Como reconhecer uma notícia falsa para não compartilhar mentiras
Um passo a passo de checagem para não cair em truques feitos para ganhar cliques ou influenciar as eleições
A
atriz Patrícia Pillar tem sido frequentemente envolvida em 'fake news'. ESTEVAM
AVELLAR/REDE O O GLOBO - Colaboração de Carlos Albán GonzálezJ.
R. H.
Em época de eleições polarizadas, espalhar boatos (as famosas fake
news) se tornou uma estratégia comum para confundir e influenciar os resultados. É só abrirmos as redes
sociais e lá está aquele áudio, texto, foto, vídeo customizado para
provar nossa ojeriza por determinado candidato ou alimentar nossa
preferência por outro.
Essa guerra de informações não é novidade. Em 2016, mentiras criadas e espalhadas por motivação política e econômica influenciaram
—em que medida ainda é um debate— a vitória de Donald Trump nas eleições
presidenciais norte-americanas. Essas matérias inventadas chamam a nossa atenção por serem sensacionalistas (exemplo: Clinton vendeu armas ao Estado
Islâmico ou Pablo Vittar vai ter um programa infantil na TV Globo),
mas também por dialogarem com nosso desejo (muitas vezes oculto) de que
determinada mentira seja verdade.
Temos que admitir: identificar uma notícia falsa nem sempre é fácil, e
mais difícil ainda é vencer a tentação de compartilhar uma história só
porque queremos que ela seja verdade. Por isso, antes de sair por aí
espalhando mentiras (e em caso de dúvidas, claro),
estes são seis sintomas que deveriam pelo menos nos fazer suspeitar do
conteúdo.
1. A notícia é boa demais para ser verdade.
Imagine aquela cantora querida em todo o Brasil vindo a público para
afirmar que determinado candidato conservador é na verdade gay. Foi isso
que aconteceu recentemente com uma fake
news envolvendo Rita Lee e Jair Bolsonaro (PSL). Um tuíte da
cantora foi compartilhado nas redes e viralizou entre apoiadores e
críticos do candidato:
Bolsonaro e eu tivemos um caso. Ele ñ era mto chegado na coisa, se é q me entendem. Terminamos pq Bolsinho tava d olho num colega d classe— Rita Lee (@LitaRee_real) 17 de maio de 2011
Rita Lee realmente escreveu esse tuíte, mas, como
revelou o BuzzFeed, o texto faz parte de uma série de fanfics
(narrativa ficcional, escrita e divulgada por fãs)publicados pela cantora entre entre 2010 e 2013. Muitas
vezes, as notícias falsas têm origem em piadas, como é o caso da frase
de Fidel, também falsa, em que dizia que Cuba reataria com os Estados
Unidos quando este país tivesse um presidente negro, e o Papa fosse
latino-americano. E, não, Castro tampouco disse
que só morreria depois de assistir à destruição dos Estados Unidos.
A intenção de veículos como Sensacionalista e The
Onion (assim como da Rita Lee) não é, nem de longe, enganar
ninguém, e sim parodiar a atualidade (e seu tratamento jornalístico).
Mas se não conhecermos o site, ou, pior, se for difundido em outro
veículo sem perceber que se trata de conteúdo humorístico,
corremos o risco de nos confundir.
Em geral, é preciso desconfiar de histórias que encaixam de uma forma
tão perfeita que parecem pré-fabricadas. Em geral, são mesmo.
2. Não há fontes mencionadas
Outro boato amplamente divulgado recentemente é o de que 16 milhões de dólares em dinheiro e joias apreendidos pela Polícia
Federal com o vice-presidente da Guiné
Equatorial, Teodoro Obiang Mang, depois que ele e sua comitiva
pousaram em São Paulo, teria como destino a campanha de Fernando Haddad,
do PT, ou a Adelio Bisco, o homem que atacou Bolsonaro. O Projeto
Comprova, uma coalizão de 24 veículos de mídia com o objetivo de
combater a desinformação no período eleitoral, foi atrás da informação e
afirmou que "não há indícios" para confirmar o boato.
Não é à toa que a maior parte das notícias falsas não menciona nenhuma
fonte, o que dificulta seu rastreamento. Por exemplo, um dos boatos mais
compartilhados durante as eleições norte-americanas dava conta de que o
papa Francisco apoiava Donald Trump. O texto
falava de “meios de comunicação”, citava um comunicado sem links e, em
algumas versões, chegava inclusive a incorporar declarações de “fontes
próximas ao Papa”, mas sem dar nomes.
Também é preciso desconfiar se a fonte é alguma variante do clássico “um
amigo de um amigo”. Ou seja, se são citados dados vagos, como “todo
mundo conhece alguém que…” ou “já vi muitos casos de gente que…”. No
mínimo, é muito possível que o autor esteja extrapolando
a partir de casos episódicos, ignorando qualquer outra informação que
contrarie sua versão.
Às vezes, atribui-se a declaração a um veículo para lhe dar
credibilidade, como ocorreu com a também falsa declaração de Trump de
que “os republicanos são os eleitores mais estúpidos”. Pelo menos nesses
casos, pode-se recorrer à fonte citada para confirmar
ou não a informação.
Se o possível boato for uma foto, pode-se procurar a imagem no Google
Images– usando inclusive filtros por data, para evitar o ruído
gerado no buscador nos dias em que esse material é notícia. Às vezes,
trata-se de fotos publicadas previamente e que nada têm a ver com a
suposta notícia. Essa busca também pode ajudar a identificar
montagens.
