Tá tudo
titirrane
Nando da Costa
Lima
Renatão nem
quis pegar a catanica (coletivo) pra não sujar a roupa nova, tava parecendo que
ia pra uma festa. Estava trajando o que havia de mais moderno na época (anos
70), até o cabelo ele mandou alisar. Dona Letra caprichou no “ferro quente”,
não ficou um fio enrolado. Renato demorou tanto tempo pra criar coragem e ir
procurar Julinda... Ele queria chegar por cima, um verdadeiro “pão”. Pra quem
não viveu nesse tempo: “pão” era o “gato” de hoje, ou seja, o “pão velho” de
hoje um dia já foi um “gato”.
Renato
conheceu Julinda na roça. Ele era vaqueiro e estava com roupa de trabalho, até
espora tava usando, isso sem falar na subaqueira de quem acabou de tirar leite
duma cacetada de vacas. Talvez tenha sido isso que atiçou a libido dela... Mas na
cabeça dele, ela ia acabar de apaixonar quando visse ele bonito e cheiroso.
Estaria pronto pra passear de mãos dadas pelo Jardim das Borboletas, assistir o
programa Alegria dos Bairros, visitar os presos na cadeia que ficava no prédio
da prefeitura, ir numa matinal do Cine Glória... Coisas simples, comuns aos enamorados
daquela época. Tinha que estar bem vestido pra deixar todo mundo invocado! Por
isso ele encomendou tudo de fora. Sua prima mandou de “Sompaulo”, e ela
caprichou: sapato cavalo de aço, várias calças toureiro boca de sino, muitas
mini blusas, uma pochete e um cinto que a fivela parecia uma bandeja inox.
Renato ficou extasiado quando viu as roupas mandadas pela prima! Ia ficar mais
bonito que Dotô Aloísio Bonito.
Ele era
vaqueiro por obrigação, uma herança de família. Seu pai, seu avô... todo mundo
tangeu gado nessa vida. Era a única coisa que sabia fazer e fazia muito bem.
Mas aquela belezura, apesar de um pouco mais velha que ele, tirou o vaqueiro do
chão. Tinha que vir pra Conquista, já tava de saco cheio de tirar leite todo
dia. Se a terra pelo menos fosse dele! Não ia estragar sua juventude
trabalhando duro, Julinda não ficaria esperando a vida toda. Tava resolvido:
pediu as contas ao patrão e de lá da fazenda já saiu pra Conquista. Tava chic...
Calça toureiro vinho, mini blusa do Fluminense, tamanco e óculos escuros. Fez o
maior sucesso com a mulherada. Já os homens achavam que o sujeito que usasse
uma roupa daquelas sem ser artista só podia estar querendo virar “baitôla”. Mas
nada disso abalou o jovem apaixonado.
Se as
meninas da fazenda acharam que ele tava “lindro”, imagine as da cidade? Mas ele
só tinha olhos pra Julinda Marina, aquela senhora que ele traçou num curral
cheio de lama e bosta de boi. Foi uma “aventura transcendental”, segundo a
hippie velha. Renato não tava nem aí pros vinte e poucos anos que ela tinha a
mais que ele, Julinda era “cabeça”! Falava inglês, mandarim, praticava yoga,
era diretora de cinema e tarada.
Quando
Renatão chegou na casa de Julinda Marina ela quase não o reconheceu. Não tinha
nada do vaqueirão que “pegou” ela na lama do curral. Aquele cheiro de suor que
ela tanto gostava deu lugar ao desodorante e ao perfume usados excessivamente,
tava lascando! Ela acabou de seretar quando Renato, pra dar uma de avançado,
perguntou: “Tá tudo titirrane?” e a pediu em casamento de supetão. Ela só não desmaiou de raiva porque era uma mulher
experiente. Mesmo assim, partiu pra ignorância: “Desinfeta, peão! Nem me lembro
de ter lhe dado”. E assim colocou o pretendente pra fora aos empurrões.
Explicando aos berros pra aquele provinciano que a trepada que eles deram na lama
foi apenas um trabalho de laboratório pro seu próximo filme! Não seria ela que
deixaria a ponte rodoviária Conquista-Salvador por um pé rapado qualquer.
Renato não
estava acostumado com aquelas modernagens. Aquela coroa feminista jogou água no
brinquedo dele. Foi direto pro brega depois da desfeita, encheu o rabo de pinga
no “Lago Azul”, ficou a noite inteira contando sua desventura pras “primas”. Já
voltou pra roça com um discurso pronto, não queria ser objeto de gozação. Foi
por isso que criou aquela história que repetia como se fosse um disco
arranhado: “Em curral que eu trabalho, tiro leite de vaca, amanso burro brabo e
velha assanhada metida a intelectual”. Nem a prof.ª Janoca, que era sua tia,
suportava aquela prosa ruim. Foi não foi, uma feminista metia a mão na cara
dele: “Se assunte, pão velho!”.
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