“AS TRÊS MORTES DE CHE GUEVARA”- (FINAL)
ISOLADO E DESILUDIDO NO
CONGO E NAS SELVAS DA BOLÍVIA
Jeremias Macário
De dezembro de 1964 a março de 65, Che passou
todo tempo fora de Cuba. Esteve em Moscou, Nova York e de lá para Argélia, de
Bem-Bella, onde foi astro na conferência dos povos africanos com um discurso de
rompimento político com a União Soviética, o que significava uma adesão à linha
chinesa. Esteve na Tanzânia e no Egito, de Gamal Abdel Nasser, a quem disse que
iria lutar no Congo e dele recebeu sinal de desaprovação.
Mas, de acordo com Flávio Tavares, autor do
livro, os problemas e incômodos terminaram por fazê-lo sair de Cuba, quase que
às pressas, ou às pressas mesmo.“Ou pelo menos, afoitamente, num gesto
intempestivo ou de irritação pessoal, tão ao estilo argentino”, As
contrariedades e divergências começaram bem antes destes episódios de sumiço.
De volta a Havana, em
10 de março de 1965, do aeroporto saiu rápido para uma reunião de 40 horas
consecutivas com o chefe Fidel Castro. Ainda em Cuba, aproveitou seu amigo argentino
Gustavo Roca para entregar uma carta para sua mãe Célia de laSerna de Guevara
onde revelou as desavenças de cunho político com o comandante e o propósito de
se dedicar ao trabalho voluntário de 30 dias no corte de cana e mais cinco anos
numa fábrica de açúcar.
Em 15 de abril do mesmo ano a mãe escreveu
outra carta achando tudo muito estranho e concluindo que o filho caiu em
desgraça. Além de considerar um desperdício de ideia, reforçou sua posição
contrária. “Creio que, se fazes o que dizes, não serás um bom servidor do
socialismo mundial”. Esta carta não chegou às suas mãos.
O mais intrigante é que na véspera do Dia do
Trabalho, Fidel e sua cúpula foram cortar cana no campo, mas sem o Che. Isto
provocou uma especulação na mídia de que ele fora destituído e estava preso.
Persistiu o mistério do seu paradeiro, e sua mãe morreu de câncer em 19 de maio
de 1965 sem saber onde o filho se encontrava.
NO EGITO E NO CONGO
Sabe-se que no final de
março, com seus homens de confiança, confinou-se num lugar remoto da ilha para
treinamento militar. Em meados de abril chegou disfarçado (travestido de Ramón)
ao Cairo decidido a lutar no Congo e se apresentou, sem sua identificação
verdadeira, ao chefe rebelde Laurent Kabila que morava num hotel de luxo (seu
quartel-general) com todasmordomias de bebidas, carros e mulheres.
A partir dos contatos no Cairo, o Che
percebeu que a guerrilha congolesa era um fiasco. Resumia-se num caos e
desordem onde seu chefe, fiel a Moscou e sem compromisso sério, preferia o
whisky do que a luta, se bem que Kabila chegou ao poder em 1977, 30 anos depois
da morte de Guevara. Do Egito partiu para a Tanzânia (Dar es Salaam) em 20 de
abril com 14 integrantes (só quatro sabiam de sua identidade).
Antes de começar, o “Projeto África” começou
a se desmoronar pela ausência de Kabila e o comportamento dos congoleses
refugiados na Tanzânia, os quais só apresentavam ao governo contas altas de
gastos de bebidas e bordéis.
Mesmo assim, o Che e
seu grupo atravessaram o grande lago Tanganika, Já no Congo, Guevara com suas
agudas crises de asma, falou aos seus 200 homens sobre a região inóspita, os
perigos das doenças como malárias, febre tifoide e as enfermidades venéreas. Pediu
para que todos se igualassem aos nativos, para angariar entrosamento e confiança
da tropa.
Em terras africanas, a experiência do Che e
dos cubanos, todos negros, começou a se chocar com a ineficiência, a
ingenuidade e até a malandragem dos congoleses que pouco se interessavam pela
rebelião. Tinham armamentos soviéticos e chineses sofisticados e de boa
qualidade, mas não sabiam manejá-los, sem contar a falta de disciplina e
organização hierárquica. Os soldados eram assíduos frequentadores dos bordéis
das aldeias; bebiam livremente: e se embebedavam nos acampamentos. Era alto o índice
de doenças venéreas entre eles.
