DOS SUMÉRIOS A BABEL (V)
O POEMA DA CRIAÇÃO
Jeremias Macário
No livro “Dos Sumérios a Babel”, o autor
Federico A. Arbório Mella cita que, provavelmente, Hammurabi (1792-1750 a.C.)
foi o maior rei da Mesopotâmia, e Babel era uma cidade próspera no mesmo porte
de Assur, Larsa e Echunna. Para manter boas relações com estas potências, o
jovem rei usou da diplomacia através de cartas com frases gentis e cheias de
promessas.
Com suas habilidades, disciplina, acordos e
força, Hammurabi conseguiu dominar todas as nações em torno do seu reino,
inclusive Mari, do último Zimri-Lim. No decorrer de nove anos, fundou um
império e empreendeu o grande trabalho de unificação entre sumérios, acádicos,
amoritas, cananeus, assírios e tribos das montanhas. Proclamou-se, então, rei
das Quatro Partes do Mundo, com o título de “Sol de Babel”.
No seu reinado, procurou montar um Estado
centralizado, nomeando governadores a ele subordinados; criou taxas para os
templos; distribuiu terras para seus soldados; e dividiu a população em classes
sociais entre burgueses, plebes e escravos.
Seu propósito era criar uma Nação, e tão logo,
reuniu seus sábios e ordenou que inventassem o acádico-babilônio como língua
diplomática daquela parte do mundo. A unificação se deu também no plano
religioso, não proibindo a liberdade de culto, mas impondo ordem entre os
milhares de deuses semíticos e sumérios.
Nas escolas de teologia nasceram as grandes
trindades de Anu, Enlil e Ea (Céu, Terra e Água Doce). Depois deles, Sin,
Chamach, Ictar e um novo deus Abad, da tempestade. Marduk, o deus da capital
Babel, assumiu importância emblemática. Para conferir-lhe esplendor, os
sacerdotes criaram o “POEMA DA CRIAÇÃO”, o mais sacro da Mesopotâmia, chamado
de “EnumaElich”, o que significa “Quando no Alto”.
O Céu não tinha nome, e embaixo só existia o
Apsu (o Oceano) e Mummu (reunião das águas doces com as águas salgadas). Como o
Destino ainda não estava estabelecido, Apsu e sua mulher Tiamat criaram os
primeiros deuses Lakhmu, Anchar e Quichar. Anchar procriou Anu, igual a si
mesmo, e Anu fez Nudimmud (Ea, Enqui).
Depois deles nasceram muitos outros que
tomaram toda terra fazendo muito barulho, não deixando Apsu e Tiamat dormirem
em paz. Irritado, Apsu resolveu exterminar este enxame de vagabundos, seguindo
os conselhos malignos de Mummu, mas a mulher se opôs.
As vítimas divinas choram, e o sábio Ea,
compadecido, deteve a ameaça pondo em ação um esconjuro mortal com o qual
consegue matarApsu no sono. Depois se apodera de Mummu, amarra-o, tira-lhe a
coroa, castra-o e lhe arrebenta o cérebro. O vitorioso fixa os lugares sagrados
do oceano e ali estabelece sua residência.
Foi, então, no meio do Oceano, no Santuário
dos Destinos, que a mulher de Eacolocau Marduk no mundo, o mais sábio dos
deuses. De belas formas, nutrido com leite divino, seu pai lhe deu duplas
virilidade, visão e audição. Quando Marduk estava irado, da sua boca saiam chamas
e seu esplendor era igual a de dez deuses.
Do outro lado, triste
por causa do assassinato do seu marido, Tiamat, como vingança, criou horríveis
monstros (víbora furiosa, grande leão, cão raivoso, homem-escorpião e outros
animais), para lutar contra os deuses. De um destes, denominado de Quingu,
nomeia-o como marido e comandante-chefecom poderes divinos. Amarra em seu pescoço
as Tábuas do Destino.
Ela e seu exército declaram guerra aos
deuses. Ea desmaia ao vê-la. Recuperado, vai ao pai Anchar que também fica
empalidecido e envia Anu a Tiamat para um acordo. Ao ver aquele exército
horrível, Anu foge e,temeroso, reúne a assembleia dos deuses. No voto, ninguém
quer enfrentar Tiamat. Sem opção, Anchar designa o corajoso Marduk para a
batalha.
O deus se apresenta
para a empreitada, mas quer saber com quem vai lutar. Anchar dá a entender que
se trata de Tiamat e seu séquito de monstros, mas ele não se intimida e se diz
pronto para partir. No entanto, pela vitória Marduk impõe condições, e uma
delas é que seu destino seja mudado, que lhe seja dado um lugar proeminente na
hierarquia divina.
Para decidir a exigência, realiza-se uma
assembleia entre os deuses, regada a banquete. No final, Marduk foi honrado
entre os grandes deuses como o vingador e, ao sentar-se perante à assembleia,
foi-lhe concedido a realeza do poder sobre o universo das coisas. “Que as tuas
armas aniquilem os inimigos”. Sem perder tempo, Marduk arma-se de flecha, arco,
uma grande rede, a erva do veneno e como aliados escolhe os sete ventos
impetuosos.
No início ele desfalece quando vê a boca
escancarada de Quingu, e Tiamat solta gritos atrozes de maldições contra
Marduk. O temor é substituído pela ira e o deus enfurecido a insulta e a
desafia para o duelo. Envolvida pela raiva, Tiamat se lança contra o inimigo
com as faces abertas, prontas a abocanhá-lo.
