VEGANO SÓ
AMANHÃ
Nando da Costa Lima
Ivonete gostava do jeito elegante do
marido. Ele era bacharel em direito, mas como não conseguiu a carteira de
admissão na Ordem dos Advogados do Brasil, foi o jeito virar empresário. A
mulher tinha dinheiro e logo se prontificou a montar um restaurante pro
imprestável. Por ser 30 anos mais velha que ele, fazia tudo para agradá-lo. E
ele se portava como um bom marido, tratava Ivonete com muito carinho! Também
pudera, até o café da manhã ela levava na cama, sem contar o remedinho pra
esquizofrenia que ela dava na boquinha.
O restaurante era o melhor da cidade,
e o carro chefe era o ensopado de bode ao vinho. Vinha gente de fora pra provar
a iguaria. Foi num feriadão que apareceu um grupo de paulistanos. Eram três
mulheres e um homem. As moças pediram o famoso ensopado, mas o homem complicou
tudo quando disse que era vegano. Marculino, dono do restaurante, chegou a
arregalar os olhos quando soube que vegano não come nem usa nada de origem
animal. Foi depois de muita conversa que ele convenceu o cliente a tomar um
caldo verde enquanto as amigas degustavam o bode. O rapaz aceitou, e gostou
tanto do caldo que repetiu umas três tigelas. Quando terminou, quis saber como
aquela comida maravilhosa era preparada. Depois que o cozinheiro explicou que
se refogava o couve na manteiga e depois colocava um tablete de caldo de
galinha pra dar gosto, o “veganão” subiu nos tamancos, ficou puto… Começou
fingindo que tava passando mal, e aos berros acusava o dono do recinto de ter
feito ele comer um “cadáver de galinha”. O cara ficou doido! Vai ser vegano
assim “nas Oropa”. Vomitou tudo, nem se deu ao trabalho de ir ao banheiro.
Derramou em cima da mesa, foi a maneira que achou de protestar. O povo
brasileiro tinha que aprender a conviver com os veganos.
Marculino ficou o dia limpando a
sujeira que o porra do “veganão” tinha feito e ainda por cima não pagou a
conta, alegou que aquilo foi quase uma tentativa de assassinato. E olha que se
o dono do restaurante estivesse armado a coisa acabaria de outra forma, a sorte
dele foi que o decreto do governo não permite arma pra bacharel, só tem direito
quem tem a carteira da OAB... Ele até tentou comprar uma arma, mas bacharel só
pode usar badoque e espingarda de pressão se passar no psicoteste. Nem adiantou
ele alegar que tinha curso de doutorado no estrangeiro. Marculino tava
desolado, e dona Ivonete chegou pra consolar o maridão que tava uma fera.
— Ô, mozão. Você tem que levar em conta que o sujeito pra ser
vegano tem que ser milionário. É difícil se adaptar ao regime deles, não se
pode comer nada que um dia foi vivo. Eles só comem verduras, frutas e sucos…
Não come nem ovo!
— E como é que eles viajam? A pé? E se for a pé, calçando o
quê?
— Tem muito sapato já fabricado pra esse tipo de consumidor,
são caríssimos! Não pode ser de couro nem de plástico.
— E como é que eles viajam? Rico gosta de viajar! Carro a
álcool também é lubrificado com óleos e graxas derivadas de animais, dos
fósseis.
— Essa parte eles ainda não me explicaram, mas só o
sacrifício de comer folha com folha pra desintoxicar o corpo e cuidar do
planeta já mostra que eles têm boa vontade.
— É, Ivonete. Parece que você parou de me amar. Tá caindo até
nas conversas dos veganos., Você acha certo o que aquele merda fez no meu
restaurante, só por causa de um caldinho de galinha? O homem quebrou tudo, além
de acabar com o movimento do lugar
. Se eu tivesse minha carteira da OAB eu podia tá com um
fuzil, aí aquele sacana ia ver. Aquele porra até parece que é…
— Não é viado, é vegano!.
— E quem falou isso? Tá querendo colocar palavras na minha
boca pra me complicar? É melhor você usar seu aparelho de surdez, desse jeito
você me incrimina em vez de me ajudar. Quem mais sabe o que é um vegano sou eu,
aquele traste paulista fez questão de explicar tudo pausadamente, tintin por
tintin.
Marculino conseguiu manter o
restaurante aberto a custo de muito sacrifício, tava pegando cliente a laço.
Ficou traumatizado com o “veganão” paulista. Só foi se estabilizar depois que a
esposa teve a brilhante ideia de colocar uma placa na entrada: “VEGANO SÓ
AMANHÔ.
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