Responsável pelo plantão do Judiciário durante o recesso, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, suspendeu nesta quinta-feira (28) os trechos do decreto editado na semana passada pelo presidente Michel Temer que abrandavam as regras para concessão do indulto de Natal.
A magistrada concedeu liminar (decisão provisória) acolhendo os
questionamentos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que,
nesta quarta (27), protocolou uma ação na Suprema Corte
para suspender os efeitos do decreto natalino que reduziu o tempo de
cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou
grave ameaça.
Pasta encarregada da defesa jurídica do governo federal, a
Advocacia-Geral da União (AGU) informou que ainda não foi notificada
pelo STF sobre a liminar de Cármen Lúcia e que vai se manifestar dentro
do prazo processual.
No despacho, a ministra do Supremo ressaltou que a decisão de dar a
liminar foi tomada em razão do caráter de urgência do assunto. Segundo
ela, ao final do recesso do Judiciário, em fevereiro, o relator do caso,
ministro Luís Roberto Barroso, ou o plenário da Corte irão voltar a
analisar o pedido da Procuradoria Geral da República (PGR).
"Pelo exposto, pela qualificada urgência e neste juízo provisório,
próprio das medidas cautelares, defiro a medida cautelar (art. 10 da Lei
n. 9.868/1999), para suspender os efeitos do inc. I do art. 1º; do inc.
I do § 1º do art. 2º, e dos arts. 8º, 10 e 11 do Decreto n. 9.246, de
21.12.2017, até o competente exame a ser levado a efeito pelo Relator,
Ministro Roberto Barroso ou pelo Plenário deste Supremo Tribunal, na
forma da legislação vigente", argumentou a presidente do STF para
conceder a liminar.
Na avaliação de Cármen Lúcia, os dispositivos do decreto presidencial
“parecem substituir a norma penal” que garante a eficácia do processo e,
na avaliação dela, geram uma invasão, pelo Poder Executivo, de
competências dos poderes Legislativo e Judiciário.
Segundo a magistrada, as regras estabelecidas pelo presidente da
República para conceder o indulto geram sensação de impunidade, em
especial aos denominados "crimes de colarinho branco".
Indulto de Natal
O indulto natalino é um perdão de pena e costuma ser concedido todos os
anos em período próximo ao Natal. Atribuição do presidente da
República, esse benefício não trata das saídas temporárias de presos,
nas quais os detentos precisam retornar à prisão.
No ano passado, Temer já havia flexibilizado um pouco as regras de
concessão do benefício, determinando que poderiam ser beneficiados pelo
perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que, até 25 de dezembro
de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem
reincidentes.
O indulto deste ano abranda ainda mais as normas de concessão do
benefício, ao não definir um período máximo de condenação para que o
detento obtenha o perdão presidencial. Além disso, o decreto do
presidente reduziu para um quinto o tempo de cumprimento da pena para
presos não reincidentes. A medida contempla quem cumprir esses
requisitos até 25 de dezembro de 2017.
Ação de Dodge
Na ação judicial apresentada ao Supremo, a procuradora-geral da
República argumentou que o decreto de Temer viola os princípios da
separação de poderes, da individualização da pena e da proibição,
prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito
penal.
"[Se mantido o decreto] A Constituição restará desprestigiada, a
sociedade restará descrente em suas instituições e o infrator, o
transgressor da norma penal, será o único beneficiado", escreveu a chefe
do Ministério Público em trecho da ação.
"O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira" (Raquel Dodge)
Na liminar concedida nesta quinta, a presidente do STF ponderou que o
indulto é um instrumento que beneficia aquele que, tendo cumprido parte
do débito com a sociedade, obtenha o reconhecimento de que seu erro foi
assumido e punido, sendo dada nova chance para superar esse erro.
“Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”, observou a ministra do Supremo na decisão.
“Indulto não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta” (Cármen Lúcia)
Perdão de multas
Outro trecho do decreto questionado por Raquel Dodge é o que prevê a
possibilidade de livrar o detento beneficiado com o indulto do pagamento
de multas relacionadas aos crimes cometidos.
