Futebol x Covid-19
Carlos González
“Nós somos a favor da vida.
Não temos condições de retornar aos treinamentos e aos jogos”, protesta
Rafael Damasceno, vice-presidente do Jacobina. Sob o argumento de que
houve imposição
da FBF, o clube recorreu à Justiça para não colocar seu time em campo
esta semana; “a CBF quer nos fazer de cobaias, no momento em que aumenta
o número de mortes pela Covid-19 na Bahia”, denuncia Roberto Carlos,
presidente da Juazeirense. Dispensados em março,
os jogadores estão se mantendo com o auxílio emergencial do governo
federal.
Os clubes baianos estão
programados para voltar aos gramados, após quatro meses de paralisação,
no próximo dia 23, pela penúltima rodada da fase de classificação do
Campeonato estadual.
Bahia, Jacuipense, Bahia de Feira e Vitória estariam hoje classificados
para as semifinais; o Jacobina cairia para a segunda divisão. O Vitória
da Conquista vai a Juazeiro no meio da semana e no domingo recebe o
Jacobina.
Diplomaticamente, o
presidente do Vitória da Conquista, Ederlane Amorim, que em março
passado se desfez do time profissional, não se manifesta com relação a
falta de apoio do poder público
municipal. Nesse período de pandemia, com o olhar voltado para a
reeleição, Herzem Gusmão, sob pressão de comerciantes e pastores
evangélicos, “liberou geral”. Ao mesmo tempo, alimenta seu ego, criando
uma
rusga com o governo do Estado, num claro propósito de politizar a pandemia.
Sem justificativas, os
decretos assinados pelo gestor não se referem às práticas esportivas. Em
120 dias a ajuda financeira ao Conquista se resumiu praticamente nos R$
120 mil enviados
pela CBF, com a finalidade de manter em atividade os 68 clubes da série D do Campeonato Brasileiro, cuja rodada inicial está marcada para 19 de
setembro – o representante
baiano estreia em casa diante do Coruripe, de Alagoas.
Ederlane compara a situação
financeira e estrutural (em termos de agremiação esportiva) do Conquista
a alguém sendo tragado numa zona de areia movediça, sem condições de
salvamento.
Os apelos feitos ao comércio e aos patrocinadores, em busca de
recursos, não tiveram a resposta desejada. Antepenúltimo colocado, o
time tem menos de 1% de probabilidade de ser rebaixado.
O Conquista tem menos de uma
semana para montar um time para fazer apenas duas partidas, oferecendo
aos atletas contrato de 30 dias, permitido pela MP 984/2020, assinada
pelo presidente
Bolsonaro. Depois, tratar de aprimorar a equipe para uma jornada mais
longa de, no mínimo, dois meses, na série D, recebendo da CBF
transporte, alimentação e hospedagem. Ederlane confessa que, em abril,
pensou em desistir do torneio nacional, mas receou uma
punição da CBF ao clube.
Antes da bola rolar
no “Baianão”, sete jogos serão disputados nos dias 21 e 22
próximos, pela última rodada de classificação da Copa do Nordeste, todos
em território baiano (Salvador, Mata de São João, Riachão do Jacuípe e
Feira de Santana). Bahia, já classificado para
a segunda fase, e Vitória, são os representantes baianos.
A crise provocada pela
paralisação do futebol também bateu na porta dos chamados grandes. O
Bahia calcula uma perda de R$ 60 milhões na temporada – seu orçamento
para este ano seria
de R$ 180 milhões. A arrecadação dos três primeiros meses, que oscilou
entre R$ 13 e R$ 15 milhões, caiu em abril para R$ 3,7 milhões. Entre 40
mil sócios adimplentes, cerca de 7 mil deixaram de pagar as
mensalidades.
