No tempo do
ronca
Nando da Costa Lima
Antigamente
os padres eram verdadeiros tropeiros, tinham vários animais para carregar os
apetrechos pelos interiores mais íngremes fazendo de tudo que a Igreja exigia:
batizados, casamentos, missas e até dando extrema unção. Eram verdadeiros
heróis, davam de tudo pelo sacerdócio. É claro que tinham lá suas vantagens,
mas tinham que ter, eles encaravam viagens terríveis querendo ou não, o tempo
podia estar bom ou ruim, lá estavam os vigários na estrada tomando sol, chuva e
engolindo poeira pra ajudar as populações mais carentes. Nesse tempo já tinha
os aproveitadores que se passavam por médicos, advogados e até por padres...
O causo que
vou contar é sobre um falso padre, mas este era diferente, levava tão a sério
seu trabalho que já tinha vinte anos de “sacerdócio” e ninguém nunca duvidou,
acho que depois de um tempo até ele mesmo acreditava que era padre. O vigário
Tonico Teotônio não ficava devendo nada a padre nenhum, sabia tudo sobre
religião, além de falar latim. Era um homem de estatura média, mas pesando
muito mais do que sua estrutura permitia. Eram mais de 120 kg acomodados em
1,65 m. Os animais que o carregavam tinham que ser escolhidos a dedo, não era
qualquer burrinho ou mulinha que suportavam aquele peso. O vigário comia por
quatro pessoas adultas, e os moradores dos povoados sabiam e já ficavam
preparados para as visitas do reverendo. Engordavam galinhas, porcos,
carneiros, etc., tudo que agradava um bom de garfo. Muita gente garantia que o
Vigário comia um quarto de leitoa sozinho e ainda “matava” uma rapadura de
sobremesa.
E foram
esses excessos que desenharam a tragédia envolvendo o padre Tonico. Ele
simplesmente desapareceu, isto é, muita gente viu que ele caiu numa fossa. É
que naquele tempo as privadas eram artesanais. Faziam um buraco no chão que era
coberto com tábuas, e no meio era feito uma abertura para que as pessoas fizessem
suas necessidades. Geralmente ficavam separados da residência, era um cômodo a
parte. Tinha vários nomes: casinha, bate-pronto, cagadô, etc. Com o tempo,
quando o buraco estava quase cheio, eles mudavam a “casinha” de lugar e
terminavam de entupir o buraco com terra. E foi depois de comer duas galinhas e
um espinhaço de bode que o vigário Tonico sentiu vontade de usar o “cagadô”, só
que as tábuas estavam já frágeis, e na hora que o padre entrou o piso desmontou
e ele caiu no buraco (fossa).
Era um “bate-pronto”
de pensão e esses eram bem mais fundos para atender a grande demanda, o padre
sumiu no meio das merdas. Os moradores revezaram pra ver se encontravam o falso
vigário, cutucaram com varas durante uma tarde inteira e nada de tocar no corpo
do afogado. Aí resolveram que tinham que esvaziar a fossa pra recuperar o
corpo, o jeito era tirar de lata... Foi uma trabalheira doida, os voluntários
quase desmaiaram quando viram que o corpo não foi encontrado mesmo depois do “cagadô”
esvaziado, só acharam a batina e o sapato. Três beatas gritaram de vez: “Foi um
milagre, dois anjos levaram o vigário pra ele não ser lembrado como o padre que
morreu afogado em merda”. Aí todo mundo foi na onda, só podia ter sido um
milagre mesmo. O povo se reuniu e fez uma capela onde era o “cagadô”, o bispo
ficou sabendo e mandou derrubar imediatamente. Foi aí que veio à tona que o
padre era falso.
As
paróquias se movimentaram e comprovaram que nenhum seminário teve um aluno com
aquele nome: Tonico Teotônio Terêncio. Mesmo assim, as beatas mais fanáticas
não desistiram do milagre nem dos anjos, afinal, mesmo o homem não sendo
comprovado como vigário, era gente de Deus e se dedicou muito às regiões
carentes de padres... Apesar de a Igreja contestar o falso padre e mandar derrubar
a capela, o povão não deixou de acreditar no milagre. Só Seu Miltão, que era
ateu e inimigo de chapéu batido de Tonico, analisou o fato de outra maneira:
“Não aconteceu nada demais, o homem simplesmente voltou às origens...”. Mas na
realidade, Tonico simulou o acidente ao saber que a Igreja ia desmascará-lo e
fugiu pra São Paulo, onde viveu muitos anos como “médico”.
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