O deus aproveita o momento e joga dentro dela
o vento mau que a impede de fechar a boca e, imediatamente, sua mortífera
flecha que atravessa seu coração. Seus seguidores tentam fugir, mas Marduk
apanha todos com a rede, pisa sobre suas cabeças e os faz prisioneiros.
Depois corta a carcaça
de Tiamat em duas partes como uma ostra. Com a metade superior forja o Céu,
fixando-o com ferrolhos e pondo-lhe guardiães, para que suas águas não fujam. No
Céu coloca a morada dos deuses, as estrelas, os signos e a Lua, confiando-lhe a
noite. Com a outra parte cria a Terra.
De Quingu, tira as Tábuas do Destino e
pendura-as no seu pescoço, tornando-se assim o dominador do universo. Depois, o
mata. Com seu sangue conforma a argila e cria Lilu, o homem, e em seguida os
animais, as plantas e as várias partes do mundo. Ao homem designa o serviço dos
deuses, e estes foram divididos por Marduk em dois grupos: Os Iguigui (deuses
do Céu), e os Anunnáqui, os deuses da Terra.
No final, todos os deuses exprimem sua
gratidão levantando para Marduk um grande santuário, a Torre de Babel
(Entemenanqui). No dia da inauguração oferecem um suntuoso banquete e cantam em
louvor ao seu salvador.
O poema era lido por ocasião do Ano Novo com
representação sacra e alusões a significados astrais. Tiamat reviverá ainda na
simbologia da Bíblia (monstro análogo nos Livros de Jó, Salmos e em Isaias)
onde toma o nome de Leviatã. No herói Marduk, autores se inspiraram no arcanjo
São Miguel e São Jorge.
No Susa, emElam (1902), arqueólogos
encontraram uma famosa estela de Hammurabi, com mais de dois metros de altura.
Sobre toda parte inferior da obra de arte estava gravado uma espécie de código
civil e penal. Nas escolas, Hammurabi tornou-se célebre e conhecido como
primeiro legislador da história.
Explica, no entanto, o autor do livro “Dos
Sumério a Babel”, que ele não foi o primeiro, nem o grande, mas limitou-se a
transcrever uma série de sentenças já julgadas, tornando-se válidas em todos os
lugares. No direito civil se inspirou nas consagradas normas sumérias e
acádicas. No penal, introduziu a “Lei de Talião”, recolhida de alguma tribo do
deserto, na base “do olho por olho e dente por dente”, que Moisés adotou seis
séculos depois.
Segundo autores entendidos
no assunto, a obra de Hammurabi é considerada como retrocesso em relação à
civilização suméria. No livro, o autor cita uma série de artigos conhecidos das
leis de Ur-Nammu, como “se um homem feriu o pé de um outro, pagará 10 siclos de
prata. Se um filho ofender sua mãe (...) seja expulso de casa.
Nas novas leisde Hammurabi, se um homem
quebra um osso a um outro, se lhe quebrará o mesmo osso. Se um filho bater em
seu pai, que se lhe corte a mão. A pena de morte é prevista para furto com
arrombamento, receptação, cumplicidade, saques, adultérios e estupros.
“Se um mestre de obras construir uma casa, e a
casa desabar causando a morte do proprietário, o mestre de obras será morto; se
perder a vida também o filho do dono, será morto também o filho do mestre de
obras. Se o cidadãos bater na filha de outro cidadão e esta morrer, a filha
dele será morta”.
Estas leis, entretanto, não são iguais para
todos. Se um cidadão vaza um olho ou quebra um osso a um cidadão de nível
inferior, pagará uma mina de prata. Se a um escravo, pagará a metade de seu
valor de aquisição. Na prática, estas leis se tornavam inoperantes por outras
providências terríveis contra o arbítrio, como, “se um cidadão culpa outro por
homicídio sem poder fornecer provas, será morto”.
O mesmo acontece para falso testemunho em
processos que impliquem pena capital. Um juiz que tenha emitido uma sentença
viciada pagará 12 vezes o valor do objeto da querela e será destituído. A pena
de morte só era aplicada em casos de indiscutível culpabilidade.
Deixando de lado a “Lei de Talião”, existiatambém
indulgências nos confrontos dos mais fracos, sobretudo com os devedores pobres.
Defendia-se a pequena propriedade rural e punia-se o peculato e a corrupção
administrativa. Quem se sentia injustiçado podia recorrer ao rei, que de
imediato realizava um inquérito. Qualquer cidadão poderia citar em juízo a
Coroa, se achasse que o rei cometeu algum abuso.
Na guerra, a lei prescrevia que a população
civil das cidades conquistadas deveria ser poupada nos limites do possível.
Hammurabi deixou um império em perfeita ordem, com finanças prósperas e
comércio em expansão. Fez de Babel a capital cultural de toda Ásia.
Na língua acádico-babilônia foram traduzidos,
nesta época, o Poema de Guilgamech, o mito de Etana e muitos outros. A escola
teológica do Esaguila tornou-se a mais importante da Mesopotâmia. O rei deixou
para Babel um patrimônio cultural reconhecido no mundo.
No Livro do profeta Jeremias está dito que
Babel tornou-se “uma taça de ouro nas mãos do Senhor, que inebriou toda a terra”.
Marduk tornou-se o mais importante deus dos semitas pelo prestígio que derivava
da cidade da qual era deus, não pela imposição de Hammurabi, pois seu deus era
Chamach.
A partir do seu apogeu, Babel passou a ser
considerada por toda Mesopotâmia, como Babilônia, só que Babel era a cidade, e
Babilônia a região. O escritor faz esta referência para que não haja confusão
nas interpretações entre uma coisa e outra.
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