A
supremacia do futebol europeu
Carlos
Albán González - jornalista
Antes
das finais da 21ª Copa do Mundo, realizada na Rússia, o jornalista Jeremias Macário fez algumas
observações sobre a supremacia do futebol da Europa em relação ao praticado nas
Américas, em particular no Brasil. Sigo o caminho traçado pelo colega e amigo
para colocar minha visão a respeito desse abismo entre os dois continentes,
fruto de diversos fatores, do caráter socioeconômico à miscigenação e à
moralidade administrativa.
O
domínio europeu no futebol deverá aumentar nos próximos anos. A previsão foi
feita pelo esloveno Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, eleito em setembro
de 2016. “Com infraestrutura e as condições cada vez melhores estamos colocando
quatro seleções nas semifinais do Mundial. Nossa vantagem – a última conquista
sul-americana, com o Brasil, ocorreu em 2002 – é atestada nos campeonatos com
equipes sub 20 e sub 17, em torneios de clubes, e, principalmente, na
administração das finanças”, admitiu o dirigente europeu. A vitória da França
em Moscou ampliou para 12 o número de títulos mundiais da Europa, contra nove
das Américas.
Em maio
de 2015 um carro de combate anticorrupção passou por cima do futebol no mundo.
O Comitê de Ética da FIFA afastou por oito anos a Joseph Blatter, presidente
desde 1998 da entidade maior. A punição foi estendida a Michel Platini, o
ex-jogador da França que se encontrava à frente da UEFA. Ambos estão em
liberdade – o Blatter chegou a ser visto nos estádios da Copa, nos últimos
dias.
Os
ventos da moralidade, infelizmente, não atravessaram o Atlântico para varrer a
corrupção aqui no Brasil. Quando irrompeu a onda anticorrupção na Europa e nas
Américas, os cartolas, com exceção de José Maria Marin, preso na Suíça e
aguardando a sentença condenatória em Nova Iorque, permaneceram impunes. Como
não houve empenho das autoridades brasileiras para lhes dar um castigo
continuam a mandar na CBF. O sucessor de Marin, Marco Polo Del Nero, afastado
temporariamente do cargo pela FIFA, usou de uma manobra ilegítima para colocar
uma marionete no seu lugar.
Os
cartolas da Conmebol (sul-americana) e Concaf (norte-americana e Caribe) não
tiveram a mesma sorte. Em maio e dezembro de 2015, por ordem do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos, trabalhando em parceria com a justiça suíça, foram
presos e respondem a processos por suborno e formação de quadrilha.
O atual
presidente da Conmebol, o paraguaio Alejandro Domínguez, que tomou posse em
janeiro de 2016, vem procurando reabilitar o nome da confederação. A pedra no
seu caminho é a entidade brasileira, cujo presidente, Antônio Carlos Nunes da
Silva, 80 anos, um ex-cabo da Aeronáutica e coronel reformado da Polícia
Militar do Pará, foi chamado de traidor e ignorado na Rússia pelos seus colegas
sul-americanos, por não ter atendido a uma orientação da Conmebol.
A CBF
mostrou mais uma vez que não se recusa abrir o cofre quando se trata de agradar
àqueles que lhe são úteis. Além dos 120 familiares dos jogadores brasileiros,
passaram quase um mês na Rússia, com todas as despesas pagas, dezenas de “passageiros
do voo da alegria”. Presidente de fato da entidade, Del Nero optou por ficar no
Brasil, onde tem certeza de que não fará companhia na prisão ao seu amigo
Marin.
Eleitores
fieis aos três últimos cartolas que ocuparam a direção da CBF, os 27 presidentes de federações
estaduais foram convidados a ocupar um assento no alegre vôo, mas apenas 16
viajaram, entre eles o conquistense Ednaldo Rodrigues, que há quase 20 anos
preside a Federação Bahiana de Futebol (FBF).
Poder
econômico e miscigenação
Os
salários altíssimos, pagos em dólares e em euros, enchem os olhos de todo
garoto pobre desta parte do mundo, a partir dos primeiros chutes numa bola.
