Nem dá mais pra fugir pro Guigó
Nando da Costa LimaSeu Venâncio, no alto dos seus 96 anos, completamente lúcido e bem falante, chegou na cidade a convite do prefeito para a comemoração do centenário de Seu Abreu Contão, mais conhecido por “Anauê”, que por sinal era avô do dito prefeito. Seu Venâncio estranhou, ele vivenciou a história. Abreuzin Anauê era pouco tempo mais velho que ele, mas ele lembrava de tudo como se fosse hoje. Só não tava entendendo porque a festa prum ordinário daquela qualidade. Dona Janoca, secretária de cultura, explicou pra Seu Venâncio que toda cidade tem um herói, e o herói dali era Abreu Contão, que morreu com uma rajada de balas empunhando a bandeira brasileira. Quando a secretária acabou de narrar o fato histórico, Seu Venâncio (pálido de raiva) retrucou:
– Vocês me fizeram sair da minha rocinha pra vir participar duma mentirada dessas, senta aí dona secretária, pelo menos a senhora tem que escutar a verdade.
E começou a narrar o caso do jeito que realmente aconteceu:
– Abreuzin nem integralista era, era só simpatizante. De tão medroso, nunca participou de nada que dizia respeito ao integralismo ou qualquer outro “ismo”. A aproximação dele com os “camisa verde” foi depois que Getúlio começou a perseguição. Como ele era cacheiro viajante, ficava fácil pra ele fazer contato entre os fugitivos e as famílias. Levava cartas, mantimentos, e principalmente, avisava quando havia algum perigo. Da amizade dele com o integralista João do Brejo, casado com uma mulher linda. Quando João entrou pra clandestinidade, muito namorador de plantão ficou alegre, todo mundo alimentava uma paixão enrustida por ela. E foi nesse tempo de fugas, bilhetes e recados que Abreu se tornou íntimo do camisa verde mais considerado do movimento. João do Brejo, além de atirar muito bem, era um homem de coragem. Se estava se escondendo, era porque com o governo “ninguém dá as caras”. E pra encurtar a história: de tanto Anauê ir buscar carta pra entregar ao fugitivo, acabou caindo nas graças da madame, e a cidade toda já comentava. E nesse vai e vem de fuxiquento, o caso acabou caindo no ouvido do último a saber… E Zé do Brejo era um homem sistemático, não falou nada a respeito do caso. Só carregou o revólver de estimação, e nem roupa levou, sabia que aquela sua decisão de se vingar não ia ter retorno. E foi dito e feito: o que parecia ser uma discussão a respeito do destino dos Integralistas, não passou de uma crime passional. Quando Zé do Brejo entrou na ponta dos pés em sua casa, os amantes nem notaram, só foram ver o corno na hora que ele entrou no quarto do casal e pegou os dois pelados. Abreu tentou se safar apelando pra ideologia do amigo: empurrou a amante pro chão, ficou em pé em cima da cama acenando a “caçola” dela, que era o único objeto verde que ele achou pra simbolizar o movimento, e gritou “ANANUÊ, ANAUÊ”. Mas nesses negócios de mulher, não tem ideologia. Levou meia dúzia de balas “nos peito” e morreu no lugar, só sobrou o apelido: Anauê! E fica esse povo fazendo feriado por causa de um sacana desses! Centenário de Abreu Contão… Vou voltar pra minha rocinha!
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