Colombo descobriu, na Costa da América Central, as ilhas
Guanahani, Cuba e Haiti. Em viagens posteriores, Guadalupe, Dominica e Puerto
Rico. Na mesma época, Vasco da Gama encontrou o mais próximo caminho para a
Índia. Hojeda, Vespúcio e Fernão de Magalhães exploraram a costa sul do Novo
Mundo.
Pedro Alves Cabral aqui chegou ao Brasil em
1500. Pizarro e Almagro invadiram o império dos incas, no atual Peru. O Novo
Mundo guardava riquezas incalculáveis como nova fonte de comércio e como
tesouro para saquear. Os conquistadores iam por conta de Fernando e Isabel, de
Carlos V e do Papa Alexandre VI, o Bórgia, que em 1493 dividiu o mundo entre
Portugal e Espanha. Os exploradores iam por conta da sua Majestade Apostólica,
sob a bandeira da Virgem Maria contra os “pagãos”.
No dia 8 de novembro de 1519 o aventureiro
Fernando Cortês com 400 espanhóis e seis mil nativos Tlascaltecos pisou no
México, capital do Império Asteca. Com pompa, tapetes de algodão, com seus
servos e ornado de ouro da cabeça até nas sandálias, foi recebido por Montezuma
II.
O repórter e historiador Bernal Diaz que
acompanhou o conquistador escreveu a respeito do acontecimento inédito dizendo
que nunca se esqueceu daquele espetáculo. “Está na minha memória como se fosse
ontem. Foram duas épocas que se encontraram”.
Um ano depois Montezuma
II estava morto e a cidade destruída. Sobre o fato, escreveu o filósofo
Spengler, de que “este é o único exemplo de uma civilização que teve morte
violenta. Não definhou, não foi sufocada ou detida em uma marcha de progresso.
Foi assassinada em plena floração do seu desenvolvimento, destruída como um
girassol cuja flor é cortada por um homem que passa”.
Dezessete anos antes de ter partido para a
conquista do México, ávido por conferir as notícias que circulavam sobre aquele
reino, Cortês, com 18 anos desembarcou em Hispaniola. O escrivão do governador
lhe recomendou que fosse cultivar as terras. Cortês respondeu que tinha vindo
ao Novo Mundo para juntar dinheiro, e não lavrar campos.
Com 24 anos o aventureiro tomou parte, sob o
comando de Velasquez, na conquista de Cuba. Lá foi preso por ter ficado ao lado
do adversário do governador. Depois de fugir por duas vezes do cárcere, se
reconciliou com mandatário. Foi enviado para uma fazenda. Criou gado, explorou
minas de ouro e economizou 3.000 castelhanos.
Na época, o bispo de Las Casas, defensor dos
índios, quando o conheceu falou a seu respeito de que só Deus sabia que ele
acumulou vultosa quantia à custa do sacrifício de muitos nativos. Com ajuda de
Velasquez, armou uma esquadra no intuito de partir para a lendária terra do México.
Quando, novamente se desentendeu com o
governador, Cortês já estava em Cuba com seus 11 navios, 110 marinheiros, 553
soldados e 16 cavalos. Na sua partida, invocou o Todo Poderoso empunhando o
estandarte da cruz contra os infiéis. Sua jornada durou três meses e venceu 50
mil índios, além de doenças exóticas, tornando-se invencível.
Com sua fama se espalhando por todo
território, os astecas temiam sua ferocidade, e até Montezuma suplicou-lhe para
não entrar na capital do seu reino, mesmo com mais de 100 mil guerreiros. Os
índios tinham um pavor supersticioso com relação aos cavalos, mesmo depois de
uma deles ter sido picado e os pedaços terem sido postos em várias cidades. Aos
olhos dos astecas, os cavalos eram poderosos monstros, formando um ser único
com o homem.
O explorador aliava arte militar com
brutalidade. Fazia pouco das embaixadas de Montezuma que lhe enviavam
presentes. Com sua tática ardilosa, jogava uns contra os outros conquistando a
simpatia dos Tlascaltecos para lutarem ao seu lado.
