Carlos
Albán González - jornalista
A
História tem mostrado, com o passar dos anos, que, conflitos entre nações, são amenizados,
ou até mesmo resolvidos, por interferência do esporte. Vitórias que são
colhidas em campos onde a diplomacia não teve êxito. O mais recente exemplo
dessa assertiva foi assunto de destaque nos meios de comunicação de todo o
mundo: líderes da Coréia do Norte entraram em contato com seus vizinhos e
inimigos da Coréia do Sul, propondo enviar uma delegação de atletas, artistas e
animadoras de torcida para os XXIII Jogos Olímpicos de Inverno, que serão
realizados de 9 a 25 deste mês, na cidade sul-coreana de Pyeongchang, com a
participação de 90 países.
A
Península da Coréia, com 220 mil km² (pouco maior do que o Estado do Paraná),
foi dividida ao meio em 1945, logo após a 2ª Guerra Mundial. O Norte, com uma
área um pouco maior, ficou sob a proteção da União Soviética, enquanto o Sul,
hoje mais desenvolvido economicamente, permanece apadrinhado pelos
norte-americanos. Entre as duas, separadas pelo Paralelo 38, existe a chamada
Zona Desmilitarizada.
Em 25
de junho de 1950, soldados do Norte, apoiados por soviéticos e chineses,
invadiram o território vizinho. Dois dias depois o Conselho de Segurança da ONU
considerou a ofensiva como um ato ilegal, enviando para a região uma força
expedicionária, formada por 21 países (88% dos militares eram americanos). A
guerra entre as nações envolvidas se estendeu até 27 de julho de 1953, deixando
750 mil mortos entre os combatentes e 2,5 milhões de civis entre mortos e
feridos. Um armistício foi assinado entre as duas Coréias, mas nunca foi
firmado formalmente um tratado de paz, o que significa que o conflito na
península está apenas congelado, haja vista que há mais de meio século a região
vive sob forte tensão, com troca de acusações.
Pacifistas
esperam que o gesto do líder norte-coreano Kim Jong-Un propondo o encontro, com
uma condição: sem a presença de “forasteiros”, referindo-se a assessores do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Os mais otimistas acreditam que as
conversações realizadas há poucos dias na Zona Desmilitarizada possam começar a
quebrar o gelo entre povos que falam a mesma língua, mas que há décadas não
trocam uma palavra. Há casos de familiares que não se veem desde o fim da
guerra.
O
governo sul-coreano informou oficialmente que os dois países desfilarão juntos
na cerimônia de abertura dos Jogos, no próximo dia 9, e que, possivelmente, o
time feminino de hóquei sobre o gelo será intercoreano. A Coréia do Norte
enviará uma delegação de 550 pessoas, sendo 150 competidores (atletas e
comissão técnica), 140 artistas, 230 animadoras de torcida escolhidas por Kim
Jong-Un e 30 lutadores de taekwendo, que farão uma série de exibições, já que
essa arte marcial não faz parte do programa dos Jogos.
O
governo norte-coreano anunciou que Kim Yo-Jong, vice-diretora do Departamento
de Propaganda e irmã do mandatário do país, viajará para o país vizinho. Os
Estados Unidos serão representados nos Jogos pelo vice-presidente Mike Pence,
que levará no bolso do paletó um discurso duro contra o regime da Coréia do
Norte, onde afirma que Jong-Un está tentando usar o evento esportivo para
divulgar propaganda comunista.
Na
Olimpíada de 2000 em Sidney e de 2004 em Atenas, os dois países desfilaram
juntos na cerimônia de abertura, atrás de um cartaz que tinha apenas a palavra
Coréia, ainda que tenham competido separadamente. A iniciativa, aplaudida
mundialmente e analisada como o começo de uma reconciliação duradoura, serviu
simplesmente de balão de ensaio, pois não se repetiu em Pequim-2008, por
exigência do Norte.
Exemplos no passado
EUA x Cuba - O
beisebol tem se revelado, desde janeiro de 1959, quando Fidel Castro (1926-2016)
liderou a ocupação de Havana, o único sinal positivo no relacionamento entre
Estados Unidos e Cuba. Esporte bastante popular nos dois países, o beisebol tem
proporcionado partidas memoráveis em cidades de ambos os países.
