COSME, DAMIÃO E GUIÓ
Nando da
Costa Lima
O
caruru de Cosme e Damião na casa de Dona Maria era tradicional, tinha mais de
quarenta anos! Guió cresceu ajudando Dona Maria a preparar o caruru de Cosme.Ela
veio morar na casa do “Dotô” ainda nova. O caruru era uma de suas festas
preferidas: foi num dia de Cosme e Damião que ela conheceu Juarez, com quem
casou e teve filhos e netos. Depois que ele partiu, ela se sentiu tão só que o
jeito foi procurar apoio numa igreja. Esta, como sempre, a acolheu muito bem. E
Guió se tornou uma irmã fervorosa, tão fervorosa que até o caruru de Cosme e
Damião se tornou um ato de desrespeito ao senhor. Quando Dona Maria anunciou
que dia 27 de setembro, dia dos santos meninos estava chegando, Guió começou a
resmungar: “O pastor nem pode saber disso”. Mas, mesmo contrariada, devido ao
respeito pela patroa, ela não teve como deixar de ajudar a mexer o caruru e o
vatapá. A cada mexida que dava saía um resmungo. Dona Ilda e Vivi chegaram a
avisar: “Guió, Guió, cê num brinca com Cosme”. Mas o pessoal da igreja falou
que esse negócio de dar comida pra santo era coisa de candomblé. Até adorar
imagem é pecado, imagina dar comida. Pastor Josebaldo tinha razão. Onde já se
viu santo de barro comer?.
No
caruru tudo correu bem, as pessoas de costume estavam todas presentes, a mesa
da meninada da granja foi servida assim que serviram os donos da festa (Cosme e
Damião). Era uma comemoração aberta a todos, tudo correu como manda o ritual.
Só Guió que passou a festa toda resmungando, só sossegou quando tudo acabou e
ela pode ir embora. Quando chegou em casa só pensava em cair na cama, o dia
todo tinha sido muito puxado e no outro dia cedo tinha culto. Mesmo cansada,
ainda leu um trecho da bíblia pra aliviar-se da culpa de ter participado da
festa, o pastor não podia nem sonhar com aquilo... E foi quando ela adormeceu
que as coisas começaram a acontecer... Ela sonhou que estava num casarão
enorme, com portas e janelas imensas. No sonho, ela começou a entrar em pânico
por não achar a saída. Apareceu uma miniatura de criança, parecia uma boneca.
Na hora que ela se aproximou, a menina ficou maior que ela e tentou morde-la.
Guió correu pra um dos inúmeros quartos, lá encontrou duas senhoras vestidas de
preto que se dispuseram a leva-la até a saída, só que em vez disso a levaram
para outro quarto onde tinha dois meninos robustos e um porrete escorado na
parede. Um dos meninos ameaçou pegar o porrete, o outro disse que nela a surra
tinha que ser de mão.Foi porrada a noite toda, com tudo que é tipo de tapa e
pontapé. No outro dia Guió nem pôde ir pra igreja, acordou toda quebrada, dava
pra ver os hematomas. Quem via não acreditava.Pra todos que ela contava o sonho
e a história do caruru, vinha logo a afirmativa: “Isto foi coisa de Cosme”. Até
“cumade” Guilé, que não é muito chegada nessas coisas, achou que tinha sido
coisa de Cosme. Só o pastor discordou dessa história de santo dando surra em
gente.Achou um absurdo, o cúmulo da heresia. Falou pra Guió que ela deve ter se
machucado durante uma crise de sonambulismo, isso
acontece muito! Ficou até de explicar melhor no culto no outro dia, mas só
ficou... Segundo sua mulher, ele teve um sonho muito esquisito, tão esquisito
que ia ter que ficar no mínimo um mês sem aparecer na igreja. Aí Guió, lá do
fundo da igreja, lembrou-se do sonho e falou baixinho pra uma irmã de fé que
estava ao lado: “Cosme deve ter usado aquele porrete que tava no canto do
quarto pra bater no pastor”.
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