Nando da Costa Lima
O povoado todo esperava
a chegada do príncipe, era coisa rara um nobre visitar aquelas paragens
no início do século XIX.
O vigário já
não se aguentava, ia completar seis horas que não tomava uma, estava sóbrio até
aquela hora, porque era o único que tinha formação pra receber uma figura tão
ilustre. O príncipe atrasou 3 dias, quando chegou encontrou o padre pisando na
bainha da batina, tava tão bêbado que o Vossa Majestade demorou cinco minutos
pra sair, quando saiu foi acompanhado por uma chuveirada de cuspe que lavou o
rosto do visitante. “O bafo indicava que o vigário apreciava bebidas
fortes". Em seguida convidou Vossa Alteza para fazer um bacanal com umas
índiazinhas que ele criava — A realeza ficou indignada, recusou-se
energicamente — O padre ficou meio sem graça, fechou a cara. Mas quando o
príncipe, pra mostrar que estava irritado, colocou a mão na cintura e começou a
bater o pé, o reverendo animou-se e olhando pra bunda do nobre falou com cara
de vitorioso — Se o caso de Vossa Alteza é outro não tem problema, eu também
tenho um "indião" só pra pagiar europeu em excursão. Aquilo foi o fim
para o nobre visitante, nem quis ficar hospedado na casa daquele tarado, ficou
tão nervoso que fez uma carta pro governador esculhanbando com o padre,
aqueles não eram modos de receber um estudioso. O príncipe era biólogo, um
amante da natureza, estava estudando a fauna, a flora e os costumes dos índios
do sudoeste baiano. Como a primeira recepção não foi nada agradável resolveu
seguir viagem antes do tempo e acampar mais adiante. Andaram umas 40 léguas. O
nobre queria distância daquele cachaceiro degenerado, o religioso mais
depravado que tinha conhecido na vida.
No Arraial da Conquista
as coisas foram piores que suportar a cachaça do vigário
do Povoado de Poções. Só tinha desocupados espalhados pela única rua, era
impressionante a quantidade de butecos, devia ter um para cada habitante.
Quando o príncipe atravessou a rua grande, se abanando com um leque de penas de
arara, mais de dez passaram a mão em seu traseiro. Se sua guarda não
interferisse ele teria sido atacado ali mesmo. Conseguiram tirar a realeza das
mãos dos tarados e levaram-no pra uma fazenda nas proximidades do arraial,
estas eram habitadas por pessoas educadas, só tinha gente boa, ele podia ficar
à vontade que todos iam entender que era coisa de estrangeiro. Aproveitou esse
momento de tranquilidade e recomeçou seus estudos, catalogou milhares de
espécies desconhecidas, estava encantado com a região. Com o tempo ficou conhecido
por todos os índios que ocupavam as matas, cada tribo tinha um jeito carinhoso
de se dirigir a sua alteza. Os Mongoiós, os mais poéticos da selva,
chamavam-no de "Borboleta do Além Mar", os Imborés só o conheciam por
''Franga Selvagem'', os Pataxós denoninaram-no de "Flor de Urucum".
Os Botocudos, os mais selvagens da região conheciam-no por "Cú de Mel”.
Ele fez amizade até com os arruaceiros da rua Grande, como seu nome era difícil
de pronunciar, eles apelidaram-no de "Fruita das Oropa".
O príncipe deu
grande contribuição aos estudos de nossa fauna e flora, escreveu até um livro.
Voltou para sua terra morrendo de saudade, partiu cheio de boas recordações,
tinha se acostumado com o povo da terra, chorou muito na despedida. Ficou tão
apaixonado por nossa terra e por nossa gente que só foi embora depois que
encontrou uma solução prática para aliviar sua saudade: levou um índio
Botucudo pra morar com ele na Europa...
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