Brasil com
“Z”
Nando da Costa Lima
Valdirene
estava desolada, já estava virando piada na cidade. Era o quarto noivado
rompido semanas antes do casamento! E era ela que terminava. Os noivos,
coitados! Um tentou o suicídio, dois se perderam na pinga e um endoidou. Ela
era o sonho de qualquer homem: bonita, rica e “inteligente”. Uma mulher além do
seu tempo. Estava cansada do Brasil, principalmente dos homens brasileiros.
Conquistense então, “nem pensar, que horror!”. A família tinha que mimar, era
filha única de um casal que fazia qualquer coisa pra felicidade dela. Foram
eles que tiveram a ideia de mandar Valdirene fazer uma viagem pelo mundo pra
esquecer as contrariedades e aproveitar pra ver se finalmente encontrava sua
alma gêmea no exterior. No Brasil, nunca mais!“Cambada de interesseiros!”.
Pra
ela seria fácil, seu inglês e francês eram fluentes. Isso, naquele tempo (anos
60) era raridade numa cidade do interior. Valdirene acabou cedendo ao apelo dos
pais e saiu em turnê pelo mundo, pra gastar um pouco da fortuna (cobiçadíssima)
e tentar achar um homem à sua altura. Nessa época, a mulherada sonhava com um
galã italiano, eu acho que foi por conta das músicas italianas que invadiram
nossas rádios. Não tenho certeza! Vai ver os italianos eram realmente bons
amantes. As primas, mesmo morrendo de inveja, não deixaram de fazer as famosas
encomendas que quem viajasse para o exterior no passado tinha que trazer! Era
um absurdo! Teve gente que encomendou até um piano! Quem fosse viajar, era
melhor despistar. Mas todo mundo fazia questão de espalhar que ia fazer uma
viagem internacional, era “chic” falar que estava indo para a Europa.
Valdirene
foi de avião até a Itália, já foi pensando em passar um mês em Roma, e em
seguida sairia num cruzeiro pelo mundo, de preferência com um “pão” italiano
(“pão” era o “gato”, do tempo de Benedicts). Tudo estava correndo bem na
Itália, ela patrocinou almoços, jantares, passeios. Sempre procurando se
enturmar com os romanos mais abastados. Mas na realidade, nem precisava ser da
elite ou rico. Ela estava querendo um italiano bonito pra levar para Brasil.
Claro, ele iria como noivo, e se casariam na catedral da terra do frio.
Num dos
seus passeios pela cidade, ela bateu o olho num cidadão e achou que aquele era
o modelo de noivo que tanto procurou. Foi amor à primeira vista. E era só a
“vista” mesmo, eles nunca ficaram próximos, nem foram apresentados. Quando se
viam era de passagem, mas ela já fantasiava um grande romance. Naquele tempo,
ficava difícil pra uma mulher tomar a iniciativa, mesmo estando na Europa. Mas
ela tanto fez que conseguiu que um recepcionista do hotel entregasse um bilhete
para o amor que, apesar de distante, estava sempre presente nos seus
pensamentos. Ela declarou no bilhete que nunca tinha se apegado a ninguém
daquela forma, estava apaixonada e o convidou para jantar no restaurante do
hotel. Ele ficou animadíssimo, estava matando cachorro a grito!
No
dia do encontro, ela fez questão de fechar o restaurante só para eles, até
contratou um decorador pra dar um toque mais romântico no ambiente. O decorador
espalhou pétalas de rosas barrunfadas com perfume por todo o lugar. Valdirene
estava nas nuvens, faltava pouco pra ela ficar a sós com a sua alma gêmea.
Tinha “séculos” que ela sonhava com aquele momento, já tinha até escrito pra
mãe dando a entender que estava praticamente noiva. A velha não perdeu tempo
para espalhar que a filha estava noiva de um conde italiano, seria a união da
princesinha do sertão com um nobre europeu.
E
às nove horas, como mandava a etiqueta, ele entra no hotel elegantemente
vestido. Até exagerou, não precisava usar aquela bengala com cabo de
madrepérola. Foi logo guiado pelo recepcionista à linda mesa que o esperava.
Ela atrasaria um pouco pra dar mais glamour àquele encontro tão inusitado: duas
pessoas que nem se conheciam já com o casamento marcado pra maio no Brasil. Ele
nem sabia, tava pensando que ia passar a noite com uma coroa rica e tarada.
Valdirene
chegou usando um longo dourado, chapéu roxo e uma piteira quilométrica, tava
fazendo o estilo francesa pós-2ª Guerra. Ele logo ficou de pé e se dirigiu para
a anfitriã com um andar ensaiado. Valdirene tremia mais que vara verde, seu
amor era realmente um “pão” ... Mas, infelizmente, o romance não ocorreu como
era esperado. É que quando ele parou em frente dela, perguntou em português: “Você
é lá do Alto Maron? Eu também sou de Conquista, mãe mora perto do sobrado de
Nestor. A primeira vez que te vi foi na rua do Cine Glória, em frente à casa do
elefante”. Aí Valdirene não se conteve, ela nunca esperava aquilo. Ficou tão
retada que tomou a bengala do ex-amor e o botou pra correr debaixo de porrada e
bengaladas. O pobre do rapaz não entendeu nada, até a roupa alugada pro
encontro foi destruída.
Depois
desse triste desentendimento, Valdirene nunca mais voltou para a América do
Sul, e todas as cartas enviadas para a família eram em inglês, até Brasil era
escrito com “Z”... Também, antipática do jeito que era, foi até melhor ficar
por lá.
Ao poeta Kitan Veras.
a
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