TODA ÁRVORE É
MÍSTICA
Nando da Costa Lima
A conversa foi
entre Osmundo Patureba e seu sobrinho Wanderval Colibri. Ele tava fazendo de
tudo pro rapaz entender que aquela árvore era uma figueira e não uma gameleira…
É que ambos eram lobisomens, e Patureba tava explicando ao sobrinho que ele
tinha que debutar (virar lobisomem pela primeira vez) debaixo de uma gameleira
preta, num local em que uma jega tinha parido. Isso era uma lei para lobisomem
nordestino. Lobisomem americano é outra coisa, transforma até em banheiro
público, a química é totalmente diferente.
O tio de Colibri já estava ficando
retado, o rapaz estava irredutível: sua primeira transformação tinha que ser na
figueira da Olívia Flores, era mais chic! E ainda esnobou o tio dando uma aula
de geografia, disse que aquela figueira centenária fica exatamente na linha em
que a caatinga beija a mata. Sendo assim, qualquer árvore que nasce nessa linha
pode ser considerada mágica para lobisomens e outros tipos de livusias. A
figueira fica em frente ao supermercado G. Barbosa que, apesar de forasteiro,
se prontificou a proteger a velha árvore. Conquista agradece.
Pra virar lobisomem, o sujeito tem
que tirar a roupa toda, virar pelo avesso, dar três nós pra emendar a cueca,
camisa e calça; dar uma mijada em cima e deitar debaixo duma gameleira, de preferência
no lugar que os jegues gostam de se esconder do Sol. Hoje aqui é difícil ver um
jegue, quanto mais um lugar seguro pra virar lobisomem.
Osmundo Patureba estava tentando dar
um jeito no jovem:
— Meu sobrinho, confie na minha experiência, vá por mim! Na
minha roça tem tanto pé de gameleira, lá você pode “virar” sossegado. Pra quê
essa implicância de se transformar na árvore errada, e ainda por cima no
estacionamento de um mercado… Eles estão lhe pagando alguma coisa? É a tal da
merchandising?
— Nada disso, titio. O senhor acha que eu usaria a minha
primeira transformação pra aumentar venda de loja? Eu escolhi ali porque nasci
pra brilhar, eu vou virar uma estrela! Mas vamos parar com essa conversa, eu já
estou decidido.
— Faça isso não, Colibri! O ponto certo fica pra lá do Guigó,
ali que é o lugar certo pra virar um lobisomem. Ninguém vai lhe incomodar, e se
não me engano, na Lagoa D´água ainda tem muita casa de farinha.
— Tio Patureba, tá ficando doido? O campo hoje tá perigoso
até pro homem. Aqui não, o povo é civilizado, é só não invadir o espaço alheio.
O pessoal daqui só não gosta de gente “metida à besta”. Tirando isso, Conquista
é o lugar do pessoal mais amistoso da Bahia. Só não pode abusar!
— Eu sei, Colibri. Aqui é o melhor lugar do mundo, mas pra
virar lobisomem é um perigo. Tem um fazendeiro em Itororó que coleciona couro
de Lobisomem. Flávio paga bem, tem mais de dez couros… Vai por mim, meu
sobrinho, eu sou das antigas. Sou do tempo do Carrascão.
— Esse tal Carrascão era pra quê mesmo?
— O Carrascão foi a melhor boate da capital do sudoeste
baiano.
— E pra quê essa bobeira de chamar Conquista de Capital? Tá
querendo puxar o saco de alguém?
— Me respeite e respeite a capital mais retada do Brasil!
Conquista nunca comeu farofa de ninguém! Besteira é o que você acabou de falar,
parece menino buchudo. Ou então é baitola, vai virar “loba”.
— Cruz credo, titio. Além de racista o senhor é homofóbico.
Vou espalhar pra cidade toda, pode esquecer a prefeitura. Se deu mal.
— Cala a boca, Colibri. Se você ficar quieto, eu juro que dou
um jeito pra você se transformar em frente à figueira da Olívia Flores.
— Posso escolher a data, tio?
— Pode sim, seu filho da puta chantagista. Vê se esquece esse
negócio de racismo e homofobia, isso é um suicídio político. Logo agora que eu
convidei o compadre Dioclídio Dedo Mole pra ser meu vice. Se vazar alguma
conversa, vão me crucificar. E se Dedo Mole sonhar com uma coisa dessas, eu tô
fudido. Ele também tá doido pra ser prefeito. Portanto, por todo amor que você
tem por São Crispiniano, vê se esquece que eu existo.
— Ué, tio. Um homem na idade do senhor com medo de valentão?
— É porque você não conhece Dedo Mole. Agora então que ele
ficou sabendo que pode atirar em qualquer um que invadir sua propriedade, ele
já matou mais de dez. Tá doido!
— Mas tio, nesse caso ele tá coberto de razão. Se o sujeito
pula o muro de sua casa ou a cerca de sua fazenda, você tá liberado pra agir.
— Eu sei… Mas só tem um problema: Dedo Mole mata na rua e
depois joga o corpo no quintal da casa dele… Já pensou se essa moda pega? Você
mesmo, que vive querendo pular o cercado dos outros, tá lascado!
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