UMA NOITE COM GREGÓRIO DE
MATOS NO “SARAU A ESTRADA”
Jeremias Macário
A poesia de circunstância, aquela voltada para
o meio social, a cidade e o Recôncavo, a poesia lírica, denominada
erótico-irônica e a religiosa que tematiza a culpa e o perdão, na crítica do
pesquisador José Miguel Wisnik, de Gregório de Matos Guerra, o “Boca do
Inferno” foram debatidas no “Sarau do Espaço Cultural A Estrada”, no último
sábado (dia 13/04) pela palestrante Nádia Márcia Campos, com a contribuição do
jornalista Jeremias Macário, os professores Jovino Moreira, Itamar Aguiar e
demais participantes do encontro.
Foi um tema empolgante que atraiu as mais de
20 pessoas que estiveram presentes ao evento colaborativo, recheado entre algumas
cantorias, contação de causos e declamações de poemas, de um bom vinho, umas cervejas
geladas e bons petiscos e tira-gostos trazidos pelos frequentadores. Mais uma
vez, recebemos em nosso espaço, visitantes, como a atriz e pintora Elizabeth
David, Valdir, Claudinésia Rocha e Fabiana Cristina de Oliveira.
A Academia de Letras de
Vitória da Conquista esteve representada nas pessoas de Rozânia e Evandro Brito,
e outras pessoas que sempre prestigiaram nosso sarau, como a cantora Marta
Moreno, Maria Cleide Santos Teles, Gildásio Amorim, o fotógrafo José Silva,
Tânia Macedo, Aline, Jhesus e demais presentes que foram recebidos pela
anfitriã da casa Vandilza Gonçalves.
Foi mais uma noite de descontração num papo
diversificado e fraternal que varou a madrugada como sempre acontece em nossos
saraus culturais que estão completando nove anos de existência. Nas discussões
e na troca de ideias, todos deram suas contribuições, como a atriz Elizabeth
(Beth) que apresentou seu álbum de pinturas, e até Jhesus deu uma de cantor
sertanejo, sem contar que foram ouvidos vinis de Zé Ramalho, Raul Seixas, Ruy
Maurity e artistas nordestinos.
Gregório de Matos e seu
outro lado
Nádia Márcia fez uma
bela explanação sobre o poeta seiscentista barroco do século XVII, nascido em
Salvador, de pais fidalgos, em 20 de dezembro de 1633, e falecido em 1696. Teve
como irmãos Pedro de Matos e o orador Eusébio de Matos que tiveram complicações
com a Companhia dos Jesuítas. Gregório formou-se em direito em Coimbra e, em
Lisboa, foi juiz Civil de Crime e de Órfãos. Com estilo camoniano, Gregório
teve em Quevedo e Gângora as suas grandes referências.
Além de suas críticas à burguesia negociante
corrupta e subserviente à metrópole de Portugal da metade do século XVII, a
palestrante do tema mostrou também o lado bonachão, machista e preconceituoso
no tratamento com as mulheres, principalmente as negras e as mulatas, chegando
a afirmar que se fosse no tempo atual, o poeta seria enquadrado na Lei Maria da
Penha. Ela citou alguns poemas onde Gregório trata a mulher como objeto sexual.
No livro “Poemas
Escolhidos de Gregório de Matos”, o prefaciador relata que o poeta exercitou-se
em sátiras contundentes e teve acesso ao rei Pedro II. Depois ficou viúvo e
caiu das graças do rei por rejeitar a missão de devassar, no Rio de Janeiro, os
crimes de Salvador Correia Benevides.
Destaca Miguel que o poeta baiano retornou ao
Brasil em 1681 a convite do arcebispo da Bahia, aceitando o cargo de
vigário-geral, ao qual não se adaptou pelas suas atitudes nada convencionais, e
foi desligado de suas funções. Casou-se com Maria dos Povos a quem dedicou famoso
soneto “Discreta e Formosíssima Maria”. Vendeu terras que recebeu como dote e
jogou o dinheiro num saco no canto da casa, gastando-o fartamente.
A certa altura deixou cargos e encargos e
saiu pelo Recôncavo como cantador itinerante, convivendo com todas as camadas
da população, metendo-se no meio de festas populares. Era um boêmio. Diz José
Miguel, confirmado por Nádia, que o “Boca do Inferno”, diante da sua crítica da
corrupção, dos desmandos, dos arremedos da fidalguia e pelo puro prazer de
sádico, foi deportado para Angola. “De lá pode retornar sob condição, desde que
não à Bahia, mas a Pernambuco, e calado a sátira num rigoroso “ponto em boca”.
Gregório, de acordo com a crítica de Miguel,
viveu numa época de transição na Bahia entre a decadência dos produtores da cana-de-açúcar
e a ascendência da burguesia negociante. No período, os engenhos viviam em
plena crise. Afirma o prefaciador do livro da “Companhia das Letras” que na
poesia de Gregório de Matos trava-se a luta de duas sociedades, cada uma delas
absurdas perante a outra.
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