Os coronéis nunca pecavam
Nando da Costa Lima
Década de 20, uma época em que os políticos ainda usavam os
“coronéis” para manterem-se no poder. Este conto mostra as esposas de dois
coronéis conversando amenidades na varanda de um casarão...
- Pois é comadre, eu não tenho o que queixar do meu marido
“Coroné” Balbino. Homem bom tá ali! Católico praticante, segue a bíblia à
risca! Até aquela parte que diz que quando alguém bater numa face você deve
oferecer a outra, ele cumpriu. Aconteceu logo que a gente casou. Só que o
sujeito que fez isto com ele até hoje não pode ver um martelo que chora.
Balbino usou da Lei de Talião: olho por olho e dente por dente! Três dias
depois mandou seus “camaradas” pegar Manelão e aplicar 20 marretadas em cada
mão, não ficou um osso inteiro...
- Matou, comadre?
- Não, só deixou as duas mãos inutilizadas pra nunca mais
aquele moleque se meter a besta. Êta homem bom, se fosse um ignorante que não
conhecesse as Escrituras, tinha matado...
- E eu não sei comadre, quando meu finado “Coroné” Pacheco
morreu ele ficou passando lá em casa toda noite, sempre levava alguma coisa pra
afilhada, você lembra? Às vezes até pernoitava pra proteger a gente.
- Como é que eu ia me esquecer comadre?! Aqueles fofoqueiros
espalharam no povoado que meu Balbino tava querendo namorar com a comadre. Mas
cê viu no que deu...
- Mas linguarudo tem mais é que queimar “nos inferno”,
aqueles dois trastes não estão fazendo falta nenhuma.
- Eu concordo, Dudu Bocão e Pedro Língua de Sogra não valiam nada.
Tiveram o que mereciam. Até o padre eles caluniaram só porque os coroinhas só
podiam sentar de bandinha. Vê lá se um homem de Deus ia bolinar criança.
- É..., enterraram os dois no mesmo dia. Pedro morreu
terça-feira e Dudu na quinta. A família sabia que o coroné não deixava
“serviço” pela metade e esperou ele acabar a empreitada pra não ter dois
trabalhos.
- Oxente, o que foi que o compadre fez que a senhora não
gostou?
- Aquele negócio de ter mandado costurar a boca da velha Etelvina
com corda de viola para evitar falatório.
- Mas foi Etelvina que pariu aqueles dois trastes, ia ficar
falando o que não devia pros quatros cantos. Além do mais a velha já tava com
os dias contados! Enfartou logo em seguida...
- É comadre, falando assim até que dá pra entender. E também
ela nem sofreu muito, morreu dois dias depois...
- Mas vamos mudar de assunto, chega de falar de coisa ruim,
vamos falar de alegria. Você lembra da festança de 15 anos de Edilene, sua
afilhada?
- E como eu iria esquecer, foram sete dias de festa, tinha
doze sanfoneiros revezando pra música não parar... O pessoal quase morreu de
dançar.
- Foi mesmo comadre, um festão... Só teve aquele probleminha
com Bina Sanfoneiro mas isso meu finado “Coroné” Pacheco, que Nossa Senhora o
tenha, resolveu rápido, o povo da festa nem notou. O safado achou de ficar
bêbado exatamente na hora de tocar a valsa da despedida. Pacheco levou o bêbado
pro curral e mandou quebrar o irresponsável no pau, deixou em carne viva. Mas
foi merecido. Outra alma boa era o meu finado, a senhora acredita que depois
disso além de dar uma cadeira de rodas novinha ele ainda arranjou um emprego
pra Bina Sanfoneiro. Êta homem prestativo! Até hoje Bina é quem toca o sino da
igreja, graças a ele... É comadre, a conversa tá boa, mas eu tenho que ir, o
sol já tá caindo e sua afilhada tá lá só com a criadagem. “Inté” pra senhora,
apareça lá em casa, sua presença é uma honra...
- Tá bom amiga, na hora que eu tiver uma folga eu apareço...
Lá eu me sinto em casa.
A comadre entrou
numa charrete guiada por um cabra de confiança e mandou tocar. No caminho ficou
pensando..., conversando com ela mesma: “Essa cascavel acha que eu não sei que
foi ela e o marido dela que mandaram matar meu finado Pacheco só porque não
apoiou o presidente Epitácio Pessoa. Mas eles não perdem por esperar... Aquela puta
quando não tá com Jonas Sete Palmos na casa de farinha, tá com Joca Dedo Mole no
chiqueiro dos bodes”.
Quando a charrete atravessou a cancela que dividia as duas
fazendas Dona Ermerentina olhou para o céu e resmungou: “Essa jararaca nem
imagina que eu sei que ela tá indo pra cama com meu marido... Mas Balbino um
dia me paga, eu tô doida pra ficar viúva! Jonas Sete Palmos me disse lá na casa
de farinha abandonada que basta eu estalar os dedos pra Balbino e ela
desencarnar... Vai parecer acidente. Eles não perdem por esperar.”.
E as comadres
envelheceram juntas sem nunca revelarem o que uma sentia pela outra...
Cumpriram aquele ritual de visita por mais de 30 anos e coincidentemente
morreram no mesmo dia... Teve gente que falou que uma tentou envenenar o café
da outra numa das visitas. Mas isto é só falatório, as duas foram pro céu de
mãos dadas... O coroné casou com a afilhada, mas morreu logo em seguida, não
ficou um ano casado... Segundo Nodinha de Quaraçu, morreu de desgosto. Só que
ninguém tem certeza se foi desgosto por ter sido traído depois de velho ou se
foi Zé Desgosto, jogador de dominó e amante preferido da afilhada que sufocou o
pobre do velho com um travesseiro.Edilene começou a trair o marido da lua de
mel até o dia de sua morte... Coitado do Coroné Balbino! Não merecia aquilo. É
no que dá ser bom demais... Mas o padre que rezou a missa de corpo presente
garantiu que ele foi direto pro céu encontrar dona Ermerentina.
E ninguém ousou falar do cheiro forte de
enxofre que exalava do defunto...
Em memória de Geraldo
Sol..., um dos sinônimos de paz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário