Tribunais de Contas, os permissivos fiscais expostos pela Lava-Jato
Oito em dez dos responsáveis por fiscalizar no Brasil têm elo com políticos, diz Transparência Brasil. No último ano, pelo menos 13 conselheiros foram afastados por suspeitas de corrupção
ALICE MACIEL (PÚBLICA) - lexandre
Bossi encontrou na lei a possibilidade de fazer diferente: ocupar uma
vaga de juiz de contas sendo um representante da sociedade civil. TAMÁS BODOLAY AGÊNCIA PÚBLICA
“As
minhas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado.” Essa
frase está na ponta da língua dos políticos investigados na Operação Lava Jato por fraudar licitações e superfaturar obras. E o argumento não é falso. Os ex-governadores Aécio Neves (PSDB),
de Minas Gerais, Sérgio Cabral (MDB), do Rio de Janeiro, e Beto Richa
(PSDB), do Paraná – investigados por suspeita de terem favorecido
empresas em licitações –, tiveram as contas aprovadas nos tribunais de
contas de seus estados, colocando em xeque a credibilidade dos órgãos de
controle como mecanismo para coibir esquemas de corrupção.
O
problema é que, entre os julgadores das suas movimentações financeiras,
estavam aliados políticos. A ONG Transparência Brasil revelou, em estudo publicado
no ano passado, que oito em cada dez conselheiros de contas do país
exerceram mandatos eletivos ou altas funções em governos. A pesquisa,
realizada em 2014 e atualizada em 2016, incluiu membros do Tribunal de
Contas da União (TCU), dos 27 tribunais de contas dos estados e do
Distrito Federal, e dos tribunais municipais. Existem quatro tribunais
de contas do conjunto de municípios dos estados de Pará, Goiás, Ceará e
Bahia, e Tribunais Municipais de contas nas cidades de São Paulo e Rio
de Janeiro.
O
levantamento mostra que 23% dos 233 conselheiros e ministros respondem a
processos ou já foram punidos na Justiça e até mesmo nos próprios
tribunais de contas. Os supostos guardiões do dinheiro público são
acusados de fraudar licitações, superfaturar obras e enriquecer
ilicitamente. A mais comum acusação que recai sobre eles: improbidade
administrativa.
Embora
não tenha havido nenhuma investigação específica sobre elas, a Operação
Lava Jato escancarou a participação dos integrantes dessas cortes
estaduais, municipais e federal nos esquemas de desvio de dinheiro. No
Rio de Janeiro, cinco conselheiros do TCE estão afastados, suspeitos de cobrar propina para fazer “vista grossa” de contratos do governo com empreiteiras.
Até
fevereiro deste ano, o ex-ministro das cidades do governo de Dilma
Rousseff Mário Negromonte (PP-BA) ocupava uma cadeira no conselho do
Tribunal de Contas dos Municípios do Estado Bahia (TCM). Ele foi acusado
de pedir propina de R$ 25 milhões para beneficiar empresas do setor de
rastreamento de veículos quando era ministro. Indicado pelo
ex-governador Jaques Wagner (PT-BA), em 2014, o conselheiro foi afastado
depois que virou réu por corrupção passiva. O senador Agripino Maia
(DEM-RN) teria influenciado a mudança de parecer do TCE do Rio Grande do
Norte, favorecendo a OAS na construção do estádio Arena das Dunas para a
Copa do Mundo de 2014, de acordo com denúncia da Procuradoria-Geral da
República, acatada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A operação
atingiu também a cúpula do TCU. O filho do ministro Aroldo Cedraz
(ex-deputado federal da Bahia pelo PFL, hoje DEM), o advogado Tiago
Cedraz, passou a ser investigado em 2015 depois de o dono da empreiteira
UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, ter dito que o contratou para obter
dados de difícil acesso na corte e para comprar uma decisão referente à
usina nuclear Angra 3. Procurados pela reportagem da Pública, todos
negam as acusações. (Leia o que dizem os citados)
Tudo dominado
Os
tribunais de contas estaduais possuem sete conselheiros. Quatro são
escolhidos pelo voto dos deputados; um, livremente pelo governador; e os
outros dois, também pelo governador, mas têm de ser auditores e
procuradores do Ministério Público de Contas.
