O
Trapezista Voador
NANDO DA COSTA LIMA
A cidade
estava alegre, tinha tempo que não aparecia um circo. E pra completar, trouxe
junto Raio, o Trapezista Voador, a sensação do momento. Era aplaudido de pé em
toda cidade que passava. Era alto e forte, usava uma malha preta desbotada, uma
capa verde enfeitada com raios dourados (a maioria despencando) e um tênis conga
branco. A mulherada delirava quando o Trapezista Voador aparecia no picadeiro,
teve até caso de desmaio! A meninada enlouquecia, era uma gritaria só. Todo
mundo sonhando em “ficar grande” pra virar trapezista “avuadô”. Ninguém queria
ser palhaço, dava até briga... O trapezista Raio reinou absoluto, era convidado
pra todo acontecimento da cidade: casamento, batizado, velório. E ele era maniento,
só comparecia nos eventos com o traje que o fez famoso. Isso até acontecer a
tragédia que o levou ao abismo da birita e, consequentemente, a abandonar uma brilhante
carreira. Aconteceu que Deolinda, filha do dono do circo, fugiu com o sacana do
palhaço Mangangá. O Raio Voador se entregou de corpo e alma à cachaça. Foi isso
que causou aquele incidente terrível...
Foi num domingo nublado, ninguém notou que o trapezista voador
tava bêbado. Tinha se alimentado bastante pra curar a cachaça, ia fazer uma
apresentação especial para os ilustres da cidade. Na hora que ele subiu no
trapézio, parecia sóbrio e firme, a plateia nem notou o estado do artista. O
efeito contrário da pinga só veio a acontecer depois da terceira pirueta que
ele deu no ar, deve ter misturado tudo no bucho... Seu Erivelton deu o primeiro
alerta: “Parece que tá chovendo macarrão com môi”. Quando acabou de falar, o
trapezista terminou de despejar a rajada de vômito, melando todas as
autoridades presentes. O sacana tinha comido uma bacia de macarrão número seis
ao sugo, até a miss da cidade foi atingida. A coitada passou a mão no cabelo,
cheirou e confirmou aos gritos: “É gumito!!!”. E o sacana deu sorte: quem tava
assistindo arremessou várias cadeiras nele, mas não pegou nenhuma. Mesmo assim,
quando ele pulou na rede e desceu pro picadeiro, o pessoal pegou ele de porrada
que só faltou matar. Só não tomou uns tiros graças à interferência do delegado,
que o levou preso pra evitar uma tragédia maior. É que o cachorrinho da mulher
do dotô morreu engasgado com a dentadura do trapezista, piorando a situação.
Mesmo
depois de ser espancado e preso, o trapezista voador não se conformou com a
fuga do palhaço. O homem ficou louco. Logo ele, a atração principal. O circo ia
falir se perdesse o palhaço Mangangá e o astro que voava ao mesmo tempo. Teve
que cancelar a apresentação em Poções. O empresário circense já tinha mandado
procurar a sua filha Diolinda em tudo que é canto, mas ninguém dava notícias
dela e do palhaço fujão. Teve um sujeito que encontrou com eles lá em Sompaulo,
numa pensão.
Com o circo
em crise, todos os funcionários passaram a se preocupar com a cachaça do
trapezista, ele era o único que podia salvar a situação. Fizeram de tudo para que
abandonasse o copo. Como o problema era a fuga do palhaço com Deolinda, todo
dia eles arranjavam uma possível substituta. Mas Raio não tinha olhos pra
ninguém, já acordava com um litro de pinga na mão e só bebia no gargalo! Teve
quem achasse que era feitiço, deram até um banho de pipoca com sal grosso e
arruda, mas não adiantou de nada. Pra tirar cachaça de artista, só “rezadô”
especializado.
Passaram-se
seis meses quando Deolinda reapareceu de repente, estava já pra parir e
sozinha, ninguém nem perguntou pelo palhaço. O circo já tinha até um
substituto. Os outros artistas e a meninada foram logo avisar ao trapezista que
ela tinha voltado. Ele, quando soube, engoliu três conhaques e saiu correndo,
todos que estavam no bar foram atrás para ver o reencontro tão esperado, tinha
até gente chorando de emoção. Agora o trapezista “avuadô” recuperava e voltava
a encantar o público com suas piruetas mortais. Quando Deolinda apareceu, ele
nem notou o barrigão, foi logo perguntando desaforadamente: “Cadê o palhaço
Mangangá???”. Quando ela contou sua triste história, todos ficaram sabendo que
Mangangá tinha morrido atropelado em São Paulo...O Trapezista Voador colocou as
mãos na cabeça como se quisesse arrancar os cabelos, e ficou 12 horas
desmaiado. Depois que acordou, nunca mais falou em trapézios nem picadeiros.
Trocou o circo pela pinga.
E a
meninada ficou retada por ter perdido o herói, ninguém mais queria ser o
trapezista “avuadô” quando crescesse. Todo mundo queria ser o palhaço Mangangá,
que fugiu com a filha mais bonita do dono do circo. Se alguém chamasse o outro
de trapezista “avuadô”, era caso de sair na porrada.
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