Pescando piranhas
Nando da Costa Lima
Eram amigos há mais de trinta anos, todos na faixa dos
sessenta, apesar de divergirem em vários pontos e serem profissionais em áreas
diferentes, tinham algo em comum: eram fanáticos por pescaria e adoravam
piranhas (dos dois tipos). Todo final de ano tinham um programa que era
sagrado, deixavam as esposas em casa e ficavam um mês na beira do rio São
Francisco, era o mesmo que estar no céu. A pescaria do grupo era famosa na
cidade, eles levavam de tudo: fogão, geladeira, cozinheiro, enfermeiro. Eram
dois caminhões carregados de mordomias, mas o melhor que eles levavam eram as
putas, estas eram escolhidas a dedo no decorrer dos dois mil quilômetros
percorridos do lugar onde moravam até o local da pescaria. Passavam por uma
meia dúzia de cidades, só entravam nos bregas pra fazer a seleção, e
continuavam a viagem. Quando chegavam ao local da pescaria a festa era geral, o
pessoal já sabia que era um mês de festa, tudo do melhor, comida, bebida e
principalmente mulher bonita e safada. Os nativos passavam bem, os pescadores
de fim de ano dividiam tudo com eles, e olha que era um mês de orgia. Uma vida
que todo mundo deseja! A volta era sempre triste, mas levavam na bagagem
recordações para o resto do ano.
Teve um ano que a coisa foi diferente. Aconteceu que as
mulheres legítimas resolveram acompanhar os maridos na tão famosa pescaria, e
resolveram de última hora, não deu nem tempo deles arrumarem uma desculpa e
desistirem, o jeito foi encarar e ver no que dava. A viagem foi a mais monótona
feita pelo grupo, parecia que não tinha fim, não pararam em lugar nenhum.
Quando chegaram o povoado estava vazio, os nativos estavam todos na colheita
que iria terminar quatro dias depois. Eles mesmos tiveram que ir armar as
barracas na beira da praia, quando terminaram já tinham acontecido três brigas
com ameaça de separação, no segundo dia tinham cinco madames de óculos escuros
para esconderem o olho roxo. No terceiro, a mulher de seu Pedro, uma jamanta
com mais de cento e vinte quilos, deu tanta porrada no coitado que quebrou a
cara toda, só não matou porque os amigos interferiram. As coisas corriam mal, parecia uma guerra, e
pra completar uma das senhoras se limpou com ortiga: derrubou metade do
acampamento arrastando a bunda no chão. Nesse mesmo dia eles resolveram
embriagar-se para relaxar, o ambiente tava muito tenso. Viraram a noite
bebendo, e no outro dia, todos completamente bêbados, começaram a gozar da cara
de seu Pedro pela surra que havia levado da mulher. Este pra se vingar bateu
nas costas do amigo que estava mais próximo e perguntou: “Aníbal, por que você
nunca traz a bichona do seu filho para pescar?”. Foi direto no calo do
parceiro. Marcos, o que estava mais sóbrio da turma, tentou contornar a
situação argumentando em favor de Aníbal: “Você não deveria falar assim, o
filho de Aníbal é um rapaz inteligente, já cursou belas artes, dança, teatro”.
Seu Pedro não se convenceu e continuou ofendendo: “Você se esqueceu de falar
que ele também é diplomado em corte costura e crochê. Além disso, nos fins de
semana ele só sai de saia”. Marcos voltou a defender o rapaz, a saia era apenas
uma forma de preservar o costume do seu povo, a bisavó do rapaz era cunhada de
um escocês. Seu Pedro rebateu: “Escocês usa saiote quadriculado, meião e
sapato, e o menino de Aníbal usa minissaia de cetim rosa, meias finas e sapato
alto”. Marcos fez a última tentativa para reconciliar os amigos, explicou que a
mudança do modelo do traje escocês era uma questão de aclimatação. O rapaz não
poderia usar um traje tão quente num país tropical. Seu Pedro já completamente
desnorteado de vodca balançou a cabeça e disse: “Você parece que também é
entendido!”. Quando acabou de falar levou uma porrada no meio da testa e caiu
sentado dentro da fogueira, a coisa ia ficar feia se o pessoal não socorresse,
o ambiente tava tão pesado que ficou resolvido que eles voltariam naquele mesmo
dia (4º dia), após um almoço de reconciliação. As mulheres estavam de maiô para
suportarem o calor, quando o caminhão que trazia o pessoal de volta da colheita
parou perto do grupo de pescadores. Um dos nativos, depois de olhar para as
senhoras comentou aos gritos: “Pessoá,
não vale a pena nem nóis descer, os dotô esse ano só trouxe puta velha e gorda,
olha lá proceis ver, nunca vi tanta muié buchuda reunida,
a melhor que tem não presta nem pra isca de jacaré”.
Depois dessa, não
houve clima pra reconciliação, e o almoço foi uma surra conjunta dada pelas
senhoras, elas exageraram. Além de quebrarem as varas de pesca nos lombos dos
maridos, os obrigaram a engolirem os anzóis.
E assim se
dissolveu o grupo de pesca mais antigo do interior mineiro.
Aos amigos de Araxá...,
duma época em que brincávamos de viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário