sábado, 12 de agosto de 2017

COLUNISTA VIP:

Ibicuí-BA

Nando da Costa Lima

Foi numa tarde de 1947 que ele ali chegou, um lugar pequeno, carente de muitas coisas, como todo lugarejo mais distante da capital. Chegava como um presente para a região. Um médico naquela época era sinal de progresso e motivo de alegria para toda a população. Um povo simpaticamente diferente, cujo cotidiano era infestado de acontecimentos interessantes. Um lugar onde todos se conheciam e cultivavam a amizade com mais intensidade. Pessoas que por saberem do quase isolamento com o mundo exterior apegavam-se como irmãos de sangue, uma união que nem o tempo conseguia apagar. Lá nasceram quase todos os seus filhos, e talvez tenha sido ali sua verdadeira faculdade, cujas matérias amizade e respeito ficaram em nossa memória como a única forma de viver bem. Como homem e como médico, deixou-se envolver pela simplicidade dos que dele necessitavam, tornou-se um deles. Olhava-os de frente, nem por cima, nem por baixo. Uma vida compensadora, mas difícil, pois praticar medicina no interior há anos atrás exigia mais da boa vontade do homem do que da técnica de médico. A vida passava, um parto aqui, uma cirurgia ali, e na maioria das vezes essas visitas médicas eram feitas em lugares onde só se tinha acesso montado em lombo de burro, consultas que nunca foram deixadas de lado por comodismo, daí tantos amigos firmes. Homens rudes, filhos legítimos da terra cujo maior orgulho era a honestidade. Uma gente de sorriso difícil, mas de amizade sincera, um povo que sabia agradar e entendia que o respeito é algo que só se adquire através do bem.
Dessa cidade, até hoje escuto casos que me dão vontade de voltar no tempo só pra presenciá-los, como a história dos apostadores que toda manhã se reuniam na praça. Eles apostavam em tudo o que passasse na frente. Apostavam peso, altura, etc., e só sossegavam depois de saber quem foi o ganhador. Isso já fazia parte do dia a dia da cidade. Como nessas coisas sempre aparece um mais esperto, com eles não podia ser diferente. Teve um cidadão que passou um ano vivendo das apostas, tudo que eles apostavam o homem acertava até as gramas. Já tava todo mundo achando que ele era um gênio dos cálculos. Mas como todo mal feito é descoberto, um dia flagraram o rei do cálculo pesando e medindo duas leitoas em plena madrugada, aí ficou fácil descobrir tanta precisão nos cálculos: era só medir e pesar à noite, e mandar os moleques tanger os bichos pela manhã para o ponto das apostas.

Teve também o caso do lobisomem: os rapazes da cidade (hoje talvez todos já tenham partido), provavelmente pela falta do que fazer, cismaram que tinham de prender um lobisomem que há muito tempo aparecia pela redondeza. Tentaram pegar o bicho umas dez vezes, nunca tinham sucesso, e nem podiam: só andavam bêbados. Mas teve um dia que mesmo bêbados eles conseguiram. Quebraram de pau o bicho, deram um banho de sal grosso e amarraram na praça para que todo mundo pudesse ver. No outro dia, o pobre do suspeito amanheceu amarrado e todo inchado de pancada, ficou o dia todo exposto na praça. O coitado do velho passou o resto da vida tentando provar que não era lobisomem coisa nenhuma, aquilo foi apenas um erro da turma de cachaceiros. Morreu 20 anos depois do ocorrido, e nem a morte apagou a marca de lobisomem oficial da cidade.
Ibicuí hoje é conhecida pelos festejos juninos, um dos melhores do País. Talvez tenha perdido um pouco da ingenuidade de 70 anos atrás. Os meios de comunicação transformam os lugares, mas creio que a espirituosidade do seu povo é a mesma dos tempos de juventude do meu pai.

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