Foto: Fátima Meira/Futura Press
José Antonio Lima (@zeantoniolima)
Em 14 de junho de 1999, o então presidente do Senado,
Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), acionou sua conhecida língua afiada
para atacar o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. “As
coisas morais nunca foram o forte do senhor Temer. Se abrir um inquérito
no Porto de Santos, ele ficará péssimo”, afirmou. Ao que parece, quase
19 anos depois, esse dia chegou.
Deflagrada nesta quinta-feira 29 com a autorização do
ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, A Operação
Skala da Polícia Federal apura se Temer emitiu um decreto presidencial
para beneficiar a Rodrimar, uma concessionária do Porto de Santos, em
troca de propina. Trata-se de uma investigação que tem potencial para
encerrar as pretensões de Temer de concorrer à eleição em outubro.
Em 1999, ACM e Temer se engalfinhavam por conta de mais
espaço na reforma ministerial do então presidente Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), apoiado por ambos. O PFL do senador baiano queria
desalojar o PMDB de Temer de alguns ministérios e partiu para o ataque
usando o que parecia ser um ponto fraco do então deputado – suas
relações no setor portuário, em especial em Santos. Nesta quinta, a PF e
a Procuradoria-Geral da República foram atrás justamente dessas
conexões.
Entre os presos estão dois amigos de décadas de Temer – o
ex-coronel da Polícia Militar João Batista Lima e o advogado José Yunes.
Os dois são suspeitos de serem operadores de propina e/ou doações
ilegais de campanha para o presidente da República. Yunes foi assessor
especial do gabinete presidencial até dezembro de 2016, quando pediu
demissão após aparecer na delação de Claudio Melo FIlho, lobista da
Odebrecht.
Também foram presos Antônio Celso Greco, dono da Rodrimar,
e Celina Torrealba, uma das donas do grupo Libra, outra concessionária
do Porto de Santos. Os dois e suas famílias são próximos de Temer.
Outros detidos são Wágner Rossi, ex-ministro da Agricultura de Lula e
Dilma, e seu assessor Milton Ortolan. Filiado ao PMDB e apadrinhado de
Temer, Rossi foi presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo,
que administra o Porto de Santos.
A depender do andamento das investigações, a PGR Raquel
Dodge poderá apresentar denúncia contra Temer, a exemplo do que fez seu
antecessor, Rodrigo Janot. As acusações de Janot – organização
criminosa, corrupção passiva e obstrução de justiça – foram suspensas
pela Câmara em duas votações em agosto e outubro de 2017, mas uma nova
denúncia poderia ter um desfecho diferente.
Temer não tem mais em suas mãos as bandeiras das reformas
trabalhista e previdenciária, pautas apoiadas por setores estratégicos –
a imprensa e o empresariado. A primeira já foi aprovada e a segunda,
morreu. Sem elas, sua utilidade para esses atores se reduz
drasticamente.
No âmbito político, a importância de Temer também está
reduzida. O presidente deve ver vários de seus ministros desembarcando
do governo para disputar as eleições. Em um país obcecado pelo combate à
corrupção, é provável que muitos deles “esqueçam” suas relações com
Temer durante da campanha. Para os deputados, que também terão de
enfrentar as urnas, votar a favor de um líder impopular e que muitos
avaliam como corrupto, ainda mais à beira da eleição, seria equivalente
ao suicídio político.
Ainda que Dodge não apresente denúncia, a operação deixa
Temer mais vulnerável. Cabe lembrar que o eventual substituto de Temer
em caso de remoção do cargo é o presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ). Sempre que possível, Maia lembra que “não fez com Temer o que o
PMDB fez com Dilma”, destacando que não tentou derrubá-lo.
Agora, entretanto, Maia é pré-candidato à Presidência da
República e concorrer no cargo provavelmente aumentaria suas chances.
Não à toa, a coluna Radar, da revista Veja, publicou recentemente que
aliados de Maia defendiam o desengavetamento de algum dos diversos
pedidos de impeachment de Temer que aguardam parecer. Se antes um novo
impeachment evidenciaria o caráter golpista da eventual remoção de
Temer, a história muda com o presidente fragilizado pela prisão de seus
amigos.
Da mesma forma, a fragilização de Temer afugenta partidos
que poderiam apoiá-lo na formação de uma coalizão de “centro” para
outubro. Com a investigação, o presidente se torna ainda mais “tóxico”
para qualquer parceria.
O que vem pela frente é dúvida. Desde que começou a armar a
derrubada de Dilma Rousseff, Temer e seu círculo tiveram como meta
evidente a fuga da cadeia. A ideia inicial era entregar o PT aos leões
e, assim, “estancar a sangria” da Lava Jato. Não deu certo. Com a
popularidade em nível baixíssimo e perto de ver seu mandato e o foro
privilegiado acabarem, Temer lançou mão da intervenção federal no Rio de
Janeiro, uma medida inócua, mas altamente popular. Agora, nem ela
parece ser suficiente para manter o ímpeto da candidatura.
Acuado pelas
investigações e com seu caminho eleitoral cheio de obstáculos, resta a
Temer esperar seu governo acabar e ser alvo de todos esses processos.
Outra opção seria estender seu mandato à revelia das instituições,
talvez aproveitando a tensão política no país para cancelar as eleições.
Ao menos um ministro falou sobre essa possibilidade ao jornalista
Ricardo Noblat. Seria o ponto mais baixo do beco sem saída em que o
Brasil se meteu.
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