A RODA DA INSENSATEZ HUMANA
Jeremias Macário
O homem para se evoluir precisa resgatar a harmonia
do passado para recuperar seu sentido de viver. As tecnologias de hoje nos
agridem, embaçam nossas vistas, nos iludem com o mágico falso, com deuses de
ouro e com o mito de que somos uma raça superior e civilizada.
Não entendo patativa de arquitetura e
engenharia, mas nossas cidades, cheias de edifícios, viadutos por todos os
lados, arranha-céus, asfaltos escaldantes, concretagens, carros buzinando e
soltando gás carbônico de suas descargas, são feias e desumanas. Não inspiram
poesia, felicidade e paz de espírito. Evaporam estresse e são sufocantes.
Somos imbecis de nós mesmos e cretinos que
pensam que somos evoluídos porque algum “pensador” disse isso em alguma aula ou
palestra. Na insensatez do inconsciente, nos achamos inteligentes porque
sabemos citar alguns filósofos gregos, tiranos e césares imperadores.
Vivemos num mundo e num Brasil esbagaçado,
com “líderes” da pior espécie que estão roubando o fio da esperança que nos
ligaria a um humanismo mais real, justo e igualitário. Como no tempo dos
Selêucidas de Antíaco IV, em Judá e Israel (168 anos A.C.) estão cortando
nossas liberdades e nos impondo severos
castigos.
Dentro
do nosso consciente inconsciente, entendemos que somos livres só porque podemos
xingá-los e avacalhá-los depois de umas cervejas na mesa de um bar. Após o
porre, saímos todos felizes por, aparentemente, termos dados nosso recado
retórico e esboçado reação.
Cada um em seu quadrado arrota, esbanja e
disputa sabedoria. Depois se recolhe ao insignificante de sempre à sociedade
dominadora que endeusa o consumismo e aniquila o ser. Tudo fazemos para sermos
integrantes comportados desse sistema perverso, colocando nossos espíritos a serviço
do diabo.
Curtimos, nos embebedamos em festas de comes e
bebes. É só alegria, prazer e badalação nas redes sociais, mas, no outro dia,
na labuta imperiosa da sobrevivência, a cidade feia continua intragável, sem
alma e desumana como sempre. A rotina da família e das obrigações do dia a dia
vão criando uma crosta cinzenta no córtice do nosso cérebro. É o sinal de
alerta, mas seguimos em frente!
Com o passar do tempo, a vida vai ficando sem
arte, perdendo seu brilho, sem sentimento e sem humanismo. Mesmo assim, ela tem
que continuar por entre esta selva de pedras. Bem que esta cidade poderia virar
ruínas e de seus escombros nascer um templo habitável de convivência humana. De
tanto consumir lixo não mais nos incomodamos, e seguimos os preceitos e as leis,
acreditando que só isso nos basta.
Vejo pessoas passando pra lá e pra cá para
resolver burocracias com montes de papéis nas pastas, apressadas para seus
monótonos trabalhos de vender, comprar, advogar, contar, calcular, edificar, medicar,
comunicar e muitos à procura de uma cura para seus males espirituais e
corporais advindos dessa estrutura que só causa angústia.
Outros acolá, nos centros e nas periferias,
levantam piquetes e passeatas contra a violência, os preços altos do transporte
sucateado, a falta de teto, de terra com tanta terra, a falta de água nas
torneiras, de creche, de atendimento médico, de uma escola em seu bairro ou
porque a criança morreu de bala perdida. Afinal, vivemos em cidades amedrontadas.
Existem
estatutos para crianças e adolescente, para os idosos, mas não passam de
enganos, pouco funcionam. Vive-se de remendos e na base do faz de conta de que estas pessoas estão sendo
cuidadas. É assim e nada se pode fazer. É o que temos para oferecer.
Acostumamo-nos
com o pouco e a viver na vala dos desvalidos até a hora antecipada de
atravessar a outra margem desse rio. O barqueiro ainda cobra uma moeda para nos
levar para o outro lado. Os “líderes” também vão, mas com muita gala e pompa,
depois de ter nos deixado aos trapos.
Vejo policiais despreparados, brutalizados e truculentos
como sempre que já saem dos quarteis dando porrada em toda gente, matando e
limpando a área. Os “jornalistas” dos microfones malditos enchem seus sacos de
espetáculo e sensacionalismo para saciar a agonia frustrante do povo ávido por
justiça, de preferencia com as próprias mãos.
O ciclo vicioso continua e os crápulas são os
mesmo eleitos, de pai para filho, com a regra máxima de juntar e juntar mais
cabedal através das propinas corruptas. Não importa a desgraça, o clamor e o
rastro de sangue que vão deixando em suas passagens de pés grandes de monstros
diabólicos. O círculo da esperança nunca se fecha.
Vejo pessoas fazendo caridade e doações aos
mais necessitados e miseráveis. Sopa e cobertores para os moradores de ruas,
desabrigados das chuvas ou expulsos de seus casebres. Vejo a compaixão, a
misericórdia e até a alienação, mas não vejo a solução através das esmolas. Só
acredito nas ações do ensinar a pescar.
A mídia corre para também fazer sua média
melosa e piedosa de audiência. O povo aplaude e faz coro! Cada dia aparece na
tela mais gente passando fome e necessitando urgentemente de mais tratamentos e
medicamentos para se salvar. Acode-se um, mas existem milhares e milhares na
mesma precariedade. O Estado nem toma conhecimento.
Vejo a legião de pedintes e excluídos
aumentar. O governo passa com sua caravana de lobos e nada vê. Sua preocupação
maior é utilizar o dinheiro público para manter-se no poder. Cá comigo, penso
que tudo está errado, já que a desigualdade social só faz crescer, e as esmolas
não dão mais conta da demanda. É o ciclo da esmola e da miséria que não tem
fim.
Só unguentos! Nada é feito de radical e
revolucionário para extrair de vez o tumor do corpo. Temos mentalidade
atrasada, mas nos achamos bondosos, generosos, gentis, solidários, sábios e
humanos. Tendemos a fazer o mais fácil e simples e fugimos do complicado.
Na verdade, dentro de muitos de nós existe
uma coisa que nos trai e que se chama culpa pelo medo de enfrentar o real e
arriscar a vida contra as injustiças. Dar esmola é mais fácil, cômodo e ainda enche
o ego. Diz-se que é bom para a autoestima coletiva e individual. Ganha ainda a
recompensa do céu.
A questão não é só arrotar mestrado,
doutorado e conhecimento físico e metafísico, mas perceber que estamos todos
enroscados nesta teia do civilismo tacanho e falso de que os satélites e
foguetes lançados no universo nos dão o aval de supremacia. Enquanto isso,
milhões passam fome e as tecnologias modernas só estão ao alcance de poucos
privilegiados.
Volto à mesa do bar, do restaurante ou do almoço
familiar. Comemos, bebemos com aqueles mesmos discursos de ética e moral, com
graças e piadas, algumas de mau gosto. Seguimos com os mesmos sintomas. No
outro dia, começa tudo de novo, na cidade feia, ingrata e desumana. Somos
enfadonhos e repetitivos.
Com ressaca, ou não, lá estamos a lidar com a
mesmice do trânsito, dos engarrafamentos, dos colegas malas e insossos, com o
trabalho monótono e estafante e com a aula sem arte, contando as horas e os
dias para o próximo final de semana. E assim roda, roda a roda da insensatez e
da agonia.
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