Procurador
do Ministério Público junto ao TCU e presidente da Associação Nacional
do Ministério Público de Contas (Ampcon), Júlio Marcelo de Oliveira –
conhecido por ser o autor da representação que levou à reprovação das contas de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por fraude fiscal –,
alerta que, quanto mais tempo o mesmo grupo político permanece no poder
de um estado, mais influência ele tem no tribunal de contas.
É
o caso, por exemplo, de Minas Gerais. O PSDB permaneceu no governo por
12 anos, de janeiro de 2003 a janeiro de 2015. Todos os membros do órgão
mineiro são ligados aos ex-governadores tucanos Aécio Neves e Antonio
Anastasia: os ex-deputados Mauri Torres (PSDB), José Alves Viana (DEM),
Wanderley Ávila (PSDB) e Sebastião Helvécio (PDT) foram indicados pela
Assembleia Legislativa. Já os dois cargos técnicos, ocupados por Cláudio
Terrão e Gilberto Pinto Dinis, foram nomeação de Anastasia.
Cidade administrativa cai na mira da Operação Lava Jato. GUSTAVO BAXTER AGÊNCIA PÚBLICA
O
levantamento da ONG Transparência Brasil que avaliou a vida pregressa
de todos os membros das cortes dos tribunais de contas na ativa em 2016
traz a informação de que, no grupo de conselheiros que jamais ocuparam
cargo eletivo nem foram secretários de governo, 6% respondem a processo
na Justiça. Já entre os conselheiros que são políticos profissionais, a
porcentagem sobe para 27%.
Políticos
que perderam o mandato, que estão achando difícil se reeleger, ou que
querem aumentar o poder político da família, sendo substituídos na
Assembleia pelo filho ou mulher, por exemplo, cobiçam as vagas de
conselheiros de contas. Ali, recebem diversos benefícios, como foro
privilegiado, cargo vitalício, salários altos – o salário-base é de R$
30.471 –, além de gratificações e outras vantagens.
Juntos,
os tribunais de contas custam mais de R$ 10 bilhões aos cofres
públicos, de acordo com o procurador Júlio Marcelo de Oliveira. Os
cargos de conselheiros são equivalentes aos dos desembargadores, e os
ministros do TCU são equiparados pela Constituição Federal aos ministros
do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Os membros dos órgãos de controle
estão regidos pela Lei Orgânica da Magistratura. No entanto, ninguém os
fiscaliza. “Os tribunais de contas não têm controle nenhum. Ninguém
fiscaliza esses órgãos”, ressaltou Oliveira.
Em
abril deste ano, vagou uma cadeira na corte de Minas, com a morte da
conselheira Adriene Andrade, mulher do ex-senador Clésio Andrade (MDB).
Ela preenchia a vaga de indicação livre do governador. Será a vez agora
do atual gestor do estado, Fernando Pimentel (PT), indicar um nome. O
líder do governo no Legislativo, deputado estadual Durval Ângelo, é o
mais cotado a assumir o conselho, perpetuando a prática de aliados
políticos fiscalizarem a prestação de contas de governadores.
Com
interesses políticos predominando sobre interesses públicos, não faltam
escândalos no currículo do TCE de Minas Gerais. Em 2002, o então
presidente do órgão, José Ferraz, já falecido, foi apontado pelo
Ministério Público do estado como um dos envolvidos em um incêndio
criminoso que destruiu provas de investigações fiscais. Em 2008, três
conselheiros, incluindo o presidente, foram indiciados por suspeita de
envolvimento com uma organização criminosa acusada de ter desviado R$
200 milhões em verbas do Fundo de Participação dos Municípios. O esquema
foi revelado na Operação Pasárgada, que teve como alvo também membros
da corte do Rio. Em 2015, o jornal Estado de Minas revelou que os conselheiros receberam, em dezembro de 2014, salários que ultrapassavam R$ 150 mil mensais.