Neymar é o exemplo para muitos pequenos brasileiros, e, por que não, para os
seus pais, que sonham em deixar a periferia das cidades. Por outro lado, os
clubes, com dívidas elevadas, almejam surgir um jovem e promissor atleta para
colocá-lo à venda.
Grandes
clubes da Europa, alguns deles mantidos por bilionários árabes, russos e
chineses, contam com olheiros em várias cidades da América do Sul. O objetivo é
melhorar a qualidade técnica dos seus times para a disputa dos campeonatos
internos e da “Champion”, competição que já foi comparada a NBA (liga de
basquete dos Estados Unidos), levando públicos de 80 a 90 mil pessoas aos
estádios.
A
surpreendente transferência de Cristiano Ronaldo para a Juventus, por 112
milhões de euros (R$ 505 milhões), provocou reação dos empregados da Fiat, um
dos maiores conglomerados industriais da Itália, com sede em Turim. Os
trabalhadores consideraram um absurdo que a empresa, proprietária da Juve,
desembolse uma fortuna na contratação do atacante, enquanto nos últimos anos
vem pedindo que eles “apertem os cintos”.
Esse
êxodo de jogadores brasileiros para a Europa e Ásia (China, Japão e nações
árabes) não se prende apenas ao futebol. O basquete, futsal e vôlei
contabilizaram nos últimos anos a perda de dezenas de atletas. O futebol
consegue montar uma seleção com os “estrangeiros” (dos 23 jogadores que
participaram da Copa da Rússia apenas três atuam no Brasil). Essa facilidade
não se aplica aos outros esportes, aliada ao fato de que alguns atletas
adotaram a nacionalidade dos países que os acolheram.
Sociólogos
atribuem em parte à miscigenação à conquista do segundo título mundial da
França. Dos 23 jogadores chamados pelo técnico Didier Deschamps, 19 deles têm
raízes em outros países – são filhos de imigrantes ou são naturalizados. Neste
último caso se enquadram Umtiti (Camarões), Mandanda (Congo), Varane
(Martinica) e Lemar (Guadalupe), sendo que os dois últimos nasceram em
territórios caribenhos que pertencem à França, mas que têm suas próprias
seleções. Franceses genuínos são
Lloris, Pavard, Thauvin e Giroud. O
jovem, 19 anos, goleador Mbappé, eleito pela FIFA como revelação do Mundial,
nasceu nos subúrbios de Paris, de pais africanos.
A
França e seus vizinhos europeus, Bélgica, Inglaterra, Alemanha e Itália, têm se
aproveitado há décadas da imigração, aliada à influência econômica que exercem sobre suas antigas colônias na
África, Guianas e América Central, para manter
a supremacia do seu futebol no mundo. Essa política multicultural sofre
críticas de grupos ultraconservadores. Líder da Frente Nacional, Jean-Marie Le
Pen, tem se posicionado contra desde 1998, quando os “Les Bleus”ganharam a primeira “Jules Rimet”. Suas palavras de censura, repetidas
agora, são direcionadas aos negros “que nem sabem cantar a “Marselhesa”.
A
miscigenação no futebol francês, que, com o passar dos anos, foi adotada por
outros esportes, teve início na Copa de 1938. Nascido na Guiana Francesa, Raoul
Diagné foi o primeiro negro a envergar o uniforme azul. No time de 1958 brilhou
o marroquino Just Fontaine, o maior artilheiro de uma só Copa, com 13 gols em
seis jogos. A seleção campeã de 1998 tinha em sua formação Zinedine Zidane (Argélia),
Patrick Vieira (Senegal), Marcel Desailly (Gana) e Lillian Thuram (Guadalupe).
Os
cinco brasileiros – Pepe (Portugal), Mário Fernandes (Rússia), Tiago Cionek (Polônia),
Rodrigo Moreno e Diego Costa (Espanha) – não foram objetos de negociação com
clubes europeus. Decepcionados com o tratamento que receberam em seu país,
colocaram a mochila nas costas e, na condição de forasteiros, foram procurar
emprego do outro lado do Atlântico.
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