No terceiro dia da entrada na capital,
Cortês, com toda sua ousadia, pediu ao imperador permissão para construir uma
capela em um dos palácios destinados a ele, como recepção. Montezuma II cedeu
ao seu apelo. Não tradou muito, sua gente descobriu uma porta oculta camuflada
através de uma parede antiga com uma camada de reboco. Arrebentaram a porta e
lá estava um enorme salão cheio dos mais ricos e belos estofos, utensílios
preciosos e muitas barras de ouro e prata.
“Eu era moço e tive a impressão de que todas
as riquezas do mundo estavam reunidas ali naquele salão” – descreveu na época o
cronista Bernal Diaz. Os espanhóis tinham encontrado o tesouro de Montezuma II.
Com astúcia, Cortês mandou murar a porta novamente, da forma como estava antes.
No momento certo, o comandante dos espanhóis
convidou o imperador, com disfarçada ameaça, a trasladar-se para seu palácio
quando, então, tornou-se refém de um punhado de homens brutos. Depois de
aprisionar Montezuma II, o conquistador mandou transportar o tesouro para um
dos grandes salões a fim de avaliá-lo. Nos cálculos do século XIX foi estimado
em mais de seis milhões de dólares.
Com tanto ouro à vista surgiram as primeiras
dissensões entre os soldados que queriam suas partes, lembrando aqueles filmes
de faroeste norte-americano. Para apaziguar os ânimos, Cortês estipulou que um
quinto iria para o rei da Espanha, um quinto para ele, outro quinto para o
governador Velasquez, um quinto para a nobreza, cabendo para cada soldado 100
pesos de ouro, uma ninharia.
A tropa entrou em
motim, mas o comandante consegui apaziguá-la com suas eloquentes palavras,
prometendo maravilhosas recompensas logo depois de concluídas as conquistas.
Mesmo com as divisões, uma parte do tesouro permaneceu bem guardada no palácio.
Sabedor do que estava ocorrendo e enfurecido,
o governador enviou uma armada de 18 navios com 900 homens, sob o comando de
Narváez, para prender o atrevido e ganancioso Cortês até Cuba. Era um exército
poderoso, mas, mesmo assim, Cortês decidiu enfrentar. Com setenta soldados (uma
grande parte da sua tropa deixou no México) marchou ao encontro de Narváez.
O soberano Montezuma II não aproveitou a
oportunidade, como recomendaram seus conselheiros, para reagir. Ao invés disso,
desejou boa sorte a Cortês, que partiu reforçado com quase duzentos índios para
combater Narváez nas planícies da tierracaliente.
Chovia torrencialmente naquele dia. Mesmo com
grande temporal, Cortês atravessou o rio e, durante a noite de Pentecostes de
1520, surpreendeu os espanhóis do governador que estavam em repouso. O estrago
foi completo tomando de assalto o acampamento. A maioria dos vencidos jurou-lhe
fidelidade.
Naquela época, os astecas já adotavam uma
religião mais civilizada (politeísta), não mais tão selvagem com ritos primitivos
e bárbaros, mas, para os missionários espanhóis, o que não fosse cristão tinha
de ser pagão. Aquele que não pensasse e vivesse dentro desse sentimento devia
ser considerado bárbaro. Na rica cidade
de ilhas flutuantes de flores, eles só viram obras do diabo.
Na verdade, ainda existiam vestígios de
horror nos holocaustos humanos, nos quais os sacerdotes arrancavam o coração
palpitando do corpo das vítimas. A Igreja não tinha tanta moral assim para
condenar os índios se também queimava humanos nas fogueiras da inquisição.