Pingue pongue - Uma
bolinha branca, peça fundamental em um jogo de pingue pongue, aproximou Estados
Unidos e China no auge da Guerra Fria (1945-1991). Substituído pelo tênis de
mesa em torneios oficiais, o pingue pongue, praticado hoje como lazer, levou em
abril de 1971 o primeiro grupo de norte-americanos a visitar o maior país da
Ásia desde sua conversão ao comunismo em 1949.
A
visita de dez dias dos jogadores “inaugurou uma nova página nas relações entre
os dois países”, como afirmou o primeiro-ministro Chou En-Lai, e proporcionou o
encontro no ano seguinte do presidente Richard Nixon (1913-1994) e o líder
revolucionário Mao Tsé-Tung (1893-1976).
A então
chamada “diplomacia do pingue pongue” ajudou a tirar a China do seu isolamento
com relação ao resto do mundo e a restabelecer em 1979 relações bilaterais com
os Estados Unidos.
Mandela - Excluída
pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) dos Jogos de Tóquio-64, como punição
pela obstinada prática do apartheid, somente abolido 30 anos mais tarde, a
África do Sul foi palco de mais um episódio onde o esporte foi o personagem
principal.
O país
tinha se libertado em abril de 1994 do regime de opressão imposto à força pelos
britânicos. Nelson Mandela (1918-2013) foi eleito presidente depois de passar
28 anos numa prisão, acusado de terrorista pelos colonizadores do seu povo.
O
rugby, esporte importado pela minoria branca, era rejeitado pelos negros. Em
junho de 1995 a África do Sul sediou a Copa do Mundo de Rugby. Mandela
encontrou no esporte a fórmula de unir as duas raças, conclamando o seu povo a
torcer pela seleção que tinha apenas um jogador negro. O pedido do presidente foi
atendido.
No jogo
final, o Ellis Park Stadium, em Johannesburg, foi cenário de um episódio
histórico: 64 mil pessoas, brancos e negros, torciam juntas e entoavam cânticos,
incentivando o seu time a obter a vitória diante da Nova Zelândia. O 24 de
junho de 1995 foi o dia mais feliz para todo o povo sul-africano.
Quinze
anos depois a África do Sul promoveu o Mundial de Futebol, o primeiro num país
africano. Dessa vez, sua seleção, apelidada de Bafana Bafana (“Os Garotos”, no
dialeto zulu) contava com maioria de jogadores negros.
Críquete
- Independentes em 1947 do domínio britânico, Índia e Paquistão
desenvolveram forte rivalidade, por questões de terras e por diferenças
religiosas (os indianos professam o hinduísmo e os paquistaneses são
muçulmanos). O críquete, esporte bastante popular em ambos os países, foi usado
como arma diplomática durante esse período para aliviar as tensões.Em 2005, sentados
lado a lado numa arquibancada, governantes dos dois países assinaram um tratado
de paz enquanto assistiam a uma partida de críquete.
URSS x EUA – Competições de
atletismo entre União Soviética e Estados Unidos preencheram o período em que
os dois países estiveram à beira de um conflito armado em razão dos mísseis
instalados pelos comunistas em Cuba, com as ogivas apontadas para o território
norte-americano.
Fora os Jogos Olímpicos e as Copas do
Mundo de Futebol, as 20 séries de torneios, disputados entre 1958 e 1985, foram
os mais importantes eventos esportivos realizados durante a Guerra Fria.
Multidões alegres lotavam os estádios das principais cidades soviéticas e
americanas, alheias à iminência de um confronto bélico. As provas de atletismo
na verdade serviram de instrumento de propaganda de regimes completamente
opostos.
O período da Guerra Fria não foi
feito só de apertos de mão entre as duas maiores potências do mundo. A XXII
Olimpíada (Moscou, 1980) foi boicotada por 69 países do bloco ocidental,
liderados pelos Estados Unidos. O motivo foi a invasão do Afeganistão, em 1979,
pela União Soviética. Três anos mais tarde os norte-americanos ocuparam a
pequena ilha de Granada, no Mar do Caribe.
A retaliação do bloco socialista
ocorreu na Olimpíada de Los Angeles – 1984.Vale lembrar que, nos Jogos de 1976,
em Montreal, no Canadá, 26 nações africanas não compareceram, em protesto ao
apoio do COI ao regime racista da África do Sul.
