Mundial divide a torcida brasileira
Carlos Albán González
O Brasil tem hoje o segundo maior contingente de
torcedores estrangeiros em território russo. A Fifa revela que os norte-americanos
– sua seleção não foi classificada para a Copa deste ano – adquiriram 80.161
entradas para os jogos, seguidos dos brasileiros, com 65.863 ingressos,
superando países com maior potencial econômico e mais próximos do maior evento
do futebol no mundo, como Alemanha, Japão, Coréia do Sul, Espanha, Austrália e
França.
Os números revelam um absurdo contra-senso, porque,
como todos nós sabemos, o Brasil, mergulhado em corrupção e retrocesso, que
envolvem governantes, políticos, empresários, juízes, servidores públicos e
dirigentes esportivos, está se afundando cada vez mais no fosso da desigualdade
social e econômica.
Esse aumento do abismo entre ricos e pobres ficou
evidente na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada
no final de 2017. Segundo a pesquisa houve há cinco anos uma redução da fatia
dos mais pobres, graças aos programas sociais, como o Bolsa Família, que
alcança hoje 13,7% das famílias no país – 28,4% no Nordeste. No entanto,
nos últimos dois anos o Brasil despencou 19 posições no item desigualdade
social elaborado pela ONU, figurando hoje entre os dez mais desiguais do mundo.
O exemplo mais evidente é o de que os 5% mais ricos detêm o mesmo rendimento
dos 95% restantes.
Esses mesmos brasileiros que enfrentaram 30 horas de
voo até Moscou ou São Petersburgo, onde o Brasil fará os dois últimos jogos da
primeira fase – o primeiro será em Rostov-do-Don, são os mesmos que deixaram no
primeiro trimestre deste ano 5 bilhões de dólares em viagens ao exterior, um
aumento de 10,2% em relação ao mesmo período de 2017.
Pacotes de viagem com permanência de duas semanas na
Rússia, incluindo o aéreo, com saídas de São Paulo e Rio de Janeiro, foram
vendidos no ano passado, quando o dólar não sofria altas diárias por conta dos
especuladores, por 18 a 35 mil reais, dependendo do tipo de hospedagem e dos
longos deslocamentos no interior do país.
Os preços para os ingressos custam dez vezes mais do
que os praticados na Copa de 2014. O mais barato (categoria 3, atrás das
metas), utilizado na fase de grupos, vendido no Brasil a R$ 30, está sendo
negociado a US$ 105 (cerca de R$ 404). O mais caro, para a partida final,
talvez ainda possa ser adquirido por US$ 7.040 (R$ 27 mil). Alimentação e
hospedagem têm preços equivalentes aos nossos. O metrô, o mais antigo e um dos
melhores do mundo, é o meio de transporte mais utilizado dentro das cidades. O
trecho Moscou-São Petersburgo, com 700 km, é coberto em 3h40 no trem-bala, por
R$ 635; Moscou-Rostov-do-Don), com 15h34,custa R$ 473.
Desinteresse
Moradores
de uma rua do bairro Real Copagre, em Teresina, tomaram uma decisão inusitada,
em protesto contra a situação política do país, aliada às constantes denúncias
de corrupção: as paredes e muros da rua foram pintados com de azul e branco, as
cores da Argentina, além de bandeiras do país vizinho. A ideia teve o apoio de
90% dos moradores, que contribuíram cada um com R$ 25 para compra do material e
a contratação de um pintor.
“Aqui
Neymar não terá vez”, garantiu Raimundo Júnior, líder do movimento, ao afirmar
que a seleção de Messi terá o apoio total da comunidade, inclusive se tiver
pela frente o Brasil numa das fases do Mundial. Um telão foi instalado na rua
para que os jogos da Argentina sejam assistidos por todos em conjunto.
Esse
movimento de revolta de um grupo de piauienses possivelmente deve ter adquirido
outros contornos em várias partes do Brasil. Recente pesquisa feita pela
Datafolha mostra que 41% dos brasileiros não estão interessados na Copa do
Mundo, enquanto 73% revelaram que estão mais concentrados no desenrolar da
Lava-Jato do que nos resultados da Seleção Brasileira em gramados russos.
Um
dado interessante da pesquisa é o de que o futebol deixou de ser o esporte das
massas, dos torcedores que freqüentavam as “sombras” e “gerais” dos estádios.
Os mais pobres, aqueles que têm renda familiar de dois a cinco salários
mínimos, são os mais desinteressados, ao contrário dos mais ricos, que podem
pagar um preço por
uma
cadeira numa das arenas superfaturadas, construídas para a Copa de 2014. Os
maiores clássicos nacionais, que há 20 anos recebiam um público de mais de 80
mil pagantes, hoje são festejados quando 30 mil torcedores passam pelas
bilheterias, conscientes de que vão assistir a uma partida de péssima qualidade
técnica. Os chamados craques estão no exterior – a seleção de hoje conta com 20
“estrangeiros” e apenas três que ainda estão por aqui.
Diversos
são os fatores que têm provocado essa indiferença do brasileiro. Talvez o
principal deles seja o contexto político e econômico do país, onde uma minoria,
enraizada nos três poderes da República, pratica impunemente a corrupção.
Enquanto se rouba em Brasília, 13,4 milhões de brasileiros estão desempregados,
e outros milhões estão passando fome, não têm educação escolar, esgotamento
sanitário, segurança e assistência médico-hospitalar.
No
campo esportivo o quadro de imoralidade tem muitas semelhanças com os delitos
cometidos pelos que estão no poder. Os três últimos presidentes da CBF são
acusados de formação de quadrilha e recebimento de propinas, sendo que um deles
está preso em Nova Iorque.
Os
7 a 1 aplicados pela Alemanha na Copa de 2014 ainda causa acessos de raiva em
muitos torcedores. Observa-se que, após essa derrota, muitos brasileiros
passaram a assistir pela TV, quase que diariamente, um futebol de boa qualidade
técnica. São jogos na Espanha, Alemanha, Inglaterra, Itália e França, de cujos
times se tornaram aficionados.
Do
outro lado da moeda há grupos interessados em vestir o Brasil de verde e
amarelo, como fez a Gillette em 1982, criando o Pacheco, transformando-o em
torcedor-símbolo, que acompanhou a seleção até a Espanha.
Detentora
das transmissões de televisão do Mundial da Rússia a Rede Globo tem dedicado
quase toda sua programação – 170 profissionais estão no país europeu – ao
evento. Para mudar essa autoestima da população, Galvão Bueno e sua equipe
prometem transmitir, não apenas as partidas do Brasil, como nas copas
anteriores. Para os seus assinantes a Fox exibirá os 64 jogos, com uma
novidade: a presença feminina na narração, incluindo a jornalista baiana
Manuela Avena.
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