DOS SUMÉRIOS A BABEL (VI)
O MITO DE ADAPA E O DIREITO PENAL
Jeremias Macário
Inventiva, a
civilização sumeriana é rica em deuses e lendas, conforme narra o autor de “Dos
Sumérios a Babel”, Federico Arbório Mella. Uma das mais conhecidas e perfeitas
é “O Mito de Adapa”, segundo o escritor, usada até nas escolas do Egito.
No segundo milênio
A.C., sob o cunho de Hammurabi, Babel se destacava como capital espiritual e
farol da civilização da Ásia Anterior. Extraída das escavações arqueológicas,
na forma das tabuinhas, nesta época a língua diplomática e comercial internacional
era o acádico-babilônio.
Na religião, o culto na Suméria era disciplinado
em todo país, mostrando quais deuses menores deveriam ser reverenciados. No
grande templo de Marduk, por exemplo, não se adorava apenas ele, mas sua
mulher, seu filho, sua família, toda a corte, ministros e, por fim, seus quatro
cães de caça.
Conta a lenda que Ea, ou Enqui, procriou
Adapa dando a ele ciência e sabedoria, menos a imortalidade. No templo de
Eridu, na qualidade de sacerdote, Adapa trabalhava como cozinheiro-mestre e
camareiro do seu pai.
Um dia Adapa amanheceu aborrecido e
aprisionou o vento sul, quebrando suas assas, o que o impediu de soprar. Então,
o deus Anu o convocou para que ele justificasse sua conduta inesperada. Antes
de se apresentar, o pai orientou o filho sobre o melhor modo de se comportar
para não ser condenado pelo deus.
O pai ainda alertou o filho de que Anu podia
lhe oferecer como castigo o pão e a água da morte, devendo ficar prevenido para
não se alimentar. Além do mais, aconselhou que se apresentasse vestido de luto
diante do tribunal de acusação.
Disse também ao filho que se Tammuz e sua
mulher Guichzida lhe perguntassem o porquê da vestimenta, deveria responder: “Estou
de luto pela morte de Tammuz e Guichzida”. Com isso, os dois ficaram tão
comovidos com a resposta que resolveram interceder em seu favor para que Anu
não o castigasse como estava previsto.
O deus ficou tão penalizado com o pedido que
decidiu oferecer pão e água da vida para Adapa. Porém, seguindo o concelho do
pai,ele recusou a oferta, perdendo assim a ocasião de obter a imortalidade
definitiva.
DIREITO PENAL
Como o Código de Hammurabi era muito rígido e
rigoroso, os legisladores sempre procuravam meios de contornar as punições e
recorriam às leis de Ur-Nammu, com atenuantes e penas substitutivas. As mais
severas eram prescritas para os delitos contra a moral (homossexualidade). No
caso de assassinato, a pena de morte só seria executada se o acordo de
ressarcimento dos donos da família ficasse impossível.
Entre a nação hitita, a pena capital era
aplicada para quem roubasse a lança colocada à frente do palácio real de
Hattusa, símbolo da realeza. Para os outros delitos, as penas eram pecuniárias.
Quem ferisse seu semelhante, por exemplo, pagava a multa até o final do
tratamento, substituindo a vítima no trabalho.
No caso de homicídio, as indenizações eram
imensas. Se o assassino se encontrasse foragido, ou não fosse encontrado, toda
cidade onde aconteceu o crime responderia integralmente pelo pagamento. O roubo
de gado era reprovável e custaria caríssimo. Quem roubasse uma vaca era
obrigado a restituir trinta rezes.
“GUGGU DE LUDDI”
Depois de conquistar e arrecadar
os tributos dos territórios da Palestina e da Síria, Assurbanipal (669-627 a.
C) entra em contato com o distante país, cujo rei Guggu de Luddi (Guigues da
Lídia) lhe envia uma embaixada. Após muitas dificuldades para entender a língua
dos lídios, concluíram que eles estavam pedindo auxílio dos assírios contra os
cimérios.
