O Cervidae
Nando da Costa Lima
Seu Nelival
tava num dia de poucos amigos. Seu poema, que segundo ele era uma “ode à
natureza”, foi desclassificado da final do Festival. Ele só não falou que foi
censurado novamente porque, como esta prática foi banida do nosso país, ficava
chato afirmar que estava sendo vítima desse crime. Mas nós que estamos de fora
temos que analisar olhando não só os poemas, como também devemos ver o lado dos
organizadores do evento. Pra ser politicamente correto num país incorreto como
o Brasil, é difícil, muito difícil! Esse tipo de argumento também é
muito vago. Daí quem cria deve ser o seu próprio censor. Basta ter bom senso! Foi
baseado nesse argumento que a organização do Festival de Poesia fez a sua
defesa, já que sabendo que Nelival, que além de poeta era militar, ia se achar
perseguido.
E foi na Câmara de Vereadores que se deu a discussão! Os prós e os
contras lotaram o lugar, o povo só vai lá quando sabe que algum canal de TV
está gravando. Mas como o tema era polêmico e havia chamado a atenção do país
para o festival (o que já foi bom para os organizadores), tava todo mundo lá.
Primeiro falou o advogado do secretário de cultura: “Eu não estou aqui para
discutir um problema de censura prévia, isto não aconteceu. O acusador foi
desclassificado apenas porque seu poema era bem inferior aos que foram pra
final”.
Nelival ficou retado com essa afirmativa, aquilo mexeu com sua cabeça.
Segundo ele, um poema é como um filho! E este “louvor” à natureza era um
presente que ele tinha dado pra humanidade. Ele escreveu elogiando um animal
que é quase um símbolo do nosso país continental. O veado é encontrado em todas
as regiões do Brasil. Ele só estava querendo alertar para a caça predatória que
põe tantas espécies em extinção, já sumiu quase tudo que merece proteção. Ele,
como naturalista, só desejava despertar a consciência das pessoas para
protegerem o meio-ambiente. Pra evitar dúvidas, decidiu ler o poema e deixar a
critério dos vereadores o julgamento. Meteu a mão no bolso e tirou um
manuscrito do poema tão polêmico. E fazendo cara de “poeta triste”, começou a
narrativa:
Das matas...
Na natureza os veados
só sofrem perseguição.
Quando não são os caçadores,
é a tal da evolução
O veado americano
é bem maior que os nosso.
Em qualquer lugar de lá
só se encontra veadão.
Já aqui tem veadinho,
veado médio e veadão.
Depende da região!
tem até veado anão.
No veado caatingueiro
o tamanho é reduzido
pela alimentação.
Já o veado mateiro
é maior do que o catingueiro,
mas perde pros do estrangeiro.
O veado se acostuma
a qualquer região,
por isso tem quem aposte
que nunca haverá extinção.
Pra proteger os veados
o IBAMA necessita
da sua compreensão.
Pare de comer veado!
Se quer carne, coma gado
dum açougue registrado
pra evitar complicação.
Como o bicho é silvestre,
se criado em cativeiro,
perde sua habilidade
de se defender dos homens
usando a vegetação.
Eles usam o habitat
como se fossem espiões.
Sua cor é um disfarce
pra enganar os caçadores
e se esconder do progresso
ou qualquer perseguição.
Nosso mundo tem veado,
veadinho e veadão.
Depois de
ouvir a defesa fervorosa de Nelival, o presidente da câmara, emocionadíssimo,
aproveitou e lançou uma campanha única no país, um exemplo para todos que amam
a natureza. Usou até um verso do poema pra encabeçar a iniciativa: “Pare de comer
veado. A natureza agradece”. A campanha não alcançou o objetivo, mas criou uma
polêmica tão grande que o vereador já está pensando como um futuro deputado.
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