A Cruz e a
Espada
Nando da Costa Lima
Na primeira
metade do século passado (pelo que eu leio e escuto) os homens eram mais
espirituosos, devia ser a maneira de passar o tempo, sem a tecnologia de
hoje...
A catedral
tava um brinco, as senhoras da cidade fizeram questão de caprichar. Todo ano um
grupo de festeiras ficava responsável pela limpeza e decoração da igreja matriz
nos festejos de sua santa padroeira. Tinha uma missa na saída da procissão e
outra na chegada. Aconteceu que na véspera do dia da padroeira da cidade, um
burro de carroça morreu ao lado da catedral. Aquilo causou um incômodo geral, o
animal logo começaria a entrar em decomposição e isso causaria grandes
transtornos. Se fosse um animal menor, o próprio padre teria resolvido com a
ajuda de alguns fiéis. Mas era um burro enorme, ali só um caminhão da
prefeitura pra dar um jeito, era só jogar o animal na carroceria e dispensar em
algum lugar. Nesses tempos a gente ainda usava o termo “vou jogar no mato”.
Tudo que tinha pra ser descartado, em vez de ir pro lixo, ia pro mato. E esse
seria o fim do bicho, jogariam o burro no mato e os urubus se encarregariam do
resto.
Quando
o padre ficou sabendo que o burro já estava fedendo, mandou logo o sacristão ir
ao encontro do prefeito, que apesar de ser seu adversário político, era o único
que poderia dar uma solução para o problema (O sargento iria se sentir ofendido
se o padre lhe pedisse auxílio, um revolucionário prendedor de integralista não
ia enterrar burro para padre). A festa da padroeira era motivo de orgulho para
toda a cidade, principalmente para o prefeito. Só que ele, famoso pelo senso de
humor, recebeu o sacristão, ouviu o recado do padre e enviou um bilhete como
resposta, sem perder a piada. O padre quase morre de raiva ao abrir o bilhete:
“Caro reverendo, é dever dos religiosos dar assistência aos mortos”. Mas pra
não sair perdendo, o padre, que também era muito espirituoso, escreveu uma
tréplica ao prefeito que tentou desmoralizá-lo, e mandou ele dar assistência a
um animal pagão: “Prezado Sr. Prefeito, quando eu pedi pro senhor mandar pegar
o burro que morreu aqui do lado da Catedral, o senhor respondeu que era eu,
como religioso, quem deveria encomendar o corpo do defunto (o burro). Por isso
estou respondendo que nós, sacristãos, antes de fazermos qualquer procedimento
com o corpo, temos de avisar à família do morto”.
E
na festa da padroeira, só se falava na rusga do padre com o prefeito.
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