Para se ter uma ideia, o próprio Cortês
tentou converter Montezuma II que respondeu achar menos horrível sacrificar
humanos que devorar a carne e beber o sangue do próprio Deus.. Quando os
espanhóis viram no templo o deus Huitzilopochtli identificaram nele a máscara
do demônio. Cortês quis erguer a cruz no templo, mas o padre Olmedo não
aceitou. Mesmo assim, o comandante mandou limpar tudo e erigir um altar com a
cruz e a imagem da Virgem Maria.
Quando Cortês estava fora em luta contra as
tropas do governador Velasquez, os sacerdotes pediram ao seu lugar-tenente
Pedro Alvarado licença para realizar a festa anual de incensamento do deus
deles. O chefe impôs, então, que não houvesse sacrifício humano e que os índios
comparecessem sem armas.
Participaram do evento cerca de 600 astecas
nobres desarmados, mas com seus ricos trajes de gala. Traiçoeiramente, um grupo
de espanhóis armados misturou-se a eles e, no auge da festa, a um sinal
combinado, os soldados caíram sobre os astecas e assassinaram todos. O sangue
correu em torrentes como água produzida por um forte aguaceiro.
Como não poderia deixar de ser, os astecas se
revoltaram e elegeram Cuitlahuac, irmão do imperador preso, para substituí-lo.
Em seu retorno, Cortês já encontrou a revolta com destruição de ambos os lados
e centenas de mortes. No momento, Montezuma II ofereceu-se como medianeiro, mas
o povo voltou-se contra ele e apedrejou-o. Montezuma II morreu na prisão em 30
de junho de 1520.
Com sua morte, aconteceu a terrível “Noche
Triste”, quando Cortês deu ordem para abandonar de vez a cidade do México,
mesmo tendo que furar um cerco de 10 mil guerreiros. Ele mostrou o tesouro aos
seus comandados e liberou-os para que todos levassem o que quisessem. Porém,
ele reservou a parte do rei (um quinto) que se encarregou de transportar.
Na confusão e na ganância, muito soldados se
sobrecarregaram de barras de ouro. Na primeira marcha da noite, primeiro de
julho de 1520, conseguiram como muito esforço atravessar a cidade sem serem
importunados pelos astecas, mas, subitamente ouviram-se gritos dos sentinelas e
o local virou um inferno. O que era uma retirada organizada transformou-se numa
fuga de bandos lutando cada um pela própria vida.
Na louca debandada, tudo se perdeu na
escuridão da noite, e nem Cortês escapou ileso. A grande maioria perdeu armas,
munição, as bestas e cavalos. Seguiram-se oito dias de escaramuças na tentativa
de atingir o território aliado dos tlascaltecos. Quando alcançaram o vale de
Otumba, toda área estava coberta de guerreiros astecas.
Como não queriam cair prisioneiros e servir
de vítimas para os deuses dos índios, Cortês teve o ímpeto repentino e entrou
com tudo no mar dos inimigos com sua cavalaria (20 cavalos). Guerreou como pode
abrindo caminho até o comandante dos astecas e atravessou-o com uma lança
erguendo a bandeira de ouro. Vendo sua insígnia da vitória nas mãos do
conquistador, os índios fugiram em debandada.
O feito dos aventureiros, segundo o
historiador William Prescott (“A Conquista do México”), não teve paralelo nas
páginas da história. Cortês voltou a deflagrar novos ataques ao império. Mesmo
com a valentia do novo rei Quauhtemoc, o fim foi a destruição da cidade com o
incêndio das casas e dos deuses.
O imperador foi preso, torturado e enforcado.
A cidade foi reconstruída sob o domínio da cristianização, com uma igreja
consagrada a São Francisco. Os índios foram escravizados e assim foi-se
exaurindo toda uma civilização.
Os tlascaltecos também foram executados. Do
tesouro perdido de Montezuma, que tinham deixado para trás, só uma parte foi
encontrada e esta coube à coroa espanhola (Carlos V). Por ironia, na viagem
pelo mar tudo foi capturado por um navio francês, em 1522 (Francisco I). Cortês
decapitou uma civilização que também ficou esquecida pelos livros.
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