O
Ministério Público chegou a questionar na Justiça, em 2006, a indicação
de Adriene Andrade ao conselho da corte de contas, com o argumento de
que ela não possuía os requisitos para preencher a vaga. Ela era ré em
processos sob a acusação de fraudar licitações e respondia a ações
cíveis e inquéritos policiais por supostas irregularidades
administrativas quando foi prefeita de Três Pontas, de 2001 a 2004. (Veja o que dizem os mencionados na reportagem)
Sociedade civil fica de fora do TCE
Para
ser conselheiro do TCE de Minas, de acordo com artigo 78 da
Constituição mineira, que foi inspirada na brasileira – na qual há os
critérios destinados aos ministros do TCU –, é preciso ter “mais de
trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; possuir
idoneidade moral e reputação ilibada; notórios conhecimentos jurídicos,
contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública; e ter
mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade
profissional que exijam os conhecimentos mencionados no inciso
anterior”.
Doutor
em contabilidade e finanças públicas, com mais de dez anos de serviço
público, sendo quatro no TCE, o contador Alexandre Bossi encontrou na
lei a possibilidade de fazer diferente: ocupar uma vaga de juiz de
contas sendo um representante da sociedade civil. O desejo surgiu depois
que ele trabalhou como auditor no tribunal mineiro. “Eu me sentia muito
incomodado. Como auditor concursado, como técnico, você levanta várias
coisas, faz inspeção na rua, visita municípios, faz um trabalho técnico
de qualidade, com levantamento de irregularidades, de má gestão. Quando
chega para votação política, no plenário, muitas vezes aquilo que a
gente pesquisava, pegando o que a lei estipula em termos de punição, era
deixado de lado. Achávamos, por exemplo, alguma irregularidade muito
grande em uma estatal, aí, ao invés de aplicar multa, aplicava ressalva.
Ou seja, não funcionava”, lembrou Bossi.
Em
2000, com a morte de um conselheiro indicado pela Assembleia, Bossi
decidiu candidatar-se. O percurso, descobriu, não era tão simples como
parecia. De acordo com o regimento interno do Legislativo mineiro, para
entrar na disputa por uma vaga na corte de contas, é preciso ter o apoio
de 20% dos deputados estaduais. “É feito para a sociedade não
participar. É publicado no rodapé do Diário Oficial e, quando abre a
vaga, só tem dez dias para fazer o registro”, avaliou.
Consultor
do Legislativo desde 1993, ele tinha proximidade com os parlamentares e
bateu na porta dos 77 gabinetes para conseguir os 16 votos necessários.
Cada deputado pode apoiar até dois candidatos. “Os deputados falavam
comigo: ‘Você tá doido? Já tenho compromisso com meu colega aqui, do
partido tal’. Eu respondia: “Ô deputado, não diga isso. Diga que tem
compromisso porque acredita que ele vai ser um bom fiscal, um bom
auditor, mas não porque é seu amigo de partido”, lembrou. Bossi
conseguiu o apoio e foi o primeiro representante da sociedade civil a
disputar o cargo no país. Ele concorreu naquele ano com cinco deputados.
Na
votação do plenário, Bossi precisaria de 39 votos, mas teve apenas um.
Depois que experimentou a eleição pela primeira vez, o servidor público
conseguiu entrar na disputa todas as outras cinco vezes em que vagaram
cadeiras da Assembleia, em 2004, 2005, 2009, 2011 e 2012, sempre
concorrendo com deputados. Ele até mesmo tentou ser o indicado do Aécio,
em 2006. “Eu tentei falar com o governador, dizer pra ele para indicar
uma pessoa com perfil técnico, mas o Aécio nem me recebeu. Foi o
Anastasia, na época secretário de Estado, quem me atendeu”, contou.
Naquele ano, Adriene Andrade foi a escolhida.
