O Código
Pedro Astróbio falava pelos
cotovelos. Quando ele pedia a palavra, o povo morria de raiva, e era em
qualquer ocasião: aniversário, casamento, enterro… Foi num enterro que
aconteceu um caso que deixou o palestrante mais de 15 dias fora do ar. O povo
deu graças a Deus, era época de política. Aconteceu que no dia do enterro do
sargento Neocelindo ele estava presente. O sargento era muito bem quisto,
várias autoridades falaram na cerimônia fúnebre, e Astróbio tava pra endoidar
de vontade de falar, mas na fila dos mais importantes ele ficava no final.
Demorou de chegar sua hora, e quando chegou o povo já estava querendo fechar o
caixão, sabiam que se ele começasse seria no mínimo mais uma hora. Mesmo assim,
cederam a palavra. Quando ele levantou os braços pra começar a oratória, saiu
um espirro tão brabo que até a dentadura caiu dentro do caixão. Ele fez um
sinal pro pessoal que estava perto do caixão para pegarem a dentadura, mas eles
entenderam que era pra fechar o caixão. Mesmo banguelo, o orador ainda colocou a
mão na boca e falou: “Vai, meu sargento, e leva meu sorriso contigo”. E foi
esta atitude que o levou a trabalhar nos bastidores da política.
A política tava pegando fogo, Pedro
Astróbio não parava num canto, rodou a região quase toda numa rural fazendo campanha
pro padrinho. O partido tinha mais de 10 carros fazendo esse trabalho de campo,
tinha que correr atrás… O sonho de todo prefeito era trazer o governador na
sede que ele representava, que conseguisse fazer isso ficava bem. Só que
naquela política de conchavo o governador sempre se resguardava, evitava fazer
esse tipo de campanha. Geralmente, os eleitores que se dividiam na política
regional, mas votavam fechado com o governador. Só quando a coisa tava muito
feia, correndo o risco de não eleger seu sucessor, é que a comitiva do governo
aparecia nos maiores currais do estado pra garantir uma vitória de porteira
fechada. Se o governo atendesse ao pedido de um candidato, este estava quase
eleito. Mas quando essas visitas governamentais eram confirmadas, tinha que ser
debaixo de muito segredo. Era pra ter o fator surpresa pra impressionar o
eleitorado, o povo e, principalmente, a oposição. Só ficavam sabendo da visita
ilustre faltando poucas horas pro comício! Só assim pras coisas correrem de
acordo, não dava nem pra oposição protestar. O povo ficava tão alegre com a
presença do governador amigo do candidato que enchia a cara de cachaça
distribuída de graça, e tudo era festa. Mas isso graças aos competentes
assessores que faziam acontecer tudo em segredo, usavam até códigos. As coisas
tinham que acontecer secretamente para evitar picuinhas….
E foi numa dessas eleições que Pedro
Astróbio recebeu uma incumbência que o deixou emocionadíssimo e se sentindo um
articulador político de alto nível. Ficou tão empolgado que foi em Conquista e
mandou confeccionar vários ternos no Beco da Tesoura. Na semana do evento ele
tinha que estar elegante e usar um terno por dia, sendo que no dia do comício
ele ia usar um pela manhã, um à tarde e um à noite. A mulher tava dando a maior
força, também mandou fazer uma dúzia de vestidos longos pra acompanhar o marido
no dia do grande acontecimento.
Acontece que o candidato a prefeito,
seu padrinho, mandou Astróbio até a capital pra conversar com um deputado
estadual pra juntos conseguirem uma visita ao reduto eleitoral do candidato que
era do mesmo partido que o governador. O governo estava evitando esse tipo de
campanha, que segundo os assessores só atrapalhava, e além disso, tinha o gasto
com avião pra carregar a comitiva. Mas no caso de Astróbio, os assessores viram
que se tratava de um grande reduto, tinha mais de 20% dos votos do estado.
Seria uma boa jogada do governo, tava precisando fixar a situação na região. Os
assessores marcaram uma reunião com o cabo eleitoral e o deputado estadual
eleito pela região, quando deram a notícia de que o governador tinha concordado
com a visita, eles quase choraram… Depois, em conversa reservado com Astróbio,
a equipe do governo explicou que todos só deveriam ficar sabendo da chegada
horas antes do avião pousar, o fator surpresa era essencial nesse tipo de ação
política, era um xeque-mate quando se tratava de eleição. Os assessores do
governador insistiram no total sigilo da missão. Mandaram Astróbio permanecer
na capital e só comunicar ao prefeito da visita faltando poucas horas, e de
maneira bem discreta. O governador iria abrilhantar o último comício marcado
para a praça principal. E hospedado num hotel no centro da capital, Astróbio
pediu à direção do lugar que reservassem um andar do hotel só pra ele,
necessitava de espaço e silêncio pra enviar uma mensagem ultra secreta pro
prefeito que ele representava.
Nesse tempo, a única maneira de se
comunicar era por carta, telégrafo ou rádio amador. Este último estava fora dos
planos, muita gente podia captar a mensagem codificada. A melhor opção era o
telégrafo, e foi nele que o assessor político Pedro Astróbio redigiu e enviou
umas das pérolas da comunicação política. Para evitar que a oposição e os
curiosos ficassem sabendo que o avião do governador ia pousar na região pra
prestigiar o prefeito, Astróbio fez a barba, colocou outro terno novo e se
dirigiu aos Correios. Lá ele fez uma reunião particular com o telegrafista
responsável, e em segredo absoluto, com um código que segundo os dois era uma
obra prima (o telegrafista da região era suspeito de ser da oposição), enviaram
o seguinte telegrama: “Grande futuro
cacique do Planalto dos Mogoiós: pássaro de ferro irá pousar com grande chefe
branco, 3 horas antes do comício começar”.
E deu tudo certo… Só que o
governador, ao tomar conhecimento do telegrama codificado, teve uma crise de
riso que quase não sobe no palanque.
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