Agora sem Franco, que o Vale dos Caídos se torne um lugar de ressurreição
João Arias - Colaboração de Carlos Albán González
A Espanha decidiu retirar os restos mortais do ditador daquele monumento, onde ficarão apenas as vítimas dos dois lados da guerra civil, todos irmãos
Nunca
me agradou aquele mausoléu gigantesco erguido para um ditador
insignificante em tudo, menos na crueldade, nos expurgos políticos, nas
torturas e na sede de poder. O Vale dos Caídos sempre
me aterrorizou. Lembrava-me a Igreja pré-conciliar, aquela que
abençoava ditadores como o Caudilho, quase canonizando os
totalitarismos, enquanto se esquecia de abençoar os que lutaram e
morreram pela liberdade.
Agora
permanecerão no monumento apenas os restos mortais das vítimas dos dois
lados, todos irmãos, que se viram envolvidos em uma guerra incivil com
mais de um milhão de mortos, que os jovens de hoje não entendem nem
querem para si. Que esse mausoléu se torne o símbolo vivo de um povo
ressuscitado e unido contra todas as barbaridades do passado.
Não é verdade que todas as igrejas e cemitérios da História eram lugares tristes e lúgubres. As pequenas e silenciosas igrejas romanas dos primórdios do cristianismo,
por exemplo, respiram mais ressurreição do que morte. Os primeiros
cristãos, escondidos nas catacumbas de Roma, não gostavam da imagem do
crucificado. Jesus era retratado naquelas paredes úmidas como os
símbolos do Bom Pastor ou da Última Ceia, com os apóstolos comendo e
bebendo a seu lado. O cristianismo primitivo, que a Espanha franquista
parecia ignorar, estava encravado na alegria da ressurreição, símbolo da
vida, mais do que na crucificação que evocava o tipo de morte infligida
pelos romanos aos criminosos.
Façamos,
pois, do Vale dos Caídos, liberto dos restos do ditador que optou pela
violência e não pela paz, um lugar onde, hoje, pequenos e grandes podem
se encontrar para celebrar a vida e a liberdade. Lembro-me de que, em
1964, quando Franco ainda
era vivo, as ruas de Madri ostentavam cartazes que comemoravam “25 anos
de paz”. Foram, no entanto, 25 anos da vitória da guerra civil.
Eu estava em Madri, voltando da Itália. Convidaram-me para entregar o
prêmio de melhor toureiro do ano a Viti concedido por La Peña El 7.
Durante o jantar de gala, comentei sobre os cartazes. Falei que era
preciso saber se eles tinham sido “25 anos de paz e não de ordem”.
Na
saída, esperavam-me dois policiais. Queriam saber a que me referi
quando disse aquilo. Tentei explicar que “enquanto a ordem se impõe com a
força, a paz deve ser conquistada em liberdade”. Acrescentei, torcendo
para que colasse, que era uma frase de Aristóteles. Não entenderam, mas o
filósofo grego deve tê-los tranquilizado. Naqueles tempos de censura, tínhamos de aguçar o cérebro para dizer sem dizer e até mentir para defender a verdade.
Hoje, a Espanha vive
anos de liberdade, onde ninguém impõe ordens fascistas. Seus jovens
líderes são filhos da paz conquistada com a chegada da democracia. É a
Espanha da ressurreição, a de todos. Que o Vale dos Caídos, liberto da
presença do ditador, reflita, a partir de agora, a Espanha rica de
ideias e culturas diferentes que se expressam em liberdade, sem
nostalgias autoritárias, como as que eram impostas com o fuzil na boca.
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