“Não
vou me candidatar mais”, garantiu Bossi. “Eu fiquei de 2000 a 2012
mexendo com isso. É muito cansativo, eu paro a minha vida, mas isso não
significa que eu desisti da luta”, explicou. Ele disse desconhecer casos
de nomeações que não sejam políticas. “A sociedade civil organizada
jamais conseguiu emplacar um nome. No caso da minha candidatura, eu tive
a iniciativa, mas contei com o apoio de entidades como o Conselho
Regional de Contabilidade e do Sindicato dos Servidores do Tribunal de
Contas”. Para ele, é muito importante colocar os tribunais de contas,
“órgãos desconhecidos da sociedade e tão importantes no combate à
corrupção”, sempre na pauta de discussão. “Os diversos casos de desvio
de dinheiro público que, com frequência, aparecem nas primeiras páginas
dos jornais são prova de que os tribunais de contas não andam exercendo
satisfatoriamente o seu papel fiscalizador”.
Aprovada pelo TCE-MG, cidade administrativa cai na mira da Lava Jato
Na
mira da Operação Lava Jato, a Cidade Administrativa da capital mineira
passou pelo crivo do Tribunal de Contas de Minas em 2007. As suspeitas
reveladas nas investigações da Polícia Federal (PF) são de que o então
governador Aécio Neves tenha recebido da Odebrecht R$ 5,2 milhões em
propina para que a empresa faturasse a licitação. Os recursos teriam ido
para sua campanha, de acordo com a delação do ex-executivo da
empreiteira Benedicto Júnior. Sempre que questionado sobre as
acusações, Aécio Neves dizque “o edital de licitação foi apresentado previamente ao Ministério Público Estadual e ao Tribunal de Contas do Estado”.
Inaugurada
em 4 de março de 2010, dia em que o avô de Aécio, o ex-presidente
Tancredo Neves, completaria 100 anos, a Cidade Administrativa é a obra
mais cara da gestão do tucano. Ela custou R$ 1,2 bilhão aos cofres
públicos. Apesar do alto investimento, salta aos olhos de quem frequenta
o local a infraestrutura já decadente: pisos com rachaduras surgidas apenas três meses depois da inauguração ,
janelas proibidas de serem abertas – ficam lacradas – porque os vidros
caem lá do alto e cheiro forte de esgoto nos jardins. Em 2015, um vendaval arrancou parte do teto do prédio.
Em
fevereiro, Fernando Pimentel decidiu desativar o Palácio Tiradentes, um
dos prédios da Cidade Administrativa, onde o governador despachava. De
acordo com Pimentel, a medida trará uma economia de 40% nos gastos com
insumos diversos, manutenção rotineira e com o consumo de água e
energia. O PSDB rebateu a decisão do petista e garantiu que a
centralização da estrutura governamental naquele espaço gerou uma
economia de R$ 590 milhões aos cofres públicos entre 2011 e 2015.
Passados
17 anos do lançamento do edital da Cidade Administrativa, o TCE de
Minas instaurou, em abril de 2017, um procedimento para investigar se
houve fraude no contrato. A medida foi tomada depois que a
Procuradoria-Geral da República abriu inquérito para averiguar a
existência de crimes envolvendo Aécio Neves na obra. A iniciativa para a
investigação partiu do Ministério Público de Contas.
A
Pública entrou em contato com as assessorias de imprensa do senador
Aécio Neves e do Tribunal de Contas de Minas, que não deram retorno.
Ministério Público
Além
de atuarem como auxiliares dos tribunais de contas no controle e na
fiscalização da execução do orçamento e dos atos de gestão dos recursos
públicos, os membros do Ministério Público de Contas podem apresentar
uma denúncia à corte de contas para que irregularidades sejam apuradas e
os gestores, responsabilizados. Os pareceres dos procuradores de
contas, servidores concursados com carreira de bacharel em direito, são
opinativos. Ou seja, eles não têm o poder de vetar as decisões dos
conselheiros, que podem acatar ou não suas recomendações, tendo apenas
como ferramenta o recurso para que as decisões sejam revistas.
