O LOBISOMEM DE IBICUÍ
Nando da
Costa Lima
Niton “Orora” tinha acabado de chegar na rua da Palha, era
meia noite mais ou menos... Quando virou o primeiro copo da legítima Jurubeba
Leão do Norte pra ajudar na digestão, foi interrompido pelos gritos de Neuza
que entrou no boteco transtornada, precisou beber uma meiota de pinga pra tomar
fôlego e conseguir contar o que aconteceu, mesmo assim tremia mais do que vara
verde quando descreveu em detalhes o bicho que tentou agarrá-la. Dona Noca
chegou a suspeitar de um deputado, ele andou construindo muita casa de farinha
na região, e todo mundo sabe que casa de farinha é o lugar preferido dos
Lobisomens. Foram várias opiniões como esta, mas Orora, que era entendido no
assunto de assombração, não teve dúvida: era o mesmo lobisomem que comeu uma italiana
e um alemão atrás do muro do cemitério no São João passado! O político não
tinha nada com o caso... Depois da dedução do expert Nilton Orora, a mulherada
entrou em pânico, ali elas não ficariam com aquele monstro podendo atacar a
qualquer hora. Dona Noca, que era responsável pela maioria das “moças”, decidiu
que deveriam sair de Ibicuí até o bicho desaparecer, iriam passar uns dias em
Poções. Linho Bahia e Nilton Orora contestaram antes da velha acabar de falar,
imploraram de todas as formas para que Dona Noca desistisse da viagem, eles
sabiam que se isto acontecesse a rapaziada de Poções não iria deixar as meninas
voltarem tão cedo. Logo em junho, véspera de São João.
Mas a velha estava irredutível... Linho Bahia depois de muito matutar sentiu
que o único meio de tirar aquela ideia da cabeça da velha seria prometendo que
no máximo em três dias eles dariam um jeito nesse tal lobisomem. E assim foi
feito!.. Dona Noca, mesmo desconfiada, resolveu dar uma chance aos caçadores de
assombração. Nessa mesma noite os rapazes, depois de beberem um boteco inteiro,
resolveram dar início à caçada sobrenatural. Até a corda molhada com água benta
pra imobilizar o bicho já estava pronta. O plano era esperar o danado na casa
de farinha que ficava perto da fazenda de Seu Bebé, muita gente já tinha visto
o bicho lambendo as raspas de mandioca numa noite de lua cheia. “Orora” ficou
atrás do portão da entrada da casa de farinha e Bahia rodeou pelo lado da
cerca. A arapuca estava armada! Nesse exato momento seu Popô, que sofria de uma
insônia terrível, resolveu esticar as pernas lá pros lados da casa de farinha.
Colocou o conjunto (capote, chapéu e botas) feito de encomenda por Tutú Panelinha,
com o couro do mesmo bode marrom e partiu pro passeio noturno, era a única
coisa que aliviava o mau humor causado pela falta de sono.
Não deu outra,
quando o velho ia atravessando o portão da casa de farinha, “Orora” pulou por
cima com a corda benta e Bahia já chegou enchendo o lobisomem de chutes e
porrada. Depois do bicho amaciado, eles amarraram e seguiram pra praça da
feira. Ali eles amarraram o bicho e foram pra casa descansar, não se aguentavam
em pé, a empreitada foi dura... O velho de tão nervoso não conseguia falar
nada, só saía um ruído parecido com um rosnado, o homem chegava a espumar de
raiva tentando se livrar da maldita corda. Isto aumentou ainda mais a certeza
dos biriteiros, não restava dúvida de que tinham capturado um lobisomem! Foram
dormir com a alma lavada... Era só esperar clarear para curtir a glória de ter
livrado a cidade, e principalmente as meninas da Palha, daquele inconveniente
de outro mundo.
Foi a professora
Idalice e seu afilhado Zé que desamarram seu Popô no outro dia, o velho estava
todo arrebentado e cercado de curiosos quando foi libertado, mesmo assim deu
pra contar o ocorrido pra professora. Ela acreditou de primeira, sabia que
aqueles cachaceiros confundiam qualquer cosia depois do meio dia. Mas Zé e o resto
da cidade não se convenceu, pra eles seu Popô era mesmo um lobisomem, a
professora é que o desamarrou quando ele já tinha se transformado em gente.
Desse trágico dia em diante, pra infelicidade de seu Popô, Ibicuí ganhou um
lobisomem oficial. E até hoje tem ibicuiense que aposta na veracidade do bicho.
Tem gente que jura que em todo São João o lobisomem come pelo menos um turista,
a imprensa é que abafa pra não prejudicar a melhor festa junina da Bahia.
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