sexta-feira, 4 de agosto de 2017

COLUNISTA VIP:



Era um rapaz de quarenta e tantos anos
Nando da Costa Lima
        
Médici ainda era presidente... Estamos na pensão de Dona Gumercinda, que era madrinha de Teodomiro. Este aproveitava o parentesco pra morar de graça em Salvador sendo mais bem tratado do que os hóspedes que pagavam... Isto é, agora nem tanto. É que o dito afilhado, há cinco anos e meio, passou no vestibular de direito. Quando estava cursando o 1º período na Universidade Federal da Bahia, era tratado como um príncipe, mas já tinha dado o tempo de ter virado advogado e ele continuava lá, um eterno universitário revoltado com o sistema e sustentado pela madrinha que agora já andava pegando no pé, achando erro em tudo que o folgado do afilhado fazia. Mas não era pra menos: cinco anos e meio e nada de diploma, todo hóspede já ficava sabendo que aquele cabeludo com jeito de hippie era o preguiçoso do afilhado da dona da pensão que fazia direito há quase dez anos... Frase grande pra quando se quer falar que o cidadão era um zero à esquerda! Mas ele já estava acostumado a ser olhado assim naquele “universozinho pequeno burguês” da pensão.
 Já lá fora... ele era o cara, tinha até comido aquela hippie que vendeu uma pulseira pra Janis Joplin em Arembepe, não era todo mundo que ia ali! Tinha que ser “cabeça”. Edmara “Joplin” assumiu o sobrenome da “amiga”, dava mais charme, a rapaziada encostava pra saber “Por que Joplin?”. Aí ela caía matando. Ela era o máximo, só dava em inglês: “Fóque-me, mailove. Ai laique ferro, gudi, gudi. Ok, Ok. Not para. Ai loviiúúúú”. Teodomiro estava no meio de uma dessas paixões, e se achando o dono do pedaço. Chegava mais de duas da madrugada pra entrar na pensão sem chamar a atenção de ninguém, principalmente da dinda, que passara de fada madrinha a madrasta má. Grudava no seu pé dia e noite, aquele estrupício já devia ter voltado pra casa dos pais em Conquista, mas não, só ia visitar a família uma vez ou outra, até as férias ele passava na pensão.  Ia deixar Salvador nas férias? Tá doido?!
Teve um dia que a madrinha arranjou um plano que não podia falhar... É que quando ele entrou no banheiro, tirou a tiracolo de couro, pendurou no lugar da toalha, sentou no vaso e acendeu um baseado pra relaxar, sua dinda bateu na porta e aí rolou a conversa que tirou ele de campo. Acabou se picando naquela noite mesmo:
- Teodomiro, é você que tá aí? Chegou na surdina? Deus não me deu filho, o capeta mandou um afilhado.
- Sou eu, madrinha. É que hoje teve uma reunião da UNE e eu perdi a hora batendo papo com os colegas.
- Esses colegas estão no mesmo ritmo que você?
- Que ritmo, Dinda? Não tô sacando.
- O de ficar cinco anos no primeiro período?
- Já vai começar? A senhora tá por fora, na faculdade eu sou conhecido por ser um político ativo, totalmente contra a ditadura. Entende? PO-LÍ-TI-CA!!!
- Teodomiro, que cheiro é esse? Tá parecendo o cheiro dos “praboi” do porto da Barra...
- É incenso, madrinha, eu agora tô numa de transcender, sacou?
- Ué, cê agora tá fumando incenso? E não adianta ficar fingindo que tá peidando com a boca que eu sei que você tá é fumando porcaria! E eu fiquei acordada até agora pra lhe falar que a partir de hoje o Cabo Mirandinha, o terror dos maconheiros do Campo Grande, vai dividir o quarto com você. Cê toma cuidado com seu incenso e sua política, o cabo é muito curioso.
- Ô dinda, essa agora foi a gota d’água! Eu nem quero mais entrar naquele quarto, pega minha mala e deixa na sala, e não esquece da minha jaqueta Lee e do meu pôster de Che Guevara. De lá mesmo eu puxo o carro pra terra do frio, lá que é meu lugar. Terra de intelectual, lá eu sou considerado. Todo mundo sabe que Conquista é terra de gente cabeça. Um cara que já pensou em ser candidato a presidente da UNE-BA, ter que dividir quarto com um repressor? Essa coroa tá viajando, não dá nem pra contar pra quem perguntar, o jeito vai ser falar que voltei por causa da perseguição política.
            E assim dona Gumercinda se livrou daquele pacote inconveniente. Valeu a pena bancar dois meses de pensão pro cabo Mirandinha “Coisa Ruim”... Teodomiro voltou pra Conquista, onde viveu o resto da vida como o eterno universitário perseguido pela ditadura. Morreu jovem, um adolescente de 47 anos que não quis deixar o sonho acabar...                                                                                              

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