Nunca
na história do TCE de Minas, por exemplo, houve reprovação das contas
de um governador. Mesmo quando os procuradores de contas alertaram para
problemas graves. Em 2013, o Ministério Público de Contas advertiu que
o estado não cumpriu o mínimo constitucional para a educação, de 25% da
receita, tendo aplicado apenas 23,91%. Isso não impediu, no entanto,
que os conselheiros aprovassem as contas do ex-governador Antonio Anastasia, argumentando que o gestor havia cumprido os índices constitucionais.
13 conselheiros afastados em um ano
O
descumprimento da aplicação mínima constitucional de 15% da receita
para a saúde foi um dos principais argumentos dos conselheiros do TCE do
Rio para a rejeição do balanço financeiro de 2016 do governador Luiz Fernando Pezão (MDB).
A última vez que o TCE havia emitido parecer contrário às contas do
estado fora em 2003. A decisão contrária a Pezão se deu em maio do ano
passado. “O colegiado que deliberou pela rejeição das contas em 2016 foi
integrado por conselheiros suplentes, tendo em vista o afastamento dos
titulares por ordem judicial (IPL 1133/DF – Operação Quinto do Ouro).
Note-se que em anos anteriores (2007-2015) o número de inconsistências
foi até maior. Ainda assim as contas eram sistematicamente aprovadas com
parecer favorável do TCE, numa evidente demonstração de que o controle
era meramente formal e de que existia uma estratégia de proteção mútua
entre os órgãos”, alertou o Ministério Público Federal (MPF) no documento que justifica a Operação Cadeia Velha, que revelou um esquema de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Apesar
da recomendação do TCE, a Assembleia do Rio aprovou, em setembro de
2017, a movimentação financeira do governador. A população e os
servidores do estado, que convivem com salários atrasados, foram
proibidos de participar da votação. À época, o Legislativo fluminense
justificou que a decisão foi tomada pela presidência, por recomendação
da segurança da Casa, “amparada em informações de que poderia haver atos
violentos nos protestos”. Dois meses depois da reunião, Pezão indicou
para o conselho da corte Edson Albertassi (MDB), então presidente da
Comissão de Orçamento, Finanças, Fiscalização Financeira e Controle da
Alerj, que também tinha dado aval à sua prestação de contas.
“Os
fatos, no entanto, demonstraram que a argumentação de Albertassi não
passou de mera retórica para justificar a proteção ao governo cujas
contas, se tivessem sido rejeitadas, poderiam levar à responsabilização
pessoal do governador”, observaram os procuradores no documento.
Ex-líder do governo na Assembleia, Albertassi foi preso na Operação
Cadeia Velha, antes de assumir a vaga no TCE. Ainda de acordo com o MPF,
“desde 2007 e durante toda a administração de Sérgio Cabral, houve
razões de sobra para a reprovação das contas do governo, contudo, como o
processo de fiscalização sempre esteve viciado, em momento algum o
ex-governador esteve sob o risco de se ver submetido ao processo
político de impedimento”.
Há
suspeitas de que durante o governo de Cabral cinco dos sete
conselheiros do tribunal – Aloysio Guedes, Domingos Brazão, Marco
Antônio de Alencar, José Gomes Graciosa e José Maurício Nolasco –
participaram de um esquema de cobrança de propina para fechar os olhos
para os contratos entre empreiteiras e o governo. A Operação Quinto do
Ouro, da PF, que revelou o esquema, teve como base a delação premiada do
ex-presidente do TCE Jonas Lopes. Os cinco conselheiros foram presos
temporariamente em 29 de março de 2017 e soltos em 7 de abril, mas
seguem afastados de suas funções desde então. O TCE do Rio afirmou, por
meio de nota, que não irá comentar sobre o assunto. A reportagem não
conseguiu contato com a defesa dos conselheiros afastados.
