NO TEMPO DE PIOLHO E NALDO
Nando da Costa Lima
Tem
gente que é persistente! Pro sujeito viver de futebol no interior da Bahia, no
final dos anos 60 pro início da nova década, era um sufoco. Bota sufoco nisso!
Eu falo porque sou testemunha, eu vi o Conquista Futebol Clube na sua melhor
fase! Nós tínhamos craques que podiam jogar em qualquer grande time do país. É
sério! Era um timaço: Wesley, Neves, Ticarlos, Wellington, Naninho, Naldo,
Agra, Isac, Piolho, Vitor, Jurandir, Juracy... Piolho e Naldo faziam a festa
pra torcida, eles eram habilidosos e jogavam um futebol elegantíssimo, eles
faziam a diferença! É claro que toda a equipe era formada por jogadores de alto
nível, mas do meio de campo pra frente, se deixasse Piolho chutar, ficava
difícil pro goleiro. Foi esse time que contratou o prof. José Maria Areias como
treinador. Se naquele tempo a carreira de jogador já era difícil, imaginem a de
técnico, era bem pior! Ele tinha que ser treinador, amigo, pai, mãe, psicólogo...
Foi Zé que, com muita competência e um grande amor pelo futebol, conseguiu
mostrar nossos craques para o Brasil. Não sei como ele conseguiu manter aquele
time durante tanto tempo. Todo menino daquela época escalava o timaço de
cabeça. E a cidade amava seus craques, os torcedores enchiam o Lomantão... Mas tudo
passa! O time foi se desfazendo lentamente: uns pararam de jogar bola, outros mudaram
de time. Zé ficou por aqui, ele já tinha se apaixonado pela Conquista “meio
civilizada, meio tabaroa” do poeta Laudionor Brasil. Hoje Zé faz parte da
história da cidade: um cara muito espirituoso que, com muito jogo de cintura,
conseguiu ser um técnico respeitado treinando um time duma pequena cidade do
interior baiano.
Enquanto
isso, num lugarejo muito longe daqui... pra lá do Guigó, surgia um atleta muito
promissor. Aguinaldo “Pé de Foice” já tava ficando marrento depois que fez 13
gols no empate por 17 a 17 num jogo entre casados e solteiros. Estava se
sentindo a estrela do trecho: “Se cair na canhota é gôrro”. Não podia entrar
num butecoque aparecia um torcedor pra pagar tudo, tava ficando roliço de tanto
beber cerveja e comer galinha por conta dos fãs. Quando Aguinaldo foi
emprestado pra jogar na seleção do Guigó contra um time da Lagoa, ele arrasou,
jogou muita bola! Seu time ganhou de 16x13, ele marcou nove e se consagrou como
artilheiro. Foi a glória. Até Jota Menezes, da Rádio Clube, que estava
batizando um menino naquelas bandas, aproveitou pra entrevistar o atleta. Todos
apostavam no futuro promissor do craque, tanto é que a família resolveu levar o
jogador pra fazer um teste no Conquista Futebol Clube, do
exigente professor José Maria. Não deu outra!
No
dia da apresentação, veio a família toda proLomantão, trouxeram até os meninos.
Tiveram que fretar duas kombis. Tinha até uma carta de Jota Menezes apadrinhando
o homem-gol. O técnico Zé Maria estava nervoso, era aquela história de futebol
do interior: salários atrasados, jogadores faltando ao treino... Ele só atendeu
o tio de Aguinaldo por causa da carta!Quando o artilheiro foi apresentado ao
técnico, Zé apertou a mão do atleta e fez a pergunta de praxe: “Você joga em
que posição?”. Aí o craque já respondeu se aquecendo: “Eu bato bem nas dez
posições, e quando vou pro gol, não passa nem pênalti”. Aí Zé acabou de “se
retar” e, puto da vida, deu uma ordem gritada ao tio do craque Pé de Foice:
“Tira esse fenômeno da minha frente, o Conquista não tem condições de pagar um
atleta desse nível. Corre com ele pra São Paulo, some daqui...”. E nesse dia
nem teve treino.
É
isso, Zé! Eu ainda lembro do time passando em frente à casa dos meus pais, indo
treinar. Todos a pé! E olha que da sede do time até o Lomantão era uma
palhetada boa. Só você tinha um carrinho usado, e ainda apareciam uns
torcedores chatos fazendo comentários sem pé nem cabeça: “O técnico ficou muito
metido depois que comprou um carro, não dá carona nem pros jogadores”. Era
óbvio que você não podia enfiar 22 jogadores e mais o roupeiro Dão Mijão dentro
de um fusca, nem com mágica! Mas tem gente que é assim mesmo, tem que ter
alguma coisa pra falar, faz parte da vida. E, cá entre nós, meu caro Zé: se não
tiver torcida contra, nem vale a pena a gente entrar em campo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário