Ilusão de Ótica
Nando da Costa Lima
Na
rua tinha uns dez botecos, mas boteco mesmo, daqueles que tem freguês 24 horas.
Só frequentava biriteiro profissional, daqueles que comem uma lata de sardinha
e bebem o óleo que sobra pra proteger o fígado. Não era qualquer bebedor de
cerveja que encostava ali não, só quem gostasse da pinguinha e do conhaque é
que podia fazer ponto. Quando dava cinco horas da tarde já estavam todos
travados. A maioria jurando que nunca mais beberia, aquele papo de quem bebe todo
dia e não admite que é alcoólatra. E naquele fim de feriadão, o pessoal tinha
dobrado a dosagem, era bêbado de todo jeito: chorão, rico, mentiroso, valente,
tinha até bêbado mágico! Mas todos com aquele velho arrependimento por ter
bebido. Foi esta situação que levou a cidade a presenciar aquela procissão tão
diferente. Pior que o pessoal fica todo igual, parecem parentes.
Quando dona Gertrudes, a beata mais
fervorosa da paróquia, passou por aquela rua repleta de cachaceiros muita gente
estranhou. Mas foi Neco Birita quem primeiro notou uma imagem nas mãos da
beata. Ele que já era invocado com religião, achou que aquilo era um aviso das
alturas para que ele abandonasse o copo e deu um berro que chamou a atenção de
todos: “Louvado seja São Benedito, de hoje em diante não bebo mais”. Neco
Birita seguiu a beata gritando e louvando o santo e por cada boteco que passava
arrastava um punhado de bêbados depressivos. Dona Gertrudes não deu ousadia,
seguiu sem olhar pra trás. Caminhava firme e nem tomou conhecimento daquela
procissão de pinguço. Se desse ousadia era pior! Atravessaram a metade da
cidade e chegaram ao centro sendo bem recebidos por todos. Todos batiam a mão
para eles e isto só podia ser um sinal de apoio, mesmo sem saber qual o motivo
e para onde ia aquela romaria. Um vereador ficou tão empolgado que fez um
discurso sugerindo a mudança do padroeiro da cidade para São Benedito. Dona
Cotinha além de apoiar, prometeu um terreno para a construção da igreja do novo
padroeiro. Só Terêncio Boca Lisa que achou de discordar falando que a imagem
podia ser de Nossa Senhora Aparecida. Aí formou-se o bate-boca, uns do lado de
Nossa Senhora, outros querendo São Benedito. Até que Tonho Caroço deu um tiro
pra cima e explicou que santo era igual cachorro novo, quem dá nome é o dono!
Se quem viu primeiro achou que era São Benedito, então era. Zé Gumito começou a
gritar parecendo que tava em transe: “Viva São Benedito, o padroeiro dos
desesperados.” A voz grave de Zé levou o resto do pessoal a repetir o refrão e
a caminhada prosseguiu atrás de dona Gertrudes com a imagem do milagreiro. Ela
ia com as mãos em concha e o xale por cima, parecendo que queria esconder o
santo.
Depois de muito caminhar, a beata
parou na escadaria da igreja, e quando o sacristão saiu na porta, ela sacudiu a
garrafa de Jurubeba Leão do Norte que vinha trazendo desde lá de baixo e disse:
“Eu vim trazer a garrafa de Jurubeba pro senhor fazer o remédio do padre. Pega
logo porque estes cachaceiros tão me seguindo desde a hora que comprei, eu dei
muita volta pra despistar, mas não teve jeito. Só não tomaram porque apertei o
passo”. Aí a procissão desapareceu em segundos... Não ficou um devoto.
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