Pelé para guerras na África
Nas
décadas de 60 e 70 o prestígio do Santos em todo o planeta pode ser comparado
hoje com Real Madrid e Barcelona, com a ressalva de que a tecnologia avançada
dos meios de comunicação não era nem previsível. Pelé, Coutinho, Clodoaldo,
Pepe e outros craques santistas eram os verdadeiros embaixadores do futebol
brasileiro, campeão mundial em 58, 62 e 70, excursionando às mais distantes
regiões da Terra.
Em 1969
o time do Santos deixou o Brasil para realizar uma série de jogos na África. Ao
chegar ao Congo a delegação se deparou com uma guerra interna pelo poder
central. Dirigentes do clube optaram pelo cancelamento do jogo contra a seleção
local, sugestão prontamente recusada pelas facções em luta. Aquela oportunidade
única de ver o Rei do futebol em campo não podia ser perdida. Um pacto de
não-agressão foi assinado pelos litigantes; os fuzis foram ensarilhados. A
população estava tão entusiasmada que, em vez de um jogo como estava
programado, o time da Vila Belmiro fez mais dois, com Pelé marcando quatro
gols.
Dias
depois, episódio semelhante teve como cenário a Nigéria. Durante visita do
clube de uniforme todo branco o efervescente continente africano conheceu um
período de paz.
Fora das trincheiras – A 1ª
Guerra Mundial (1914-1918) se caracterizou pelo uso de trincheiras, tão
próximas que os dois lados podiam até dialogar. Essa proximidade resultava
quase sempre em batalhas corpo a corpo, com o emprego de baionetas pelos
soldados da Infantaria. Segundo registros históricos, numa ocasião, nos dias
que precediam o Natal, soldados ingleses e alemães passavam o tempo entoando
músicas natalinas.
No dia
25 eles esqueceram as divergências, abandonaram suas trincheiras e, juntos,
comeram, beberam e, para finalizar aqueles momentos de confraternização,
jogaram uma partida de futebol. O singular episódio serviu de inspiração para a
canção “Pipes of Peace” (Flautas da Paz), de Paul McCartney.
Desafio ao nazismo – “Aos
jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazista”. Esta
frase está gravada num monumento em frente ao estádio de Kiev, hoje capital da
Ucrânia, território que pertenceu à União Soviética até 1991. Considerado o
melhor time da Europa antes da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) o Dínamo de Kiev
praticamente se esfacelou depois da ocupação nazista, mas os seus jogadores não
perderam a coragem. Reagiram e humilharam o invasor,
não com balas, mas com o
futebol.
Criaram
o “Start”, time que obteve seguidas vitórias sobre a poderosa equipe da “Luftwaffe”,
a força aérea alemã, servindo para inflamar a resistência e a consequente
expulsão das tropas de Hitler. A revolta dos derrotados se traduzia em prisões,
torturas e de atletas ucranianos.
Alemanhas – Divididas desde o fim
da 2ª Guerra Mundial, as Alemanhas Ocidental (pró-Estados Unidos) e Oriental
(pró-União Soviética) se enfrentaram pela única vez na primeira fase da Copa do
Mundo de 1974. Para surpresa geral, os orientais venceram por 1 a 0. O mundo da
bola previa uma goleada do time que contava com jogadores como Beckenbauer,
Muller, Overath e Sepp Meier, dirigido pelo técnico Helmut Schöen, que em 1950
havia fugido para o lado capitalista.
Realizada
em Hamburgo e assistida por mais de 60 mil pessoas, a partida foi disputada num
clima de cordialidade, contrariando os prognósticos, com troca de camisas no
final. As duas nações se classificaram
para a fase seguinte, mas somente a Ocidental seguiu em frente, conquistando o
título diante de sua torcida.
O Jogo da Paz – O
Haiti, país mais pobre das Américas, viveu em 2004 uma sangrenta crise política,
levando a ONU a intervir, com o envio de militares do Exército brasileiro, com
o objetivo de desarmar os dois lados em conflito. O primeiro ministro haitiano,
Gerard Latortue, se queixou de que, em vez de soldados, o Brasil deveria ter
mandado sua seleção, que havia conquistado em 2002 o pentacampeonato mundial.
Em 18
de agosto as armas silenciaram. A população de Porto Príncipe, a capital do
país, foi às ruas para recepcionar a equipe dirigida por Carlos Alberto
Parreira. O desfile do aeroporto até o estádio, em carros blindados de combate,
foi entusiástico. Latortue prometeu um prêmio de mil dólares (uma fortuna para
80% dos haitianos) para quem marcasse um gol no Brasil, que venceu por 6 a 0 o
chamado Jogo da Paz.
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