Réveillon
Nando da Costa Lima
A festa estava como sempre foi em reunião de fim de ano. As
mulheres de um lado exibiam as joias e distribuíam simpatia, as mais
extrovertidas exibiam os conhecimentos gerais! Do outro lado os homens, todos
com ares de donos do mundo discutindo a crise econômica, todos com um plano
infalível! O cheiro de perfume “francês”combinava com o “whisky” servido. Todo
aquele material falsificado entrava em harmonia com a falsidade das pessoas.
Formava um clima tão artificial que parecia encenação! A coisa tava tão feia
que até os enfeites de fim de ano desejando felicidades eram em inglês, e todos
os convidados estavam usando chapeuzinhos de papel daqueles que a gente pensa
que só tem em réveillon de americano.
Wellington Jr.,
filho pródigo do casal anfitrião tinha acabado de chegar de uma temporada de 6
meses nos Estados Unidos da América, estava a antipatia em pessoa, só falava em
inglês e sentia dificuldades em entender o português. Dayse, a filha mais
velha, contava seu dia na faculdade de psicologia, e como toda futura psicóloga,
estava apaixonada por Freud, tinha uma explicação freudiana para tudo,
inclusive para sua tara por adolescentes e seu hábito de nunca usar calcinha.
Uma madame ficou entusiasmada com as ideias da futura psicóloga e resolveu
imitá-la ali mesmo. Tirou sem a menor cerimônia e lançou no meio da sala aquela
“caçola” imensa, era verde oliva, parecia uma barraca de escoteiro. Mas todas
as outras, inclusive o decorador Kiko Saint’ Paula Star vindo de Jequié
especialmente para decorar a festa, acharam chi-quer-rí-ma a atitude da madame
Laurinha. Até aplaudiram! Mas isto não vem ao caso, o importante é a festa: a
anfitriã fazia questão de reclamar dos empregados da casa em frente aos
convidados. Não sei porque a maioria delas agem assim, dão ordens como
verdadeiras rainhas medievais: parece que acham “chic” serem grossas.
O dono da casa que
apesar de só ter feito o curso de administração por correspondência, tinha
tanto dinheiro que virou Doutor – e infeliz de quem não usasse o Dr. antes de
falar o nome. A roda de amigos era toda ouvidos, afinal ele era o mais rico
deles! E nessas reuniões a atenção é dispensada de acordo com a situação
financeira, restando aos menos privilegiados apenas escutar, concordar e dar
tapinhas nas costas, quando dão opinião é a favor de alguém. Tinha tudo com
fartura, era até um exagero tanta comida, mas não tinha problema, se estragasse
eles mandavam distribuir para os pobres. A caridade era um bem comum ao casal,
tanto era que no Natal eles deram a um orfanato uma ceia completa: O Dr.
suspeitou que estava envenenada e pra não jogar fora doou. Pra sorte dos órfãos
só foi suspeita!
As conversas
eram animadas em todas as rodinhas! Deu meia noite, o anfitrião estourou a
primeira garrafa de espumante nacional com rótulo de champanhe francês, falou o
preço da garrafa, ergueu a taça e desejou muita saúde para ganhar dinheiro,
muita paz para gastar dinheiro, e que todos fossem felizes nos negócios,
principalmente se fosse seu sócio. O povo tava começando a ir embora, todo
mundo que saia levava uma bandeja de lembrança (comida) que dava pra se
alimentar por uma semana, só faltava o resto do pessoal notar que tava na hora
de ir embora pra festa terminar. De repente Seu Paulino, um velho beirando os
cem anos olhou pro dono da casa e falou pausadamente (ele falava tão pouco que
todos pararam para ouvir): “Dr. dá pro Sr. me arrumar um pedaço de cana?”. O
Dr. respondeu sorrindo que na ceia oferecida por ele tinha de tudo, menos cana.
O velhinho insistiu: “Pede à sua mulher, ela tá lá na garagem com o garçom, e
pelo barulho que estão fazendo se não for chupando cana é melhor o Sr. pegar o
revólver... O Dr. quando viu a expressão de riso na cara do pessoal, não teve
tempo de inventar outra desculpa. Bateu a mão na testa e resmungou: “Joana não
perde a mania de chupar cana escondido”. Depois dessa desculpa esfarrapada o
réveillon chegou ao fim, foi todo mundo pra casa comentar a novidade. Quanto ao
Dr., apesar de seguir os padrões de vida de americano de classe média alta,
resolveu o problema de uma maneira bem primitiva. Ele voltou às origens e
mandou dar uma surra de vergalho de boi e capar o safado do garçom que se
aproveitou da bebedeira daquela santa... “Aquele merdinha nunca mais vai mexer
com mulher honesta”.
Um feliz ano
novo e que o seu réveillon seja infinitamente melhor que o do Dr. deste causo.
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