DOS SUMÉRIOS A BABEL (III)
A EPOPEIA DE GUILGAMECH (II)
Jeremias Macário
Para historiadores, arqueólogos e pesquisadores, a lenda passada na antiga Mesopotâmia (maior parte do Iraque), bombardeada na atualidade pela estupidez humana por várias nações, que fala do rei em parte divino e humano Guilgamech (Gilgamés), é uma das mais lindas e ricas da humanidade, mas pouco comentada pela literatura.
Na Mesopotâmia antiga, a história era contada
nas estradas durante as caravanas tribais, no trabalho do dia a dia erguendo templos
e construções, bebendo nas tabernas e nas casas à noite em rodas de amigos.
Então vamos para a segunda parte da epopeia, conforme as inscrições das doze
tabuinhas de argila encontradas pelos arqueólogos.
Depois de entrar triunfalmente em Uruk coma a
cabeça de Khumbaba, o rei se limpa, veste novas roupas e põe a coroa em sua
cabeça. Vendo todo aquele esplendor, a deusa Ichtar se arde de desejo e se
oferece para ser sua amante, prometendo riquezas e poder sem limites, mas
Gilgamés a recusa.
“Desprezo o teu corpo
cheio de fascínio, recuso o teu pão(...); as tuas artes são quentes, mas o teu
coração é gelado. Onde está o amante que amarias para sempre? Ao teu jovem
amante Tamuzu (Dumuzi), deus da Primavera, só reservaste o pranto, ano após
ano; depois, arranjastes um jovem pastor, quebraste-lhe as asas e agora ele
vaga em lágrimas pelos bosques (...). Passaste a outro pastor e, com o bastão,
fizeste um lobo. Hoje, os outros pastores o ameaçam e seus próprios cães o
mordem”.
E assim o rei vai narrando as maldades
praticadas pela deusa contra quem ficava com ela e até quem se recusava, como
num animal da lama. “Queres meu amor para reservar-me o mesmo tratamento” –
respondeu Gilgamés.
Ichtar ficou furiosa e
saiu pelos céus a pedir vingança ao deus Anu pelo ultraje de que foi vítima. A
deusa pede que ele crie um enorme touro para aterrorizar o rei e, se não for
atendida ameaça golpear o deus com terrores e assombros. Para tanto, descerá
aos infernos, abrirá todas suas portas, até que todos os demônios e mortos
saiam e venham à terra. Anu, então, advertiu que este tipo de vingança acarretaria
sete anos de carestia e pergunta se há trigo suficiente nos celeiros, no que a
deusa garante que sim.
Sem saída, Anu faz surgir da montanha dos
deuses um touro imenso e envia a Uruk onde devasta os campos e arrasta centenas
de homens. Gilgamés e seu amigo Enquidu enfrentam ferozmente o touro e enfiam
uma espada no seu peito. Os dois se congratulam por terem dado nova glória aos
seus nomes, agora que matamos o touro. Depois se prostram perante o deus sol
Chamach. Irada, Ichtar lança as piores maldições contra o rei, Seu amigo irmão
Enquidu arranca uma coxa do touro e lança ao rosto da deusa. Depois lavam suas
armas no Eufrates, festejando a luta e a vitória.
Na sétima tábua Enquidu conta ao seu
amigo-irmão um terrível sonho que teve: Uma águia depois de tê-lo agarrado o
leva para o ponto mais alto e ao fim quando a terra parecia pequena como uma
papa de farinha e o oceano uma vasilha, a ave o deixa cair. Fiquei jazendo na
terra com os ossos quebrados. Gilgamés advinha o presságio: Um espírito te
aferrará com suas garras; os deuses decidiram causar uma desgraça e conforta o
amigo por vários dias.
A saúde de Enquidu se
agrava e perde suas forças e voz. Gilgamés chora pelo irmão que era forte como
leão e amado pelas belas mulheres de Uruk. Lembra os grandes feitos dos dois
juntos e lamenta os malefícios vingativos dos deuses devido a ofensa cometida
contra Ichtar. Enquidu exala o último suspiro e seu amigo se dilacera em dor.
Urrou como leão atingido por flechas, arrancou os cabelos, rasgou as vestes e
envergou sua túnica de luto. Por seis dias e seis noites lamenta a morte do
amigo, e no sétimo o sepulta.
Após o funeral, vaga perdido pelos campos. Um
caçador vendo seu horrível aspecto lhe enaltece por ter matado o guarda da
floresta dos cedros, o monstro Khumbaba, os leões dos montes, o touro e agora
se mostra pálido. Por que há tristeza em vosso semblante e seu coração está
cheio de lamentos? Gilgamés conta, então, o acontecido com seu amigo que foi
golpeado pelo destino de todo homem. Como posso calar minha dor, se meu amigo
tornou-se pó e argila? Deverei eu também jazer como ele por toda eternidade.
PELA BUSCA DA
IMORTALIDADE
A partir dai, inicia-se o poema do herói
lastimoso na desesperada busca da imortalidade. Seu pranto continua pela morte
do amigo. A ideia da morte não o deixa em paz. Decide, então, encontrar o
grande Utinapistin na procura de uma resposta sobre a vida eterna.Resolve fazer
uma longa jornada e, depois de dias, se depara na alta montanha chamada Machu,
composta de dois altos picos que sustentam o céu. Entre os dois picos se abre a
porta através da qual sai o sol. A porta é vigiada por dois gigantes meio
homens e meio escorpiões.
Um deles o interroga sobre seu triste aspecto
e o que pretende em sua longa viagem. Gilgamés responde que quer se encontrar
com Utinapistin, seu antepassado que entrou para a assembleia dos deuses. Quero
interrogá-lo sobre o destino e sobre a vida. O vigia o adverte que o sendeiro
que passa por entre as montanhas não pode ser percorrido pelos pés dos mortais
e descreve sobre a obscura garganta, que o sol atravessa quando ilumina os
países e para onde retorna quando volta da sua viagem noturna pelo oceano do céu.
Conta que atrás da
montanha se encontra o mar que circunda os países da terra e destaca que não
pode percorrer o caminho do sol porque este conduz ao reino dos deuses.
Utinapistin também habita lá, perto da desembocadura da corrente, além das
águas da Morte e não há barco que possa levar-te à outra margem. O corajoso rei
não se dá por vencido, e o gigante lhe abre passagem dizendo que irá percorrer
uma garganta horrível que dura dez horas duplas. Gilgamés adentra pelo caminho
do sol.
Relatam as inscrições que as trevas eram
profundas e o rei não conseguia distinguir o que estava atrás de si, nem o que
estava à sua frente. Depois de dez horas duplas, eis que aparece um clarão na
garganta que se abre. Diante dele surgem os esplêndidos jardins dos deuses,
frutos de rubi, magníficos cachos de uva e o herói ergue seus braços ao sol. O
caminho foi fatigante e ele teve que matar animais da floresta para se
alimentar e cobrir seu corpo com as peles.
Pediu ao Sol que lhe
guiasse ao barqueiro para lhe levar a salvo além do oceano e das águas da
morte, a fim de que eu possa informar-me sobre a vida. O deus Sol o admoesta:
Para onde corres, ó Gilgamés? Jamais encontrarás a vida que procuras, mas o
herói não desiste, o suplica. Chamach recomenda procurar Siduri-Sabitu, a
senhora da montanha celeste, sentada no trono do jardim dos deuses, que protege
a árvore da vida. Só ela poderá indicar o caminho para Utinapistin. O rei vai
ao encontro da sábia senhora a fim de completar sua jornada.
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