Além das diferenças tribais que dificultavam
uma estratégia de luta, outro problema grave era a bruxaria. Os congoleses acreditavam
no poder insuperável da “Dawa”, uma porção mágica do tipo que fechava o corpo.
Quem recebesse a “Dawa”, garantia os feiticeiros, jamais seria abatido, só que
para acontecer isso o soldado não poderia ter medo em batalha, não se deitar
com mulher e nem tocar em objeto que não lhe pertencia.
O irônico de tudo isso é que quando o cara
morria não havia como comprovar que ele teve medo ou não. O Che se deparou com
um poder superior e muitos se recusavam receber ordens. Para superar estes
entraves, ele resolveu revelar-se quem era, só que o ato resultou no surgimento
de outras problemas. Como era branco, passou a ser visto como um colonizador
opressor e explorador do trabalho. Os chefes dos rebeldes não permitiam que ele
traçasse planos, nem organizasse as caóticas fileiras dos congoleses.
Sobre o presidente da área em poder dos
rebeldes, o Che anotou em seu diário de campo que o cara estava mais apto para
dirigir uma quadrilha de ladrões do que um movimento revolucionário. Nos
acampamentos as bebedeiras provocavam brigas e rixas constantes, inclusive entre
as tribos.
Mesmo assim, ávidos por dinheiro, os
congoleses sempre pediam mais grana ao Che para planos sem sentido, que era
negado. Certa vez passaram por cima dele e obtiveram uma quantia fabulosa de
100 mil dólares diretamente em Havana. Com isso, o comandante ficou irritado e
disse em voz alta que aquilo era um roubo, um crime, queixando-se de que,
enquanto isto, em Cuba, o povo sofria privações e os alimentos eram racionados.
Em determinado ponto, o Che citou em seus
apontamentos que o Exército Popular de Libertação do Congo era um exército
parasita, que não trabalhava, não treinava e não lutava, mas que exigia que a
população o abastecesse e trabalhasse para ele com dureza. Neste quadro de
desordem, com 200 combatentes cubanos, Guevara se desanimou e passava o tempo a
ler e a reler “O Capital”, de Marx.
Lá pelos meados de agosto, Guevara enviou uma
carta ao seu amigo Fidel relatando toda situação e se queixando de não ter sido
atendido em suas solicitações, inclusive dois mecânicos de motores de barco.
Sobre os chefes Kabila e Soumaliot, afirmou não ter ilusões sobre eles, como
sempre ausentes. Confessou que muito lhe doía o assunto dinheiro e reportava
sobre os 100 mil dólares dados aos passantes turistas por Cuba, para viverem
bem em todas as capitais do mundo. “Não podemos libertar sozinhos um país que
não quer lutar”.
Depois de muita ansiedade de espera, Kabila
apareceu em julho de 1965, mas, em pouco tempo partiu e os soldados congoleses
anunciaram que não iam trabalhar porque o chefe se foi. Eles se negavam a
receber ordens dos negros cubanos. Negro estrangeiro não podia mandar – relatou
Dariel Alarcón Ramírez, o Benigno, sobrevivente das guerrilhas de Cuba, Angola,
Congo e da Bolívia ao escritor que o entrevistou em seu exílio em Paris.
Nas conversas com Flávio Tavares, Benigno descreveu
como o domínio do colonizador havia se enraizado no inconsciente do negro
africano fazendo que assimilasse a noção da inferioridade racial, colocando-a
acima do ódio ao invasor branco.
Finalmente, em 18 de novembro
de 1965 vem o comunicado de que todos os oficiais rebeldes estavam se retirando
da luta, não havendo mais espaço par Che (Tátu) e os cubanos. Naquela altura, todos
se sentiram humilhados e derrotados. Mesmo contrariados, tiveram que partir.
Tudo não passava de uma manobra arquitetada por Moscou que queria o Che fora do
seu esquema.
Em 3 de outubro de 1965, em Havana, os
organismos políticos que participaram da Revolução se dissolveram para a
composição do Comitê Central do novo Partido Comunista de Cuba. Com mais uma
ausência do Che na solenidade correm pelo mundo notícias falsas de que eles
estava no Vietnã, num manicômio em Cuba e até no interior da Argentina.
Em discurso de pompa, Fidel lê uma carta
deixada pelo Che antes de ter partido para o Congo. Nela, Guevara presta
obediência a Fidel e até pede desculpas por não ter reconhecido, em certos
momentos, as qualidades do comandante-chefe como condutor revolucionário. Com
aquilo o Che fica mais irritado, decepcionado e desolado. “Parece que Stalin
não morreu, isto é a sombra do culto à personalidade e a violação de um acordo
feito entre amigos”... desabafa o guerrilheiro solitário.