No
Mato Grosso também foram afastados cinco conselheiros. Eles são
suspeitos de ter recebido R$ 53 milhões em propinas para não prejudicar o
andamento das obras da Copa no estado. O esquema foi revelado em
delação do ex-governador Silval Barbosa (MDB) durante a Operação
Malebolge, da PF. Os conselheiros Valter Albano, Antônio Joaquim, José
Carlos Novelli, Waldir Júlio Teis e Sérgio Ricardo de Almeida foram
afastados em setembro do ano passado pelo STF. A Malebolge é uma
sequência da Operação Ararath, que desde 2013 investiga um suposto
esquema de lavagem de dinheiro público e crimes financeiros no Mato
Grosso.
À
reportagem, o TCE do Mato Grosso informou, por meio da assessoria de
imprensa, que houve uma investigação interna em outubro de 2016. “A
investigação foi conduzida por dois conselheiros substitutos e um
procurador do Ministério Público de Contas, com conclusão em março de
2017”, observou o órgão. “Não chegou a nenhuma evidência de crime, mas
mesmo assim a comissão responsável entendeu por bem encaminhar cópias
dos autos para os Ministérios Públicos Federal e Estadual”, diz a nota.
No
Espírito Santo, o conselheiro José Antônio Almeida Pimentel foi acusado
de receber dinheiro em troca de facilitação e favorecimento para a
aprovação de processos perante a corte de contas do Estado. As
investigações revelaram também que ele teria oferecido expertise e apoio
técnico no direcionamento de processos licitatórios em diversos
municípios capixabas. José Antônio é alvo da Operação Moeda de Troca,
deflagrada em 2010, que apura fraudes em licitações de municípios no
Espírito Santo. Ele saiu do cargo, por decisão do STJ, em junho do ano
passado.
A
defesa argumentou ao STF que a denúncia contra José Antônio Pimentel
seria inepta, principalmente por ausência de justa causa relativa aos
crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa. Os fatos
imputados ao denunciado, de acordo com a defesa, não estariam
especificados.
O
conselheiro do TCE do Amapá José Júlio de Miranda Coelho foi igualmente
afastado de suas funções em março de 2018 pelo STJ. Ele é acusado de
ter cometido 62 vezes o crime de lavagem de dinheiro com uso de
terceiros.
José
Júlio tinha sido afastado em 2015 e voltou ao cargo em dezembro de 2017
por decisão do STF. Diante do novo processo de afastamento, a defesa de
Coelho alegou que, diante da reintegração promovida pela Suprema Corte,
não havia fato recente que justificasse o novo pedido de afastamento
feito pelo Ministério Público Federal. Mas ele foi afastado mesmo assim.
Bom relacionamento e parentesco
A
relação de cumplicidade entre o órgão de controle e seu controlado é um
dos principais motivos da corrupção nos tribunais de contas, de acordo
com o procurador Júlio Marcelo de Oliveira. “O político que ocupa a
cadeira de conselheiro terá, na maioria dos casos, uma visão mais
simpática ao seu grupo político. O desenho institucional atual é
vulnerável à captura política”, acrescentou.
“É
com muita tranquilidade e serenidade que eu afirmo que este governo do
estado do Rio de Janeiro, com suas finanças públicas, seus controles
públicos, faz uma nova era do estado. Nós que cuidamos das contas do
estado sentimos claramente a mudança radical que houve na Secretaria de
Fazenda”, afirmou o então presidente do TCE do Rio de Janeiro José
Maurício Nolasco durante a abertura do IV Encontro do Conselho Nacional
dos Órgãos de Controle Interno, que ocorreu em 2009. Anos depois, ele
seria investigado na Operação Quinto do Ouro, já mencionada
anteriormente.
