quinta-feira, 6 de julho de 2017

COLUNISTA VIP:



CASUARINAS DE POÇÕES
RUY ESPINHEIRA FILHO
          Ficou-me, na memória da infância, com este nome: Praça da Liberdade. Disseram-me, depois, que o nome era Praça da Bandeira. Não sei se mudaram o nome da memória infantil (que coloquei como título de um poema dedicado ao poeta Affonso Manta e musicado por Durval Burgos) ou se era apenas engano meu. Seja como for, era a praça das casuarinas – certamente o lugar mais belo da cidade de Poções, sudoeste da Bahia, onde vivi os meus fabulosos tempos de menino.
            Um dos nossos lugares prediletos era exatamente ela, a praça das casuarinas. Ali brincávamos entre as árvores, jogando bola, soltando arraias, rodando pião – e as meninas brincavam de roda, cantando lindas canções. As meninas, todas belíssimas, anjos que habitavam nossos corações infantes. E havia grandes luares (não há, ó gente, oh não, luar como esse do sertão...), como também, como as meninas, cantavam as casuarinas ao sopro do vento que vinha da distância dos campos e dos morros azuis.
            Cantaram as casuarinas, por muitos e muitos anos, oferecendo a todos sua beleza, sua sombra, passarinhos também cantando. Agora, infelizmente, não cantam mais, as casuarinas. Na verdade, nem vivem mais. Umas cabeças abomináveis da cidade, especialmente da administração pública, acharam que elas estavam muito velhas e seria melhor em seu lugar (como vi numa espantosa fotografia enviada pelo primo Eduardo Sarno) uma praça pavorosamente modernosa, desértica, hedionda, com pista para skatistas. É muita pobreza, vasta ignorância, profunda insensibilidade.  
Noutra foto, o que se vê é um pé de tronco abatido, em que escreveram: Memorial Casuarina. Sinal de remorso? Sei não, parece-me muito mais deboche. Memorial Casuarina é... Deixa pra lá. Também foi abatido o obelisco que havia no meio da praça – com degraus onde sentávamos para conversar e ver, por exemplo, as brincadeiras, o passar das procissões e dos desfiles estudantis da Primavera. Uma marca alta e clara numa das entradas da cidade. Viajando pelo exterior, olhando obeliscos, lembrava-me dele. Bem mais humilde, sim, mas nosso.
            Para os destruidores sou um saudosista, como sempre gostam de dizer quando criticamos seu arruinamento do que é belo. Sim, porque o que mais se vê por aí são cidades arruinadas. Eram belas, mas eis que chegaram os destruidores... Numa das minhas últimas visitas a Poções, passeei longamente, entre as casuarinas, com o poeta Affonso Manta, falando de vida e poesia. Hoje ele está morto, o poeta, mas a sua obra continua viva. E as casuarinas continuam também vivas – em nossa lembrança. Contra o que guardamos conosco, carinhosamente, não podem mais nada os destruidores, já bem adiantados no caminho que leva -por uma selva escura -ao reino de Belzebu.

                                                                                              A TARDE – 06/07/2017

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