Foi Fato!
Nando da Costa Lima
Luzia saiu
detrás da horta aos berros. O pessoal da venda nem ligou, pensaram que ela
tinha ganhado o que tanto procurou. Continuaram bebendo e jogando “piu”
apostado. Mas ela gritou tão alto que chamou a atenção de todo mundo que se
encontrava na praça: “Virge Santa, é um milagre! Se a luz não fosse de motô,
dava pra abrir um frigurifi de peixe”.
Era muito
peixe, pingava pra tudo que é lado, o povo não sabia se rezava agradecendo ao
milagre ou se catava os bichos. Nas rajadas de chuva com vento, só caia piaba.
Mas quando relampejava, junto ao trovão vinha traíra, bagre, beré, lambari,,,
Foi uma coisa linda, muita gente da época ficou maravilhada com o ocorrido... A
Praça do Jenipapo ficou coberta de peixes, uma lindeza! Quanto mais o povo catava,
mais caia peixe. Mandaram chamar o vigário uma cacetada de vezes pra confirmar
o milagre, tinha que ter a presença de um homem da Igreja. Mas o padre tava
ocupadíssimo com um ex-pistoleiro que, depois que enricou, resolveu ficar em
paz com Deus. O reverendo ia ter que rezar 14 missas seguidas, uma pra cada
alma que Deodato interferiu no destino. Ele tava ajoelhado segurando uma vela
de 7 dias e apertando com raiva, já tinha ficado aborrecido com um sacana de um
sacristão metido a besta, nem o prefeito e nem ninguém ia livrar o padre
daquela incumbência. Deodato não ia suspender uma promessa tão planejada por
causa de um boato de feira. “Chuva de Peixe” era conversa pra boi dormir! Como
é que o prefeito, um homem estudado, tava acreditando naquilo? Mas a verdade é
que se o padre saísse dali a coisa ia ficar feia, não passava da escadaria...
Quem contou tudo isso foi o próprio sacristão, ele tava catando uma fieira de
peixe e resmungando em voz alta. Falou que o padre botou ele pra correr por
causa de um afilhado de Dotô Régis que até palavrão falou dentro da igreja, um
herege sem salvação! Mas tem que ver que, se o padre não fizesse a vontade
daquele filho da puta, ele ia acabar aprontando lá dentro da catedral.
A chuva
demorou, e o mais interessante é que apesar de ter chovido em toda a cidade, só
caiu peixe na Praça do Jenipapo. Nas outras partes da cidade só caiu água. Só
na Baixa da Égua que chegou a cair uns peixes. Mas o grosso, o que se podia
chamar de milagre, só caiu lá na praça. Teve comerciante que salgou pra vender
pra vizinhança, tinha gente de carroça, de galinhota. Tinha até um caminhão de
Piripiri que carregou de peixe, levou até na boleia!
O Cabeludo
do hotel tava com uma fieira de traíras eradas, ia levar pro prefeito e
aproveitar pra ver se ele tentava liberar o padre pra constatar o “fenômeno”.
Um milagre! Nestas coisas tem que ter a presença de um religioso, senão fica
todo mundo de mentiroso. E o milagre ainda estava ocorrendo, eles tinham que
correr contra o tempo pra não deixar Conquista fora da lista das cidades
milagreiras. Naquele tempo, um título desses atraía muitas visitas. Só que a
brutalidade de Deodato era tão conhecida que até o prefeito tava receoso de
encostar naquela comitiva. Até o padre tava suando frio! O prefeito sabia que
sem um padre e um fotógrafo, nada podia ser feito. Até quem comeu dos peixes ia
passar por mentiroso. Por precaução, levou um cabo e dois soldados pra ajudar a
trazer o vigário. Na igreja, o mandatário até tentou se aproximar, mas quando
os soldados viram de quem se tratava, resolveram ficar de fora. Quando o
prefeito arriscou chegar perto, o vigário tava na metade da segunda missa.
Na promessa
de Deodato ainda estavam faltando 12 missas, sem falar nas confissões dos
componentes da empreitada religiosa. Pela cara do pessoal, principalmente
daquele afilhado desaforado de Deodato que tava doido pra inaugurar o “canela
seca” novo que o “padim” tinha dado, o prefeito achou melhor desistir. Não
seria ele que iria mexer naquele ninho de cobra. Ele, como todo político, usou
da astúcia e pensou como um líder: “Se o pobre do padre não pode ir, vai ser o
jeito eu pegar um fotógrafo e mandar registrar tudo. Depois das fotos
reveladas, até o bispo de Salvador vai comprovar o milagre”. Só que,
infelizmente, os dois únicos fotógrafos da Terra do Frio estavam viajando pelas
redondezas registrando batizados, casamentos, aniversários... Sem um padre e
sem um fotógrafo profissional, era bom ele nem aparecer na praça. Já pensou, um
prefeito falar duma “chuva de peixe” sem ter um retrato pra mostrar ou um
vigário pra comprovar? Seria um suicídio político, a oposição cairia de pau:
“Mentiroso”, “doido”, “bêbado”.
E o
político experiente achou melhor nem passar pela Praça do Jenipapo. Assumir
aquela responsabilidade sozinho... Tá doido! Milagre é coisa pra ser comentada
por padre, bispo, ou até o Papa. Mas nenhuma autoridade pode constatar um
milagre. Se o reverendo for político, o milagre já fica “meia-boca”. A Igreja
só gosta de coisa concreta. Milagre é coisa séria!
E foi por esta
sequência de imprevistos que a Praça do Jenipapo não se tornou a “Praça do
Milagre”. Ninguém nunca conseguiu provar a veracidade do fenômeno. Sabe-se que
teve um caixeiro-viajante que tirou uma cacetada de fotos, mas o povo tava tão
assustado com o acontecido que ninguém se lembrou de perguntar de onde ele era.
Mas não era pra menos, com uma chuva abençoada daquelas, ninguém tava nem aí
pra nada... Só queriam catar peixe e agradecer pelo milagre.
Teve um
vigarista que tirou a fotografia de um peixão com mais de sete quilos,
envelheceu a foto e quis vender como se fosse o retrato de um peixe que caiu na
Praça do Jenipapo. Disse que foi o avô dele que fotografou, mas a mentira
estava na própria fotografia: o maior peixe que caiu na chuva milagreira pesava
de dois quilos a dois quilos e meio! E só choveu peixe de rio, não caiu uma
gota de peixe do mar como o do retrato que o mentiroso queria vender.
Como já foi
dito, o prefeito nem pela praça passou, foi esperto! Era melhor deixar o tempo
e a opinião pública decidirem se foi milagre ou não. Político não pode vacilar!
Mesmo tendo comido das traíras que caíram na chuva... Quer dizer, disso ele não
tinha certeza. Hoje, quando a gente tenta resgatar a história, o povo fala que
é mentira, que ninguém lembra. Nunca vi tanto descrente junto! Tem cidade que o
povo acredita e até faz estátua pra extraterrestre. Aqui não, o povo é muito
cético, não acreditam nem numa chuvinha de peixe...
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