CASUARINAS DE POÇÕES
RUY ESPINHEIRA FILHO
Ficou-me, na memória da infância, com
este nome: Praça da Liberdade. Disseram-me, depois, que o nome era Praça da
Bandeira. Não sei se mudaram o nome da memória infantil (que coloquei como
título de um poema dedicado ao poeta Affonso Manta e musicado por Durval
Burgos) ou se era apenas engano meu. Seja como for, era a praça das casuarinas
– certamente o lugar mais belo da cidade de Poções, sudoeste da Bahia, onde vivi
os meus fabulosos tempos de menino.
Um dos nossos lugares prediletos era exatamente ela, a
praça das casuarinas. Ali brincávamos entre as árvores, jogando bola, soltando
arraias, rodando pião – e as meninas brincavam de roda, cantando lindas
canções. As meninas, todas belíssimas, anjos que habitavam nossos corações
infantes. E havia grandes luares (não há, ó gente, oh não, luar como esse do
sertão...), como também, como as meninas, cantavam as casuarinas ao sopro do
vento que vinha da distância dos campos e dos morros azuis.
Cantaram as casuarinas, por muitos e muitos anos,
oferecendo a todos sua beleza, sua sombra, passarinhos também cantando. Agora,
infelizmente, não cantam mais, as casuarinas. Na verdade, nem vivem mais. Umas
cabeças abomináveis da cidade, especialmente da administração pública, acharam
que elas estavam muito velhas e seria melhor em seu lugar (como vi numa
espantosa fotografia enviada pelo primo Eduardo Sarno) uma praça pavorosamente
modernosa, desértica, hedionda, com pista para skatistas. É muita pobreza,
vasta ignorância, profunda insensibilidade.
Noutra
foto, o que se vê é um pé de tronco abatido, em que escreveram: Memorial
Casuarina. Sinal de remorso? Sei não, parece-me muito mais deboche. Memorial
Casuarina é... Deixa pra lá. Também foi abatido o obelisco que havia no meio da
praça – com degraus onde sentávamos para conversar e ver, por exemplo, as
brincadeiras, o passar das procissões e dos desfiles estudantis da Primavera.
Uma marca alta e clara numa das entradas da cidade. Viajando pelo exterior, olhando
obeliscos, lembrava-me dele. Bem mais humilde, sim, mas nosso.
Para os destruidores sou um saudosista, como sempre gostam
de dizer quando criticamos seu arruinamento do que é belo. Sim, porque o que
mais se vê por aí são cidades arruinadas. Eram belas, mas eis que chegaram os destruidores...
Numa das minhas últimas visitas a Poções, passeei longamente, entre as
casuarinas, com o poeta Affonso Manta, falando de vida e poesia. Hoje ele está
morto, o poeta, mas a sua obra continua viva. E as casuarinas continuam também
vivas – em nossa lembrança. Contra o que guardamos conosco, carinhosamente, não
podem mais nada os destruidores, já bem adiantados no caminho que leva -por uma
selva escura -ao reino de Belzebu.
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