A EXTINÇÃO DOS CERRADOS E A ENTRADA DOS CAMELOS
Jeremias Macário
Ao longo dos anos o homem só tem explorado a
natureza para extrair seus lucros e consumir desbravadamente. A reposição tem
sido insignificante ao tamanho da depredação. Como não existe almoço grátis, o
meio ambiente agora cobra um custo alto através dos efeitos da poluição, do
desaparecimento de rios e dos aquíferos com a escassez de água. As catástrofes
nas cidades e nos campos provocam mortes e elevados prejuízos materiais. O
barato está saindo bem mais caro.
Todos os biomas
brasileiros (Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Pampas e a Amazônia) sofrem
ameaças constantes. Ai, regiões do Brasil poderão se transformar num Saara
africano, uma boa forma de atrair turistas com a travessia de camelos. Os
últimos governos, inclusive o do mordomo, que tem no Ministério da Agricultura
um motosserra, apoiaram o desmatamento das florestas e a transposição do Rio São
Francisco.
Há pouco tempo, pesquisadores brasileiros
constataram que, se o índice de desmatamento do cerrado se mantiver como é
hoje, em trinta anos o bioma perderá mais de mil espécies de plantas, maior
extinção de vegetais da história. A revista Muito do A Tarde publicou uma
entrevista sobre o assunto com o antropólogo e arqueólogo Altair Sales Barbosa,
profundo conhecedor da região.
Para ele, essa extinção, em boa medida, já
ocorreu e acrescentou ser uma falácia de que no cerrado ainda existem grandes
quantidades de plantas. “Alguns dos subsistemas do cerrado já foram totalmente
extintos, como é o caso das campinas e dos chapadões, cuja vegetação foi
retirada para plantação de grãos”.
Um bom exemplo disso está bem aqui perto de
nós, na Chapada Diamantina entre os municípios de Ibicoara e Mucugê onde vastas
terras foram reviradas para plantação de hortigranjeiros, com a construção de
barragens que provocaram grandes impactos ambientais no ecossistema.
Na avaliação do estudioso Altair Barbosa,
temos hoje no máximo entre 2 e 5% de área preservada no cerrado, pequenas
manchas que ainda estão intactas, localizadas em algumas reservas indígenas e
outras áreas no vale do Parnaíba, entre os estados do Maranhão e Piauí, onde
está sendo implantado o projeto Matopiba (plantação de grãos).
Como os rios da região estão secando, diversas
plantas e árvores, como o Buriti, estão em extinção. De acordo com o
arqueólogo, o modelo de agronegócio do cerrado com o uso de calcário, bem como inseticidas
que matam os insetos nativos polinizadores, é altamente predatório e não leva
em consideração a história evolutiva do cerrado, mais de 45 milhões de anos.
“O que ocorreu no oeste da Bahia é algo nunca
visto na história. Se você pegar uma imagem aérea da região, vai ver que não
existe mais nada de intacto lá” - denuncia Altair Barbosa. Segundo ele, a
vegetação foi varrida do local para plantação de eucalipto e pinus que não
vingaram, e só depois vieram os grãos.
Explica que essas áreas desmatadas eram de recarga
dos aquíferos, e o cerrado é a maior caixa d´água da América do Sul. O que
aconteceu no oeste da Bahia é algo de causar espanto, “coisa nunca visto na
história da humanidade. A devastação foi tanta que vários tributários menores
dos rios maiores desapareceram de maneira irreversível”. Quanto aos que existem
atualmente, na sua avaliação, é só uma questão de tempo, incluindo o São
Francisco.
Ele cita que os rios importantes da região, como
o Grande, do Meio, Arrojado, Correntina e Carinhanha, responsáveis pela vida do
São Francisco, foram mutilados de tal forma que suas nascentes avançaram em
direção ao interior. A tendência é que esses rios desapareçam – sentencia.
Sobre a transposição do
São Francisco, calculou que a técnica de bombeamento da água para diversos
canais vai alterar a mecânica do rio que vai correr mais rápido e sugar seus
afluentes com mais rapidez. Como consequência, os afluentes que correm sobre um
arenito do aquífero Urucuia vão levar grande quantidade de sedimentos para o
rio formando bancos de areia.
A Barragem de Sobradinho, por exemplo, no Rio
São Francisco, está com apenas 10% da sua capacidade. A vazão que era de 600
metros cúbicos por segundo passou nesta semana para 550 metros cúbicos. O mar
invadiu sua foz e milhares de ribeirinhos não têm mais peixe nem água doce do
rio. Em várias partes, bascos de médio porte deixaram de navegar por causa das
pedras e dos bancos de areia. Dentro de mais 20 ou 30 anos, o São Francisco
será apenas um riacho, ou só será conhecido através de fotografias do passado.
Como saída para amenizar o problema da
região, aponta que o caminho é deixar intacto o que ainda existe no cerrado
para que possamos entender essa matriz ambiental de maneira global. “Oproblema da
falta de água nas cidades será eternamente crescente. Nossos rios dependem
agora da chuva e não mais dos lençóis freáticos que os abasteciam porque estes
lençóis já chegaram ao nível da base”.
Nos tempos atuais, o sujeito fica o tempo todo
pedindo chuva para abastecer represa. Água de enxurrada que vai encher represa,
e não mais os rios perenes- diz o arqueólogo. Então, voltamos àquele ditado
capitalista de que não existe almoço grátis.
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