domingo, 2 de julho de 2017

COLUNISTA VIP:



O aniversariante
Nando da Costa Lima

          A família tava toda curiosa, é que um tio que morava no Paraná há mais de 50 anos resolveu que tinha que comemorar seus 85 anos aqui em Conquista, sua terra natal. Dos parentes daqui a maioria nem tinha conhecido Tio Norberto, só Dona Beatriz, três anos mais nova que o visitante, conheceu pessoalmente o parente que estava retornando. Ela chegou a comentar com os filhos, netos e bisnetos: “O que aquele traste vem fazer aqui, aquilo já era chato quando novo, imagina agora! ”. O pessoal não levou a sério, Dona Beatriz implicava muito com os parentes. Seu Norberto, apesar da idade, ainda estava lúcido e forte, segundo os primos do Paraná. Isso já era um conforto para os daqui, pelo menos não iriam ter que tomar conta dum velho caindo pelas tabelas durante um mês, tempo que ele mesmo determinou que passaria na terra do frio... A família foi recebê-lo no aeroporto no dia marcado, e ele foi o último a descer do avião, acompanhado por dois funcionários da empresa aérea. O comissário foi logo falando pros parentes: “Este velho de um trabalho retado, surtou em pleno voo, não tem quem tira da sua cabeça que ele só tem 39 anos e veio comemorar seus 40 aqui em Conquista. Só falava nisso, encheu o saco dos outros passageiros...”. Aí a família já ficou assustada: será que ele caducou no meio da viagem ou foram os sacanas dos parentes do Paraná que já mandaram aquele mala sem alça de propósito? Mas agora não tinha jeito, teriam que suportar aquele traste por um mês, e o pior é que em sua cabeça ele estava chegando numa Conquista de 50 anos atrás, só lembrava de coisas daquele tempo. Ficou resolvido que Otoniel, que era psicólogo, seria o único parente que podia hospedar o velho tarado, já que os outros todos se recusaram. Seu Norberto mexeu com todas as mulheres da família, e sendo Otoniel um solteirão, poderia acolher o parente indesejável. Além de que ele poderia exercer sua profissão, pois já tinha 10 anos de formado e nunca tinha arranjado um cliente, vivia dos alugueis das casas que seus pais lhe deixaram. Mas nunca deixou de manter seu escritório aberto... Dr. Otoniel chegou até a ficar animado com aquela situação, há males que vêm para o bem. Quem sabe ele não curava o velho e ficaria respeitado como um verdadeiro psicólogo. Isso sem falar que iria provar pra Dr. Tolentino que esse tal de Mal de Alzheimer dava pra tirar com a mão.
            Dr. Otoniel foi direto pro seu consultório com o parente surtado, tava doido pra por em prática suas habilidades e finalmente inaugurar seu sofá de terapia. Acomodou o velho confortavelmente, sentou-se numa poltrona ao lado, acendeu um charuto e começou a seção:
- Tio Norberto, como o senhor é irmão de meu avô, eu vou tomar a liberdade de me referir ao senhor como “vô”, pode ser?
- Pode ser um caralho, eu tô com 39 anos, como é que você que é mais ou menos da minha idade vai me chamar de “vô”? Vai pra porra!
- Calma, calma... Eu me esqueci que você veio aqui pra comemorar seus aniversário de 40 anos. Vamos começar tudo de novo.
            Dr. Otoniel viu que a única forma de penetrar na mente daquele paciente seria fazendo de conta que eles estavam nos anos 1960...
- E então, Norberto, como você pretende fazer essa comemoração em família?
- Primeiro eu quero fazer um almoço no restaurante do Hotel Albatroz só pra família, mas à noite eu quero alugar o Clube Social Conquista pra dar um baile aberto, eu sou amigo de todos da cidade e faço questão que todos compareçam. Vou mandar chamar aquele filho de Seu Bilu que toca violão pra cantar “umas moda” pros convidados...
            Aí começou a se lembrar da Conquista que ainda estava na sua cabeça, falou de tudo com o Dr. por mais de 12 horas de consulta... Até da vez que o jegue Piléra derrubou as barracas da feira ele se lembrou. Perguntou se o Magassapo ainda tava bom, se a cidade tinha melhorado depois da inauguração da Rio Bahia, se o Gato Preto ainda era bem frequentado, se a Praça do Genipapo já tinha sido arrumada, se calçaram a Rua da Boiada, disse que queria medir a pressão com Dr. Miranda, queria comprar umas coisas no Mercadão, encomendar um terno na alfaiataria Natal, passar no Magazine Aracy pra comprar uma gravata.
            Conversou mais do que o doutor esperava, como eu disse foram 12 horas de Conquista no pé do ouvido do pobre sobrinho psicólogo, os olhos do rapaz já estavam pra pular pra fora de tanto sono, só parou quando de uma hora pra outra o tio desmaiou no sofá. O doutor pegou no sono logo em seguida...
            Quando a família foi avisada que o consultório do Dr. Otonieltava com as portas escancaradas desde o dia anterior todos os parentes correram para lá, será que tinha acontecido alguma coisa com o velho? Mas quando entraram e viram que os dois estavam dormindo tranquilamente, notaram que a consulta entrou noite adentro, mas como já passava das três da tarde, resolveram acordar o “Dotô”. Ele acordou meio assustado e a parentada perguntou quase que em coro: “E aí Otoniel, consertou a cabeça do parente?”. A resposta foi animadora:
- Claro, o parente tá pronto pra comemorar seu aniversário, Mas primeiro nós vamos levar o primo no Jardim das Borboletas pra visitar a cidade dos pássaros e pedir pra Doutor Ubaldino liberar a piscina do Shangri-La pra gente levar tio pra dar uma nadada, o açudão tá muito sujo...
            Aí a família, depois de cochilar uns 10 minutos, chegou a uma conclusão: “Liga pro Afrânio Peixoto e reserva duas vagas. Mas não espalhe, cê sabe que em Conquista quase que não tem doido, se ficarem sabendo que na nossa família tem dois vai pegar mal”.                                                                                                   

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