Ao sair do Congo, isolou-se na embaixada
cubana na Tanzânia (Dar esSaalam) e escreveu o livro “Passagens da Guerra Revolucionária
no Congo” que nunca foi publicado. Os originais encontram-se em Havana.
Repetindo palavras de Lenin, dizia que o importante não era tomar o poder, mas
construir uma sociedade diferente. O Che não queria retornar a Cuba e sonhava voltar
à Argentina de armas na mão para fazer uma revolução continental.
DE CUBA PARA A BOLÍVIA
Da Tanzânia ele vai
para Praga, na Tchecoslováquia, onde permaneceu até 30 de julho de 1966. Chegou
a Havana em 2 de agosto, permanecendo até 30 de outubro, quando parte para
Moscou com um passaporte do Uruguai em nome de Francisco Mena, num etapa
inicial da longa viagem para Bolívia. De Moscou passou por Praga, Paris, Rio de
Janeiro, Corumbá, Cochabamba até a Bolívia, na região de Nancahuazú, em 7 de
novembro, data de início do seu diário de guerrilha.
Na Bolívia repete-se o mesmo que aconteceu no Congo.
Agora quem estava sempre ausente era seu contato Mário Monje, do Partido
Comunista da Bolívia, em visita à Bulgária. Sobre a questão, escreveu Benigno
que “El Che ayó em la trampa (armadilha) como um ratoncito al oler (a farejar) El
queso”.
Em 1º de janeiro de 1967 Monje anuncia sua
renúncia à direção do Partido e some, deixando o Che isolado sem contatos. Do
outro lado, Cuba fantasia feitos heroicos na selva, certamente para compensar o
abandono a que relegou a guerrilha – comentou Flávio Tavares em seu livro.
Nos combates, a munição escasseia, o
armamento é velho, não há alimentos e falta água. Comendo qualquer coisa que
encontrava, logo surgem os vômitos, cólicas e diarreias na tropa. Era uma luta
de 10 mil homens contra 20 ou trinta e, mesmo assim, conseguiram vitórias e acarretar
baixas nos inimigos.
Em 24 de junho de 1967 aconteceu a trágica “Matança
de São João” com o fuzilamento de 87 trabalhadores das minas. O general Alfredo
Ovando anunciava que o Che comandava a guerrilha “junto a chefes vietcongs que
derrotaram forças norte-americanas”. Em entrevista, Benigno disse que Cuba
havia abandonado a todos, mas, mesmo assim, Che não gostava que se comentasse o
fato.
-Fidel atuava como um estrategista sem
escrúpulos, capaz de tudo e de todas as maldades para alcançar seus objetivos –
respondeu Benigno em entrevista ao escritor do livro. Em 8 de setembro, ao
saber das críticas a ele num jornal de Budapeste, o Che afirmou, em tom de
raiva, que gostaria de chegar ao poder só para desmascarar covardes e lacaios
de toda a ralée esfregar nos seus focinhos as suas porcarias.
Em 8 de outubro de 1967 ele morrera pela
terceira vez (executado no dia seguinte), tal qual em Cuba e no Congo, logo ele
que muito tempo antes, na Nicarágua, do tirano Anastácio Somoza, falou na
televisão que Cuba não exportaria revoluções e que o povo de cada país teria de
por si mesmo, fazer sua própria revolução.
Em março de 1968, depois de longa fuga da
Bolívia, o guerrilheiro Benigno chega a Havana e é recebido pelo Fidel no
aeroporto. Em seu livro apontou que após o regresso via-se claramente a
rejeição oficial a tudo o que tivesse a ver com o Che. O livro de Régis Debray
“Revolucion em la Revolución”? já não se encontrava nas livrarias cubanas. Fidel
e Manuel Piñeiro, o barba vermelha, tinham nas mãos todo aparelho de segurança
e espionagem.
Como sobrevivente, Benigno testemunhou depois
que eles, os guerrilheiros perdidos nas selvas, não receberam socorro e mais ainda
que o Mário Monje foi morar em Moscou. “Não há dúvida, ele pôs todo plano da
guerrilha em mãos dos russos, que pressionaram Fidel, o qual, por sua vez,
mandou retirar as pessoas que Cuba mantinha na Bolívia”.
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