Na consulta, Assurbanipal se dirige a Guggu,
rei de Luddi, região além-mar, dizendo que em sonho Assur fez aparecer o seu
nome e avisou para abraçar os pés de Assurbanipal e abate em seu nome os teus
inimigos. Assim Guggu pôde vencer os cimérios que oprimiam os habitantes de seu
país, que não temiam os meus antepassados, nem a mim.
Diz o documento que Guigues enviava fabulosos
presentes para Nínive para obter ajuda, só que o rei aceitava todos e deixava
que Guigues se virasse sozinho. Percebendo o descaso, Guggu decidiu procurar
aliados mais interessantes e cortar relações com a Assíria. Enviou mercenários
a Psamético, filho de Necau, que tinha sido morto na defesa de Mênfis.
Sabendo do fato, Assurbanipal desferiu contra
ele uma maldição: “Possa seu cadáver ser lançado frente aos seus inimigos e que
eles possam levar embora os seus ossos”. Os cimérios invadiram o país e Guigues
foi sucedido pelo filho Ardis que foi até Assurbanipal rogando: “Seja benigno
comigo, teu humilde vassalo, e não me impõe o teu jugo”.
Muito astuto e inteligente, Psamético expulsa
as guarnições assírias e sobe ao trono, como faraó. Por sua vez, Assurbanipal
desinteressa-se do distante rival, mas outras ameaças surgiram através de
Urtacu, rei do Elam que, com suas artimanhas, tentou invadir Babilônia, em 664
a.C. Assurbanipal apressou-se em punir o traidor, mas este foi assassinado pelo
irmão Teumman, o qual também pretendia eliminar seus dois sobrinhos legítimos
herdeiros do trono, que fugiram para Assíria.
Teumman queria a
extradição dos sobrinhos, mas, como resposta Assurbanipal marcha com um grande
exército contra Elam. Teumman, ao ver o exército inimigo, retira-se para defender
Susa. O rei assírio entra em Susa, manda decapitar Teumman e seu filho, e
entroniza os sobrinhos.
EPISÓDIO BOCCACIANO
De acordo com o historiador viajante grego Heródoto,
o Guigues é protagonista de um famoso episódio bocacciano. Candaules, rei da
Lídia, estava loucamente enamorado pela sua própria esposa, que não cansava de
exaltar sua beleza, sobretudo ao seu amigo confidente Guigues, irresponsável
oficial da guarda da corte de Sardes.
Cansado de ouvir sempre a mesma conversa,
Guigues deu algum sinal de enfado, de modo que Candaules, um dia, fez para ele
o seguinte discurso: “Ô Guigues, como tenho a impressão que não me crês quando
falo da beleza da minha mulher, quero fazer de modo que a vejas nua”.
Guigues, então,
protesta: “Ô, meu senhor, que discurso insensato fazeis-me, incitando-me a
contemplar nua a minha rainha? A mulher, junto com as vestes, despe-se também
do pudor. Já estou convencido que ela seja a mais bela de todas as mulheres e,
por favor, não me sugeris coisas tão inconvenientes”.
Acontece que Candaules não se dá por vencido
com o argumento do amigo, assegurando a ele que a rainha não se aperceberá e
obriga-o a esconder-se no quarto onde, quando a mulher se despir, Guigues terá
por um momento de admirar sua graça. No entanto, a rainha o surpreende e
premedita a sua vingança.
Na manhã seguinte, manda chamar Guigues, ao
qual impõe a seguinte ordem: “Ou matas Candaules e tomas a mim e ao trono de
Lídia, ou matas-te agora mesmo, para que não mais vejas o que não deve ser
visto”. O oficial a suplicou para que não impusesse uma escolha tão dramática,
mas a rainha foi irredutível.
Guigues optou pelo mal
menor e matou Candaules enquanto dormia e tornou-se rei da Lídia. Para os
lídios, segundo Heródoto, o ser visto nu, mesmo para um homem, é coisa
vergonhosa.
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