“Da
parte do Tribunal de Contas de Goiás e do nosso governo, o que tem
ocorrido invariavelmente é uma relação harmônica, porque há, acima de
tudo, uma identidade de propósitos”, afirmou o então governador de Goiás
Marconi Perillo (PSDB) durante a inauguração de uma nova sede do TCE,
em agosto de 2016. Perillo é acusado de ter formado uma aliança com o
dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, e com o bicheiro
Carlinhos Cachoeira para receber vantagens indevidas em troca de
contratos com o governo goiano que causaram prejuízos aos cofres
públicos. Em nota enviada à imprensa quando denunciado ao STJ, em março
de 2017, ele negou as acusações. Assim que deixou a vaga para disputar a
reeleição, em abril, o governador que o substituiu, José Eliton (PSDB),
indicou o cunhado de seu antecessor, Sérgio Cardoso, ao conselho do
Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás. (Veja a íntegra da nota do TCE-GO)
O
levantamento da ONG Transparência Brasil mostrou também que 32% dos
conselheiros têm relações de parentesco com políticos. “As relações são
diversas e demonstram, em alguns casos, laços com figuras influentes na
política local há diversas gerações. Em um caso, o poder remonta ao
período imperial: o clã político cearense Paula Pessoa, ao qual pertence
o conselheiro Luís Alexandre Albuquerque Figueiredo de Paula Pessoa, do
TCE do Ceará, conta com oito gerações de políticos influentes. O
conselheiro, além de ter de pai, irmão e sobrinho na política
subnacional, tem como antepassado um senador do Império”, observou a ONG
no estudo. (Veja o que dizem os mencionados na reportagem).
O
movimento #MudaTC, criado pela entidade presidida pelo procurador junto
ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, a Ampcon, a Confederação Nacional
das Carreiras Típicas de Estado (Conacate) e a Federação Nacional das
Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc),
depois do escândalo no TCE do Rio, apoia a aprovação da PEC 329/2013, que está pronta para ir a plenário.
Entre
os principais pontos está a mudança na composição dos tribunais de
contas, proibindo indicações políticas. O projeto prevê também que os
conselheiros sejam fiscalizados pelo Conselho Nacional de Justiça, assim
como todos os juízes, desembargadores e ministros do STF e do STJ.
Já
a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon)
defende que seja criado um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas
para fiscalizar as cortes de contas. Em relação à composição dos
tribunais, o presidente da entidade, Fábio Nogueira, explica que a
associação não é contra a indicação de políticos à vaga. “Nós não temos
nenhum preconceito contra aqueles que vêm do Parlamento. O que nós
precisamos é ter cautela nas indicações”, defendeu.
A proposta de mudanças da Atricon está na PEC 22/2017.
Ela foi formulada e sugerida pela entidade e apresentada pelo senador
Cássio Cunha (PSDB-PB). O projeto assegura a maior parte dos assentos
aos membros das carreiras técnicas – cinco no TCU e quatro nos outros
tribunais. E prevê o fim das indicações livres do chefe do Executivo e a
redução das indicações do Legislativo, fixando critérios como
quarentena de três anos afastado de mandato eletivo, não ter sido
condenado judicialmente nem ter tido contas reprovadas.
Além
disso, a PEC determina que os conselheiros deverão ter graduação e
experiências nas áreas jurídica, contábil, econômica e financeira ou de
administração pública. Atualmente, apesar de a Constituição exigir
“notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou
de administração pública”, há conselheiros de diversas áreas e sem
ensino superior nas cadeiras de tribunais de contas estaduais. De acordo
com estudo do perfil desses tribunais publicado
em 2014 pelo contador Alexandre Bossi, que também é professor do Centro
Universitário UNA em Belo Horizonte, esse grupo chega a 23% dos
conselheiros. A pesquisa dele abrangeu o TCU, os 26 tribunais estaduais e
o do Distrito Federal.
Atualização
em 15/06: Depois da publicação, a assessoria de imprensa do Tribunal de
Contas do Estado de Goiás entrou em contato com a reportagem da Pública
afirmando que o governador do estado, José Eliton, indicou Sérgio
Cardoso, cunhado do ex-governador Marconi Perillo, para o Tribunal de
Contas dos Municípios e não para o Tribunal de Contas do Estado,
conforme a Pública havia informado anteriormente. Sérgio Cardoso não
analisará as contas referentes ao mandato do ex-governador. A informação
foi corrigida.
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