No caso de notícias sobre virais, como vídeos, fotos e outros, é
importante que o veículo tenha conversado com o autor da publicação
original. Às vezes, trata-se de conteúdo humorístico ou de montagens que
podem ser levadas a sério quando tomadas fora de contexto.
3. O resto do site tampouco parece confiável
Se a notícia continua parecendo suspeita, outras três coisas podem ser
comprovadas muito facilmente sem sair do site que a publicou:
- O veículo. Obviamente, os veículos de comunicação convencionais também publicam notícias falsas, mas por engano e ocasionalmente, não de forma sistemática e porque seja parte do seu modelo de negócio, como ocorre em outros casos. Agora, é verdade também que, quando um veículo respeitado comete um erro desse tipo, as consequências são piores, porque em geral se confia mais nessa publicação.
- Se não conhecemos o veículo, frequentemente basta dar uma olhada na capa para saber se o resto das suas notícias parecem confiáveis, ou se estamos diante de uma publicação satírica ou fanaticamente partidária. Segundo uma reportagem do Buzzfeed, essa última categoria difunde entre 19,1% e 37,7% de notícias falsas, enquanto nos veículos tradicionais analisados o percentual não chegava a 1%.
- A URL. Muitas notícias falsas sobre as eleições foram divulgadas por meio de sites que imitavam os endereços de veículos de comunicação, mas que não eram autênticos, como bbc.co em vez de bbc.com. É importante lembrar que na internet é possível encontrar até mesmos sites geradores de notícias falsas usando o nome de empresas de comunicação. Além disso, nas redes sociais, as contas podem ser identificadas: se aparece o selo azul ao lado do nome no Twitter e no Facebook, pelo menos sabemos que se trata da página oficial da publicação.
4. Não foi publicada em outros veículos
Se uma informação que soa relevante só apareceu no WhatsApp e nenhum
outro veículo de comunicação, é provável que seja falsa. Obviamente,
pode se tratar de uma informação exclusiva, mas, mesmo nesses casos, é
provável que outros veículos a repercutam em breve.
Por outro lado, não se pode descartar que o boato se reproduza sem que
ninguém tenha tomado o cuidado de tentar confirmar sua veracidade.
No caso de informação política, uma boa ideia pode ser buscá-la também
em veículos que tenham uma outra linha editorial. A pesquisa A
Cara da Democracia no Brasil, divulgada pelo Instituto da
Democracia e da Democratização da Comunicação, mostra que a maioria dos
brasileiros não desconfia que recebe notícia falsa. Das 2.500 pessoas
entrevistadas sobre se tem recebido notícias sobre
política, que desconfiam que sejam falsas, 68,3% disse que não.
Mas a distorção não é necessariamente apenas da parte do veículo: muitas
vezes, nós acreditamos naquilo em que queremos acreditar. É muito fácil
questionar os boatos que contradigam as nossas ideias, mas não vemos
nenhum inconveniente em dar como certos aqueles
que as reforçam.
5. Lembra alguma coisa
Muitas dessas notícias seguem um esquema que já foi utilizado em outras
ocasiões. Lembra da história da Rita Lee e do Bolsonaro? Ela se parece
muito com uma história desmentida pelo Boatos.org de
que o ator Marcos Frota havia sido namorado do deputado (também
conservador) Marco Feliciano, em 2016. Na verdade se tratou de uma piada
de Frota com o deputado, que foi compartilhada como se fosse verdade.
Outro candidato que figura na lista do "já ouvi esta história antes" é
Ciro Gomes. O presidenciável foi casado com a atriz Patrícia Pillar e
frequentemente surgem boatos afirmando que ele a agrediu. Pillar gravou
um vídeo desmentindo: "Eu
nunca sofri nenhum tipo de violência da parte de ninguém". E em um segundo
vídeo afirmou que vai votar em Ciro.
Na verdade, as dúvidas sobre a relação de Patrícia e Ciro vem desde
2002. quando o então candidato à Presidência pelo PPS e disse que função
de sua mulher na campanha era "dormir com ele". Ciro vem pedindo
desculpas desde então pela frase que considera "o maior
erro" de sua vida.
6. Sites de checagem de fatos desmentiram antes
Este conselho aparece no final, mas bem poderia ser a primeira coisa a
fazer. No Brasil, há vários sites que checam boatos e mentiras em forma
de notícia. Durante as eleições, o principal é o já citado Projeto
Comprova, que reúne jornalistas de 24 veículos para checar o que
anda circulando nas redes sociais ou no WhatsApp. Mas há outras
iniciativas como a Agência
Lupa (Revista Piauí), o Aos
Fatos e o Truco (Agência
Pública), Boatos.org, E-farsas e Fato
ou Fake(Organizações Globo).
Nos
EUA, o Snopes é a principal ferramenta na hora de confirmar ou
desmentir um boato, pelo menos em língua inglesa. Para mencionar alguns
exemplos recentes, a origem do Black
Friday não está na venda
de escravos e Donald Trump não ganhou no voto popular, apesar do
que disseram algumas notícias falsas. Há também alguns casos clássicos,
como o das galinhas de quatro coxas da Kentucky Fried Chicken. O site
também contém um banco
de dados com os veículos que divulgam notícias falsas.
Logicamente, uma notícia pode ser autêntica e também engraçada. Ou pode
seguir um esquema que lembre o de outras grandes histórias. Ou pode ser
publicada em um veículo do qual não sabemos nada. Por vezes acontece de a
realidade acabar imitando as lendas urbanas.
Muitas boas atraem a atenção justamente por esses motivos. Mas quando
vários desses indicadores aparecem juntos, convém no mínimo desconfiar.
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