O último
baião
Nando da Costa Lima
Teotônio já
tinha mandado dar uma meia dúzia de surras nos safados que insistiam em lembrar
do passado de sua esposa e o pessoal acabou se convencendo e aceitando Ritinha
como grande dama da cidade, invejada pelas mulheres e desejada pelos homens.
Mas tudo no maior respeito possível... Só Abreu Pé de Valsa que não conseguia
tirar Rita da cabeça, já tinha apanhado três vezes e não se emendava. Mas valia
à pena, Ritinha era bonita até sem a dentadura.
Um dia a “boa
notícia” correu pela cidade: o tenente reformado Teotônio Cascavel tinha
sofrido um derrame e perdido noventa por cento dos movimentos para sempre.
Virou um vegetal (se é que podemos comparar um sacana daqueles com um vegetal),
era transportado de um lado para o outro numa cadeira de rodas, ela ia na
frente com um capanga empurrando a cadeira do marido, ele era muito gordo!
Atrás vinham dois pistoleiros que não deixavam o patrão um só minuto. Mesmo
naquele estado ainda tinha gente que o preferia morto, sua presença incomodava
mesmo desmemoriado e paralítico. Mas uma coisa era certa: ali quase todo mundo
era sério, ninguém desrespeitava a “semiviuvez” de Ritinha... Isto é, quase ninguém,
como eu já disse tinha Abreu Pé de Valsa (obteve aquele apelido por ser o
melhor dançarino da região) que não podia ver Rita sem dar uma cantada. Ela já
tava perdendo a paciência com o desrespeito daquele traste, mas num fim de
mundo como aquele não tinha jeito de evita-lo, tinha que suportar. Ficava chato
mandar os camaradas despacharem aquele pau de bosta em público.
Num sábado,
para espanto de toda a cidade, ela resolveu aceitar o convite de Pé de Valsa pra
passar “uma noite em seus braços”. Segundo ele, se isto acontecesse ela nunca
mais o deixaria, daria um jeito de acabar de matar aquele safado que mal piscava o olho. Rita o recebeu na porta de casa e
antes de entrarem pro salão de festas tirou os sapatos e insistiu que ele
fizesse o mesmo. Abreu imaginou que era porque iriam dançar tanto que era
melhor deixar os pés mais confortáveis. Quando entrou no salão foi logo
estranhando a presença daqueles vinte homens de confiança do tenente Cascavel.
Se assustou ainda mais quando percebeu que estavam todos armados e calçando
chuteiras de futebol. Mas quando viu os três sanfoneiros ficou tranquilo,
imaginou que era o time de futebol da fazenda aproveitando a festa pra
comemorar alguma vitória. Mesmo assim, sentindo alguma coisa esquisita no ar,
perguntou pelo resto dos convidados. Ela disse que a festa era “privê”. Ele,
mesmo sem saber o que era aquilo, aproveitou a chamada do sanfoneiro, se
arrumou todo e partiu pra cima de Rita. No meio do caminho um dos cabras que
tava com roupa de goleiro e media uns dois metros o atravessou e falou
seriamente: “A primeira dança é minha”, e dançou doze baiões e dez valsas com
Abreu. E assim o Pé de Valsa passou um dia e uma noite. Quando um dos cabras
largava o outro pegava, fizeram até fila. A pinga comeu solta, só que a dele
era “queimada com mijo”. E o pior foi aquela areia grossa que espalharam no
salão, era bem pior que as pisadas de chuteira, os pés do homem ficaram em
carne viva. Os mais exagerados falaram que deu no osso e que a maioria dos
dedos ficaram no salão. Disso eu não sei direito, mas segundo sua tia, Abreu, o
ex-Pé de Valsa, até hoje não pode escutar música que fica em estado de choque e
quando vê um sanfoneiro tem ataque de cair babando. Ele chegou a procurar ajuda
profissional e frequentou várias sessões de terapia de grupo, o que não
resolveu o problema. A psicóloga descartou a possibilidade de cura,
explicando-o que era um caso típico de Neurose de Festa. Quanto a Rita..., esta
continuou leal ao tenente Teotônio Cascavel os vinte anos que ele viveu naquela
cadeira de rodas... Uma santa!
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