Para a procuradora-geral, o perdão de multas seria uma forma de renúncia de receita por parte do poder público.
Na ação, Raquel Dodge destaca que o decreto natalino deste ano do
presidente da República foi classificado como o "mais generoso" entre as
normas editadas nas últimas duas décadas e afirma que, se mantido, será
causa de impunidade de crimes graves como os apurados pela Operação
Lava Jato e outras operações de combate à “corrupção sistêmica”.
Como exemplo, a procuradora-geral da República afirma que, com base no
decreto, uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria
sequer um ano presa.
Em relação ao perdão das multas, a presidente do Supremo ressaltou na
decisão liminar que suspendeu os efeitos de parte do decreto que os
valores cobrados dos condenados não provocam “situação de desumanidade”
nem são dignos de “benignidade”, por serem parte de uma atuação judicial
que beneficia a sociedade.
“Este Supremo Tribunal firmou jurisprudência no sentido de que, para
que o condenado possa obter benefício carcerário, incluído a progressão
de regime, por exemplo, faz-se imprescindível o adimplemento da pena de
multa, salvo motivo justificado”, destacou.
Sem recuo
Após a edição do decreto natalino, o coordenador da força-tarefa da
Operação Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, usou sua
conta no Twitter para criticar o ato de Michel Temer. Segundo o
procurador, o indulto deste ano se trata de um “feirão de Natal para corruptos”.
“Pratique corrupção e arque com só 20% das consequências – isso quando
pagar pelo crime, porque a regra é a impunidade”, escreveu.
Diante da polêmica gerada pela edição do indulto natalino, o ministro
da Justiça, Torquato Jardim, afirmou nesta quinta à colunista do G1 Andréia Sadi que o governo não vai recuar em relação ao decreto que mudou os critérios para a concessão do indulto de Natal.
"Não tem recuo. Governo mantém sua posição. Não tem motivo. Agora, é
aguardar a decisão da ministra Cármen Lúcia [presidente do Supremo
Tribunal Federal]", afirmou o ministro ao Blog.
Em resposta às críticas disparadas contra Temer em razão do indulto
natalino, o ministro da Justiça escreveu um artigo defendendo a
iniciativa do presidente da República. O texto de Torquato Jardim foi
publicado nesta quinta no site do jornal "O Globo".
No artigo, o titular da Justiça disse que considerar que o decreto
beneficiará investigados, denunciados ou condenados pela Operação Lava
Jato "configura ignorância ou má-fé".
"Não há que se confundir Lava Jato com indulto. Não há qualquer relação
de causa e efeito. Lava Jato é uma série de processos administrativos
ou judiciais de investigação ora em curso ou na Polícia Federal ou no
Ministério Público Federal. Processos sem conclusão, donde sem sentença
judicial. Logo, processo administrativo da Lava Jato não é objeto de
indulto. O indulto pressupõe decisão judicial – ainda que não
definitiva", escreveu o ministro em trecho do artigo.
Randolfe
Nesta quinta, um dia depois de Raquel Dodge ter ingressado com ação no
STF questionando o indulto natalino, o senador Randolfe Rodrigues
(Rede-AP) anunciou ter ajuizado uma ação popular na Justiça Federal de
Brasília pedindo a anulação do decreto de Temer.
A assessoria de Randolfe informou que, na ação, o parlamentar do Amapá
comparou o indulto natalino do presidente da República de um “insulto
natalino”, que promove uma “black Friday do crime de colarinho branco,
promovendo descontos de até 84% nas penas de poderosos”.
NOTA DO BLOG:
Quando Lula deu indulto ao assassino italiano Cesare Batistti, não vimos o senador Randolfe se manifestar. Seria porque ele tem bandidos de estimação? Achamos que o STF fez o certo. O presidente Temer sofre uma derrota moral e coloca até seus aliados em dificuldades. Ele é cercado por pessoas que estão sob suspeita, outros investigados, etc. É uma pena. Poderia passar o ano de 2017 sem cometer tal sandice! Enfim...
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