Vá com Deus, Manchinha!
BIG BEN
Manchinha sempre tinha boas lembranças de
quando era frágil e pequenina. Vivia cercada de mimos e mordomias de
toda sorte. Nunca lhe faltava amor! Tratavam-a como uma rainha. Mas, o
tempo passou...
Cresceu muito além das expectativas e tornou-se uma
robusta cadela adulta. Isso bastou para que as coisas mudassem da água
para o vinho.
A sua mente questionava-se: Será que eu perdi o encanto com o avanço da idade?
Num
belo dia de sol, meus donos tiveram uma ótima ideia: Que tal fazer um
passeio de carro, Manchinha? Sem mais demora, vim logo balançando o
rabinho, toda alegre... Colocaram-me no banco traseiro e lá fomos nós.
Depois de rodarmos muito por aí, abriram a porta traseira e me
instigaram a sair. Eu, no ápice da minha ingenuidade, pensei: hoje é um
daqueles dias que eu vou tirar a barriga da miséria! Na mesma hora,
fecharam a porta e o carro saiu em disparada.
Foi a última vez
que vi os meus amados donos! Tentei, desesperadamente, voltar para casa.
Mas depois de muitas tentativas mal sucedidas, a ficha caiu: os meus
donos haviam me pregado uma peça. Fui abandonada! Meu castelo de areia
desmoronou! E agora aqui estou eu: desamparada, vulnerável, na negritude
da noite, debaixo de um frio avassalador, num ambiente de poucos
amigos, cruel e ameaçador. O primeiro dia de rua, o cachorro jamais
esquece!
Manchinha logo se deu conta de que, a partir de agora, a
precariedade absoluta seria uma constante na sua nova vida. E para
garantir a sua sobrevivência, teria que deixar vir à tona a loba que
existe dentro de si. Às vezes, uma alma caridosa, afortunadamente,
cruzava seu caminho e se apiedava de suas condições de vida tão
sacrificadas e lhe dava um pouquinho de ração, um potinho de água fresca
e, ainda por cima, fazia-lhe um arremedo de cafuné em seu corpinho
franzino. Mas em tempos de vacas magras, tinha que enfrentar os riscos e
ir à luta, encontrando o seu sustento no refugo humano. Diante de
restos de comida já putrefatos, enchia o seu parco estômago, ávido por
qualquer coisa que pudesse ser digerido. Nessas horas de agonia se
perguntava: o que eu fiz de tão errado para merecer ser descartada, como
um velho chinelo, por quem deveria me proteger e me amar?
E foi
assim, perambulando pelo Inferno e pelo Purgatório que encontrou um
lugar que lhe parecia familiar e amistoso. Sem maiores preocupações,
Manchinha adentrou ao local e logo foi recebida por parte de seus
moradores com compaixão e carinho. Enfim, parecia que Manchinha tinha,
finalmente, conseguido realizar o seu grande sonho de consumo: ter
novamente um lar para chamar de seu. Mas a felicidade durou pouco tempo!
Um homem mau surgiu em seu caminho e tirou tudo aquilo que ela mais
amava: a inesgotável e geradora vontade de viver.
Vá com Deus, Manchinha! Lá no céu, o seu novo dono, o Senhor Jesus, vai enchê-la de carinho e amá-la para sempre.
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