domingo, 11 de março de 2018

NANDO DA COSTA LIMA - COLUNISTA VIP:

Encosto
             Nando da Costa Lima
             Mulher de poeta deve sofrer... Tem até quem ache que o SUS devia ter um serviço de atendimento psicológico só para elas.  Dona Marizilda que o diga! Casada com o poeta Custódio Carente da Silva, ela não perdia uma oportunidade para esculhambar com a “raça” dos poetas, e o marido principalmente. Ela achava que o poeta ia tomar jeito depois da idade avançada, 78 anos não é qualquer coisa. Mas ele continuava agindo como se fosse jovem, não podia ver uma moça bonita que fazia um verso. E ainda aparecia quem admirava aquele lenga, quase sempre, voltado para o amor. Dona Marizilda perdeu a cabeça quando encontrou no bolso do poeta uma poesia quilométrica dedicada a uma afilhada deles, dessa vez ele extrapolou. A moça, além de ser cria da casa, tinha idade pra ser neta daquele safado. Ela estava irredutível, não ia passar o pouco que lhe restava da vida com um velho tarado que não respeitava nem a família. A sorte dele é que a menina era maior de idade, senão a esposa já tinha dado queixa na delegacia. Foi aí que chegou dona Elenilda e tentou acalmar a amiga, as duas estavam na fila do posto de saúde:
- Calma, Marizilda. Seu marido é um poeta premiado, tem até livro publicado!
- Poeta porra nenhuma, aquilo é um encosto! Você tá falando assim porque não sabe nada do que eu passei nesses 54 anos junto deste traste que você chama de poeta. Tive que sustentar esse merda a vida toda e você ainda tem coragem de me lembrar que ele é poeta.
- Mas amiga, ele deve ter ganhado algum dinheiro com os livros que publicou. Se eu não me engano, foram mais de dez, todos dedicados a você.
- Se vendeu, aplicou no sinucão ou na cachaça. No meu fogão nunca passou um centavo daquele filho da puta.
- Calma, querida! Pra quê botar o nome da mãe no meio da briga?
- Porque foi ela que pariu o merda do meu marido e mais oito poetas! A velha só teve filho imprestável, todos ficaram viúvos cedo. As coitadas das mulheres não aguentaram o tranco. Imagina aí, Elenilda: uma casa com as contas todas vencidas, inclusive o aluguel. Aí quando dá duas da madrugada chega um safado bêbado falando que ganhou mais um concurso de poesia. Não tem mulher que aguente o baque! Ou endoida ou morre. Só eu que sou osso duro de roer pra suportar. Mas agora, na velhice, ficar achando versos e mais versos de amor justificando uma brochada que aquele traste deu num motel com uma moça que tem idade pra ser neta dele. Chega de poeta!
- Bobagem... Você já suportou tanta coisa e vai sair do jogo por causa de mais um caso irrelevante que pelo visto nem se concretizou...
- Você viu o verso??? Eu até decorei. Não é nem verso, é tipo um bilhete pedindo arrego: “Querida amada, quando lembro que nós passamos uma noite juntos esperando meu amor fluir, o que infelizmente não aconteceu e você maldosamente me chamou de ‘balão apagado’, eu quase morri de vergonha! Como poeta choro e peço uma segunda chance” e blá, blá, blá...
- Ué, amiga. É só um bilhete se explicando. Você nem devia levar isso em conta.
- Me desculpe, mas por que você só interfere em favor do meu marido? Por acaso você conhece a peça?
- Mais ou menos. Ele é amigo do meu marido, e cá pra nós, pior que o meu marido tá pra nascer, não existe no mundo! Crispiniano vale por dez, dá trabalho demais. Sem falar da prosa ruim...
- Ué, você também casou com um poeta inédito? A moça foi taxativa: balão apagado.
- Bem pior, minha querida. Meu marido é músico. Já pensou ter que suportar um baterista “invocado” e desempregado? O homem vende tudo da casa, menos a porra da bateria. É o dia todo, às vezes até à noite, batucando naquilo. É o meu calvário.
- Oxente! Eu tava me queixando da vida logo pra você, sendo que o seu caso é bem pior que o meu. Baterista, além de geralmente ser sistemático, é barulhento. Poeta não, tirando a cachaça e arrumando um emprego... Um empreguinho bem leve!
- Pior é minha irmã, que se casou com um ator que tem pra mais de cinquenta anos que fez uma ponta num filme. Seu último trabalho foi no filme “O Tropeiro”, o velho até hoje fala disso! Nem sei se foi concluído. Eu só sei que foi todo rodado aqui em Conquista e que Lulu Barabadá trabalhou nele. Aparece nu montado num cavalo em pelo. Haja cú! Artista passa por cada aperto...
- Elenilda, eu tô aqui morrendo de raiva, querendo me divorciar, você até fome tá passando por causa daquele abestalhado metido a baterista. E você ainda me vem falar de um filme do tempo que a gente era criança... Tenha paciência!
- Ô, amiga. Eu só falei do filme pra você relaxar, é que eu estou sem saber como te dar a notícia...
- Que notícia, mulher. Desembucha!
- É que aquela sua filha que mora em “Sompaulo”, aquela que você falou que ia ficar solteirona, casou semana passada. Hoje que eu fiquei sabendo. Pronto falei!
- Ué, e eu precisava ficar lembrando de um filme pra relaxar por que? Você acabou de me dar uma boa notícia. Casar uma filha aos 40 anos é coisa rara!
- Eu sei, Marizilda. É que o noivo é ator, poeta e baterista de uma banda de garagem. O traste que se casou com sua filha é meu enteado Simplício, lembra dele? Estão vindo passar a lua de mel aqui.
- Aí lascou, Elenilda. Isso é notícia que se dá pra uma mãe na fila do posto de saúde? Cruz credo! Sou sogra de Simplício Marcha Lenta, quando ele morava aqui já tinha esse apelido... Isso é carma! Nos “finalmente” da vida aparece outro poeta pra me pirraçar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário