quinta-feira, 26 de outubro de 2017

JEREMIAS MACÁRIO - COLUNISTA VIP:

A REVOLUÇÃO QUE SACUDIU O MUNDO (Final)

AS TRAPALHADAS E A BEBEDEIRA
Jeremias Macário 
Os erros também se sucediam do lado bolchevique. Como sinal para invasão do palácio, os oficiais combinaram levantar uma lanterna vermelha no topo do mastro da fortaleza “Pedro e Paulo”, só que na confusão esqueceram de providenciá-la. Um comissário foi obrigado a sair em busca do objeto. Conseguiram uma lanterna, mas a cor era diferente. O pior é que o cara se perdeu na escuridão e caiu num brejo. A lanterna não foi erguida, nem o sinal foi dado. Por volta das 19 horas, o comando deu um ultimato, mas nada aconteceu. 
Depois de muitas lambanças e desencontros, finalmente, por volta das 22 horas o cruzador Aurora deu um tiro de festim como sinal para o assalto. O Batalhão de Choque Feminino do Palácio entrou em pânico. Foi aí que os comandantes bolcheviques conseguiram reunir uma força maior.
Carros blindados romperam as paredes de entrada com tiros de metralhadora. Só então os Guardas Vermelhos caíram na real de que o Palácio encontrava-se sem defesa. As portas não estavam trancadas. Mesmo desorganizados, lá pela madrugada do dia 26 de outubro penetraram em suas instalações. Só depois de muita confusão, os ministros de Kerenski, reunidos num salão onde Nicolau II sempre jantava com sua família até antes de 1905, resolveram se render.

PILHAGEM E CENAS DE VANDALISMO

Conforme conta em seu livro o escritor Simon Sebag, na madrugada (por volta das duas horas) o Comitê Militar declarou todos presos. A ordem foi o sinal para o início da pilhagem geral, enquanto os lacaios do Palácio tentavam conter os saqueadores. O filme de Eisenstein mostra muito bem as cenas de vandalismo e de confusão. O comando do Comitê Militar Revolucionário perdeu o controle, e mulheres do batalhão foram violentamente estupradas.
O mais cômico aconteceu com a adega de vinho de Nicolau II, que tinha garrafas do tempo de Catarina, a Grande, e enorme estoque de 1847. Ninguém resistiu, todos ficaram embriagados. Chamaram os guardas dos comitês Regionais para controlar a situação, mas eles também entraram na farra. Carros blindados foram ao local para retirar a multidão e também os soldados caíram na orgia desmedida. Ao anoitecer do dia 26 o Palácio virou um bacanal.
O chefe do CMR, Antónov-Ovséiienko, chamou a Brigada de Incêndio de Petrogrado para inundar a adega de água, mas os bombeiros também se embriagaram, conforme relata Simon Sebag. Para conter a loucura, resolveram, então, quebrar as garrafas na Praça do Palácio. “A multidão bebia o vinho da sarjeta”. Em pouco tempo, toda cidade estava de porre.
Quando Kámenev anunciou que o Palácio de Inverno, o Smólni, finalmente caíra, Lênin tirou seu disfarce e apareceu como novo líder da Rússia. Stálin saiu da multidão e de tão eufórico ficou vários dias sem dormir, redigindo o “Apelo ao Povo”. Como narra John Reed em seu livro, a cidade estava tranquila.
Exausto e estendido ao lado de Trotski, numa pilha de jornais, Lênin disse: “Sabe, passar tão depressa das perseguições e da vida clandestina ao poder faz a cabeça da gente girar”. Era manhã do dia 27 e, à noite, o Congresso teria que se reunir, para traçar os destinos da nação. Por volta das 21 horas, o homem de cabeça grande, calvo, nariz arrebitado, líder mais pelo intelecto, sem graça e humor, apareceu e foi recebido com aplausos (John Reed). “Devemos agora tratar de construir a ordem socialista”- bradou.

Quando Kámenev e Trotski propuseram abolir a pena capital no exército, Lênin ouviu, pensou e respondeu ser uma ideia absurda. “Como vocês querem fazer uma revolução sem fuzilar gente?”. Kerensky e sua gente exilaram-se na Embaixada dos EUA.
O poder já estava em outras mãos e o povo continuava na sua vida rotineira. Assim foi a Revolução Russa, que muitos historiadores questionam, indagando se não foi um golpe. Alguns preferem situar o desfecho como golpe e revolução.
Os mencheviques, os socialistas revolucionários de direita e parte da social-democraciaeuropéia denunciaram o caráter golpista da insurreição. O Conselho dos Comissários do Povo, com o ingresso dos socialistas revolucionários, passou a ser dirigido por Lênin. Foi instalada uma ditadura política que perdurou por mais de 80 anos.
Antes da situação ficar consolidada aconteceram muitos conflitos, divergências e dissidências (matança do tzar e sua família), resultando numa guerra civil nos anos seguintes entre brancos e os revolucionários vermelhos.
Somente em 1920 os bolcheviques assumiram de vez o comando do Estado. A Rússia estava arrasada e isolada, sofrendo escassez de tudo. Para completar a situação, em março de 1921 os marinheiros de Kronstadt se rebelaram em solidariedade aos grevistas; pela liberdade de expressão; libertação de presos políticos; e outras reivindicações.

DE LÊNIN PARA STÁLIN

Por fim, as forças bolcheviques esmagaram os marinheiros, mas o país entrou em ruínas. Entre 1921/22 a fome, as truculências do poder e as epidemias dizimaram mais de cinco milhões de pessoas. Com a morte de Lênin em 1924, Stálin (IóssifVissariónovichDjugachvíli) toma o poder na base da força, esmagando antigos companheiros de luta e inimigos. Passa, então, a comandar, com mão-de-ferro, a União Soviética até 1954, matando de forma impiedosa e cruel quem atravessasse em sua frente.
Para sua ascensão, o próprio Stálin reconhecia que os quadros intermediários foram decisivos, como interpreta o escritor SlavojZizek em “As Portas da Revolução – escritos de Lênin de 1917”. Ele tinha o slogan de que “as pessoas são nossa maior riqueza”. Talvez Stálin estivesse se referindo aos quadros. Depois de Lênin, Trotski era o mais popular, mas Stálin tinha o apoio dos quadros intermediários.
Na qualidade de secretário Geral do Partido, Stálin indicou milhares de pessoas que “mereciam” ter tido seus cargos desde o início dos anos 20. É por isso, segundo Slavoj, que Stálin não queria que Lênin morresse em 1922, recusando seu pedido para que lhe dessem veneno para dar cabo da vida, depois que fora vítima de um derrame. Como secretário Geral, Stálin ainda não havia dominado o partido. Precisava de mais tempo para, através do trabalho de seus quadros, triunfar sobre figuras mais antigas. E foi o que aconteceu em 1924 quando Lênin morreu.
No pensamento de Brecht, um comunista diz a verdade quando ela é necessária, e mente quando é necessário; ele é gentil quando necessário e bruto quando necessário; ele é honesto quando necessário e trai quando necessário... De todas as virtudes, possui apenas uma: ele luta pelo comunismo.

Nisso, estava, sem querer, mostrando como Stálin encarava a moralidade e como agia para chegar ao poder. No sentido foucaultiano, sua ética se resumia no cuidado consigo mesmo. Era perverso e destruidor, quando necessário. 

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