O maior pesadelo para o
Vitória no momento é começar o Campeonato Brasileiro da série B, no dia 8
próximo, com seis pontos perdidos, ao lado do Cruzeiro, apenado pela
FIFA por causa
de uma dívida. O rubro-negro deixou de repassar ao Boca Juniors, da
Argentina, 347 mil dólares (cerca de R$ 2 milhões), pelo empréstimo do
atacante Walter Bou, em 2018. Com dificuldade para se manter, o Vitória
desviou para outras finalidades uma ajuda de
R$ 120 mil, enviada pela CBF, destinada exclusivamente ao futebol
feminino.
O queridinho da direita
Quem poderia imaginar, o Flamengo, o clube do povo, é a
nova “menina dos olhos” da direita no país. Essa simbiose teve
começo com a visita do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, ao
Planalto, levando na mala seu colega do Vasco, Alexandre Campello. No
encontro, Jair Bolsonaro orientou os cartolas a apressar
a volta do futebol carioca, contrariando organizações e especialistas
em saúde.
Voltando ao Rio, Landim
convenceu a federação de futebol local a reiniciar o Campeonato Carioca –
o Flamengo já havia retornado aos treinamentos de campo, desrespeitando
um decreto municipal.
Fluminense e Botafogo, que se posicionaram contra, chamando a atenção
para sucessivos recordes registrados no avanço da doença, foram punidos
pela federação.
Ao retirar a camisa verde do
Palmeiras e vestir a rubro-negra do Flamengo, Bolsonaro sinalizou para
seus seguidores que o futebol do Rio de Janeiro seria o instrumento de
alguns anseios
do seu governo, como, por exemplo, incutir no brasileiro a idéia de que
vivemos em plena normalidade e que a Covid 19 não passa de uma
“gripezinha”.
Logo após a saída de Landim
do palácio, a MP 984/2020 foi encaminhada para publicação no Diário
Oficial da União. Seu texto, segundo entidades sindicais, vai de
encontro aos direitos
dos atletas profissionais, sacramentados na Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Os
pontos controversos da medida são: flexibilização salarial; contratos
temporários de 30 dias; repasses das TVs para os clubes, retirando dos
sindicatos a função de administrar os recursos
dos direitos de imagem.
Um dos artigos da MP teve
obviamente a intenção de provocar a Globo, que há mais de 18 anos tem
reinado absoluta em transmissões esportivas na TV aberta. O texto dessa
cláusula, sugerida
pelo Flamengo, estabelece que cumpre “à entidade de prática desportiva
mandante o direito de arena sobre o espetáculo”, sendo da sua
exclusividade autorizar ou proibir a captação de imagens.
A primeira emissora
beneficiada foi justamente a preferida de Bolsonaro. No Fla-Flu de
quarta-feira última o SBT do bolsonarista Sílvio Santos bateu a
audiência do Jornal Nacional no
Rio, Brasília e Manaus. A TV do “Homem do Baú” não fazia uma
transmissão de futebol há mais de 20 anos. Numa das salas do Alvorada, o
capitão-presidente, usando uma camisa do Flamengo, assistia ao jogo,
apontando, de maneira irônica, para a logomarca do SBT
na tela do aparelho de TV.
“Essa pressa da direção do
Flamengo de voltar com o futebol é uma irresponsabilidade social, no
momento em que há pessoas no Rio aguardando uma vaga em UTI”, escreveu o
jornalista Xico
Sá na sua coluna semanal no jornal espanhol “El País”, lembrando que o
clube, passados um ano e cinco meses da tragédia no “Ninho do Urubu”,
protela o pagamento da indenização às famílias das 10 vítimas, “negociando centavo por centavo”.
Para fugir do aumento da
propagação do novo coronavírus no Brasil, o Comitê Olímpico Brasileiro
(COI) está enviando para treinamento em Portugal 207 atletas, donos de
melhores índices
técnicos em 15 modalidades esportivas, visando as Olimpíadas de 2021,
em Tóquio. A “Missão Brasil”, que se estenderá até dezembro, tem um
custo aproximado de 15 milhões.
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